Em 1999 as principais manchetes foram estas:

Conflitos forçam superpotências a redefinir ações

Um acordo de paz com data marcada

Mais poderes para um ex-golpista

Dando uma boa chance para a paz

União forte mas moeda instável

AmBev traz debate sobre monopólio

Governo questiona táticas de Gates

Parte o poeta da vida severina

Outro capítulo da desgraça familiar

Tragédia faz rir e ganha o mundo

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1999

Conflitos forçam superpotências a redefinir ações

Como disse um filósofo americano, fazer previsões e arriscado, principalmente sobre o futuro. A ousadia se aproxima da absoluta irresponsabilidade quando relações internacionais são o tema, pela variedade de fatores que afetam os interesses de um pais ou grupo de países. Existem fatores econômicos permanentes e flutuantes, momentâneas ambições eleitorais, pressões demográficas, sonhos militares etc. —sem falar na pressão de corações justos e generosos.

Ate mesmo avanços científicos tem seu peso: se, dentro de uma década ou duas, for possível tirar energia da água do mar (e os estudos sobre a fusão nuclear fria estão quase la) não será surpresa se a indignação ocidental com a ditadura de Saddam Hussein no Iraque murchar tao rapidamente quanto a importância das reservas de petróleo do Oriente Médio inteiro.

As relações de poder nos próximos anos dependerão disso tudo, na seqüência de um processo iniciado quando caiu o ultimo tijolo do Muro de Berlim. Naquele momento, o mundo foi declarado a salvo de guerras nucleares totais. Mas a mercê de fúrias étnicas e religiosas, capuzes de produzir guerras regionais e atos de terrorismo em qualquer parte.

Em 1999, três conflitos localizados contribuíram (nenhum deles e capitulo terminado) para um esboço de tendências do futuro próximo: Kosovo, Timor Leste, Chechênia. Dos três, num processo sangrento de tentativa e erro, esta nascendo uma redefinição do papel coletivo das grandes potências ocidentais e das Nações Unidas. Em Kosovo, os EUA lideraram uma ofensiva da Otan contra a Iugoslávia, acusada de dizimar a população de origem albanesa. A operação militar deu certo, mas o Governo da Iugoslávia não caiu. Em Timor Leste, a intervenção foi da ONU—ignorada pela Otan no episódio anterior—e Timor ganhou sua independência da Indonésia. No final de 1999, a ONU, começando do nível mais elementar, tentava criar la um pais e estabelecer um governo a ser entregue aos timorenses em algum momento do novo século.

Na Chechênia, a Rússia enfrenta rebeldes muçulmanos que acusa de terrorismo. Tem ouvido severas admoestações verbais de seus amigos ocidentais. E significativa uma resposta cínica de Bóris Yeltsin: "O presidente Clinton parece ter esquecido que a Rússia tem um arsenal completo de armas nucleares". Em outras palavras: se eu tenho o arsenal, não faz diferença se tenho ou não razão.

Provavelmente a Otan acabara concordando que ha países que se portam mal e países que se portam mal e tem a bomba. Detalhando mais um pouco; ha quem simplesmente tem a bomba (Índia, Paquistão) e quem dispõe do jogo completo: grandes arsenais, estoque de mísseis sofisticados etc. Sem falar na distinção entre a bomba amiga, de Israel, e a ainda não confirmada bomba hostil, da Coréia do Norte.

Com ou sem artefatos nucleares, nasceu a tese, consensual nas capitais da União Européia e em Washington, de que o mundo precisa de policia, e com uma liberdade de ação mais ampla do que aquela permitida pela Carta das Nações Unidas. Como não se pensa em fechar a ONU, estabelecem-se dois tipos de intervenção. De um lado, o modelo Timor Leste, em que a organização internacional fiscaliza um plebiscito, aciona uma forca multinacional de manutenção da paz e da assistência para que o pais fique em pé sozinho. Para isso, a ONU serve.

Do outro lado, o modelo Kosovo: a Otan da um ultimato a um governante que esteja cometendo crimes contra a Humanidade, e monta uma operação de guerra quando não e obedecida. Se não e a Otan, podem ser os EUA sozinhos, como fizeram, ha alguns anos, no Panamá, invadido para permitir a prisão de um presidente-traficante (que esta ate hoje numa penitenciaria americana, daquelas com serviço cinco estrelas). Para esse tipo de expedição punitiva, a ONU e considerada não apenas impedida de agir por suas próprias regras, como lenta e ineficiente demais, do ponto de vista militar.

Argumentos a favor do novo intervencionismo (colhidos em artigo na revista "Foreign Affairs", de maio de 1999, do especialista em direito internacional, Michael Glennon, americano): "Desde o fim da Guerra Fria os acontecimentos vem demonstrando que o regime antiintervencionista (da ONU) tornou-se obsoleto em relação aos novos conceitos de justiça. A crise de Kosovo ilustra essa defasagem... A Carta (da ONU) baseia-se num pressuposto que simplesmente deixou de ser valido—o de que a principal ameaça a segurança internacional se origina da violência entre Estados... A substituição de um sistema formal por um conjunto de princípios vagos, precários e improvisados não e algo isento de perigos... No entanto, as falhas do antigo sistema eram tao clamorosas que não haverá o que lamentar na tentativa de encontrar nova solução."

Os princípios precários mencionados por Glennon foram postos no papel numa reunião em Istambul, quando os 54 membros da Organização para Segurança e Cooperação na Europa aprovaram uma Carta de Segurança que declara ser legitimo o interesse coletivo em conflitos internos que ponham em risco a estabilidade regional. A OSCE se propõe a proteger as minorias, defender a democracia e garantir a independência dos meios de comunicação. Terá uma força de intervenção civil rápida para atender a emergências administrativas, mas o ano termina sem decisão sobre uma força militar. Por algum tempo, o braço armado da Europa portanto, continuara a ser o da Otan—que inclui os EUA, tao influente quanto rico.

Pode-se prever que nos próximos anos a ONU continuara a tentar resolver conflitos e amenizar tragédias na África e em outros pontos de importância menor para as grandes potências. E que a Otan continuara a exercer o seu papel de fiscal da democracia na Europa, a não ser que um ressurgimento do isolacionismo nos EUA—particularmente no Congresso —permita a OSCE exercer esse papel sozinha, para irritação da Casa Branca.

O que noa é possível sequer imaginar e de onde surgira uma definição para "proteção de minorias" e "defesa da democracia" que assegure o caráter humanitário de novos Kosovos. Mas eles existirão. Não e de graça que os EUA estão trocando seus tanques de guerra: os antigos mostraram na Iugoslávia que não são bastante ágeis para agir em cidades—principalmente naquelas em que vitimas e carrascos usam roupas parecidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Um acordo de paz com data marcada

Em maio de 1999, o militar mais condecorado da história de Israel foi eleito para um cargo em muito semelhante a um campo de batalha: o ex-general Ehud Barak, ex-chefe do Estado Maior das Forcas Armadas, responsável por operações como a do resgate do avião seqüestrado por terroristas no aeroporto israelense de Lod tornou-se, cinco anos depois de ter trocado a farda pela politica, chefe de Governo de um pais que, desde a assinatura de um acordo de paz com os palestinos, mostrava uma divisão profunda. De um lado, os favoráveis a paz e suas conseqüências: criação de um Estado palestino, devolução de todas as terras ocupadas por Israel, dissolução das colônias judias na Cisjordania; de outro, os extremistas israelenses contrários a qualquer acordo, que tremiam só em pensar nas concessões que o pais teria de fazer ao seu histórico inimigo.

Foi esta divisão que permitiu, em 1996, a eleição do direitista Benjamin Netanyahu para primeiro-ministro, causando um retrocesso nas negociações de paz. Pressionado a cumprir o acordo e, ao mesmo tempo, a agradar seus aliados de extrema direita, Netanyahu acabou perdendo a confiança da maioria do Parlamento, que antecipou em um ano as eleições, marcadas inicialmente para 2000.

O argumento usado por Netanyahu para se eleger em 1996 já não funcionou em 1999: a eleição em que fora vitorioso se seguiu a uma serie de atentados fundamentalistas, e a palavra chave de sua campanha—segurança— atingira então o ponto fraco dos israelenses. Dessa vez, ele renovou o apelo, usando as fotos dos ônibus calcinados naqueles ataques, mas o resultado foi um tiro pela culatra: as fotos geraram revolta de parentes das vitimas e os trabalhistas ganharam pontos, ao denunciar o "uso cínico dos atentados".

Barak, seu principal adversário, saiu pela tangente na questão da segurança, adotando um discurso centrista, e investiu nos 800 mil imigrantes russos (15% do eleitorado), prometendo-lhes melhoria econômica. Os dois lados recorreram aos melhores marqueteiros políticos americanos, fazendo com que, pela primeira vez, a campanha israelense ganhasse em agressividade e slogans e perdesse em substancia.

Barak venceu com ampla maioria: 56% contra 43,9% de Netanyahu. O novo primeiro-ministro retomou imediatamente as negociações com Yasser Arafat e, em dezembro, reiniciou conversações com a Síria, paralisadas desde 96. Pela primeira vez, foi fixado um prazo para o acordo final com os palestinos: novembro de 2000, quando se realizam eleições nos Estados Unidos. Se der certo, o presidente Bill Clinton poderá coroar seu Governo com mais essa vitória diplomática.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Mais poderes para um ex-golpista

Ao apagar das luzes de 1999, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, obteve o apoio que reivindicava para promover sua ansiada "revolução pacifica" no pais. No dia 15 de dezembro, 71% dos eleitores que atenderam a convocação de um plebiscito para aprovar a nova Constituição votaram pelo sim. A oposição—liderada pelos dois partidos que, ate a posse de Chávez, dez meses antes, tradicionalmente se revezavam no poder, a Ação Democrática (social-democrata) e o Copei (democrata-cristão)— só teve 29% dos votos, perdendo a queda de braço com Chávez, coronel expulso do Exercito após uma tentativa frustrada de golpe, em 1992, contra o presidente Carlos Andrés Perez, e que se elegeu em 1998 pelo voto direto.

A vitória de Chávez no plebiscito, apesar de expressiva, foi enfraquecida pelo baixo comparecimento as urnas: 54% dos eleitores aptos a votar se abstiveram. Entre os que disseram sim estava uma grande massa da camada mais pobre da população, que, mais do que apoiar a nova Carta—a qual muito provavelmente não havia lido—manifestava, com seu voto o apoio ao presidente. A Constituição foi elaborada em apenas 100 dias por uma Assembléia Constituinte formada por uma ampla maioria de correligionários de Chávez, para entrar em vigor em 1º de janeiro de 2000. Com ela, o mandato do presidente passou de cinco para seis anos—na pratica, com eleições gerais previstas para marco e a possibilidade de reeleição, Chávez poderá governar ate 2012.

O chefe de Estado esmerou-se em reforçar seus poderes. Poderá, por exemplo, convocar plebiscitos sobre qualquer assunto que julgue de importância nacional (seus críticos alegam que e um meio de evitar confronto com a oposição no Congresso). Também caberá a ele determinar as promoções dos militares, antes uma atribuição do Congresso. Assim, estreitaram-se os vínculos entre o Executivo e as Forcas Armadas. O Congresso, por sua vez, tornou-se unicameral, com a dissolução do Senado, o que facilitara as pressões sobre a casa. O Judiciário acusado por Chávez de corrupto, foi reformulado, perdendo sua independência —o Congresso pode interferir na nomeação e na destituição de juizes.

A imprensa tampouco foi esquecida. Ficou obrigada a prover apenas "informação oportuna, verdadeira e imparcial", um canal aberto a censura, já que o conceito, como lembrou a oposição, e subjetivo. Igreja, elites, empresariado e classe media acusaram o presidente de querer implantar um regime autoritário no pais. Chávez respondeu com a promessa de, a partir da reestruturação do Estado, tirar a maioria da população da pobreza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Dando uma boa chance para a paz

Ninguém achou que ia ser fácil, mas a paz nunca esteve tão perto de católicos e protestantes da Irlanda do Norte, após a conclusão do Acordo da Sexta-feira Santa, em abril de 1988, para encerrar um conflito que deixou mais de 3.200 mortos nas ultimas três décadas. O fruto desse entendimento resultou na posse do primeiro Governo de união nacional, 11 anos depois, em 2 de dezembro de 1999. Pela manhã, o primeiro-ministro irlandês Bertie Ahern promulgou uma reforma constitucional exigida pelos protestantes; depois, recebeu Peter Mandelson, o ministro britânico para a Irlanda do Norte, e os dois assinaram o tratado anglo-irlandês.

Para se chegar ao Governo autônomo, que teve o aval da Rainha Elizabeth II, os protestantes unionistas continuaram favoráveis a manutenção dos laços com a Grã-Bretanha, mas concordaram em dividir a administração da província com os católicos republicanos. Por sua vez, estes abriram mão da reivindicação constitucional sobre a soberania de territórios que continuaram sob domínio britânico quando a Irlanda se tornou independente, em 1922, Para completar o acordo, o IRA, o Exercito Republicano Irlandês, indicou um representante para negociar o desarmamento.

O novo Governo de coalizão, festejado por todo o mundo político, entretanto, não terá autonomia total. A defesa e a segurança publica continuarão sob o controle britânico. Como também a economia, totalmente arrasada após décadas de violência. Por causa dos conflitos recorrentes, a Irlanda do Norte passou a ter um desempenho econômico semelhante ao de alguns países em desenvolvimento da América Latina, incompatível com os padrões europeus, abaixo inclusive do da vizinha Republica da Irlanda, ou Eire. Desde 1994, porem, com as tréguas intermitentes, a economia da região passou a reagir bem e demonstrar a sua capacidade de crescimento. Espera-se que os investimentos retornem com forca a Irlanda do Norte e o turismo volte a florescer.

Do acordo que resultou no governo de coalizão ainda falta cumprir um dos pontos cruciais: o desmantelamento do arsenal dos grupos paramilitares. Segundo especialistas em armamentos, o IRA sozinho possui, alem de toneladas de explosivos plásticos e mil metralhadoras, seis lança-mísseis, 25 lança-foguetes e 40 lança-granadas. A sua arma mais poderosa, no entanto, e a capacidade de fabricar explosivos a partir de fertilizantes agrícolas.

Embora tenha indicado um representante para negociar o desarmamento, e o prazo final para a deposição total das armas soja maio de 2000, o IRA não deixou claro quando vai entregar o seu arsenal. E o mais importante: se realmente o entregara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

União forte mas moeda instável

Pela primeira vez, em duas décadas, uma mulher foi escolhida, em julho de 1999, para presidir o Parlamento Europeu, que representa os povos dos 15 países da União Européia e é eleito a cada cinco anos. Nicole Fontaine, uma francesa de 57 anos que conseguiu montar uma coalizão de direita, derrotou o português Mario Soares e constrangeu os socialistas, que haviam convencido Soares a integrar o Parlamento, certos de que o elegeriam presidente.

Criado em 1962, somente em 1979 o Parlamento teve os seus 626 membros escolhidos pelo voto direto. Nunca, porem, a eleição de uma assembléia como a que levou a escolha de Fontaine teve tanto desinteresse, atingindo a media de 50% de abstenção Os eleitores não pareceram muito interessados nos destinos de uma potência mundial que tem uma produção de riqueza somente inferior a dos Estados Unidos, e cuia unificação vem sendo costurada desde 1957, com o Tratado de Roma.

Os sucessivos tratados firmados entre os países europeus, em especial os de Maastricht (que estabeleceu as bases da UE) e o de Amsterdã (que expandiu a UE para o Leste), fizeram com que o Parlamento deixasse de ser um órgão puramente consultivo e se tornasse uma assembléia legislativa com os mesmos poderes dos parlamentos nacionais, só que em escala européia. Mas isso nunca evitou as muitas divergências entre os países membros. A maior delas não poderia deixar de ser o fato de os países abrirem mão de suas moedas nacionais e aderirem ao euro, a moeda única que foi o ponto de partida para a criação de uma Europa moderna e da unificação para valer.

Passando a vigorar como valor de referencia, a partir do primeiro minuto de 1999, a moeda única ainda não foi adotada por Reino Unido, Dinamarca e Suécia, que optaram por não aderir, e pela Grécia, que só estará pronta para adota-la em 2002, quando começarem a circular as cédulas que substituirão as moedas nacionais. Saudado como o mais ousado desafio a hegemonia do dólar, a novidade estreou cotada mais forte do que o dinheiro americano. Os europeus, porem, não contavam com a grande expansão dos EUA e o fraco desempenho da economia da União Européia. Durante os meses seguintes, o euro só fez despencar, chegando a ter, em julho, uma desvalorização de 13%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

AmBev traz debate sobre monopólio

No rastro das fusões que movimentaram os maiores mercados do mundo em 1998, duas arquiinimigas companhias de bebidas no Brasil, Brahma e Antarctica, anunciaram sua união em julho de 1999. A nova empresa, batizada de AmBev—American Beverage Company ou Companhia de Bebidas das Américas —nasceu como a quinta maior industria de bebidas do mundo e a terceira no ranking das cervejarias, atras apenas da americana Anhauser-Bush e da holandesa Heineken. Como justificativa oficial, a associação teria a abertura ao mercado externo, estimulada pelo Mercosul. Para as concorrentes, no entanto, especialmente a Kaiser, da Coca-Cola, o objetivo da fusão era mesmo controlar o mercado interno. Com suas três marcas principais— Brahma, Antarctica e Skol (esta já propriedade da Brahma)—a AmBev, se for aprovada, deterá mais de 70% do mercado brasileiro de cerveja e quase 40% do de bebidas em geral.

Sob a direção de Marcel Telles, da Brahma, e Victório Marchi, da Antarctica, a AmBev, que prometia manter as redes distribuidoras das três cervejarias originais, recebeu o apoio do Governo Fernando Henrique, mas foi parcialmente paralisada por uma ação cautelar aprovada no dia 14 de julho pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão governamental encarregado de defender os direitos dos consumidores contra abusos econômicos. Com a medida, as duas companhias ficaram impedidas de demitir funcionários, fechar fabricas, retirar alguma marca do mercado ou alterar modelos de distribuição. A ação permaneceria em vigor ate o julgamento da fusão pelo Cade, o que ainda não havia acontecido no final de 1999.

Só no primeiro semestre de 1999, segundo pesquisa da empresa de consultoria KPMG, ocorreram no pais 142 fusões e aquisições em diversos setores da economia, cem delas envolvendo capital estrangeiro, favorecido pela desvalorização cambial. A competição sem fronteiras provocada pela globalização seguia um movimento mundial, desencadeado especialmente nos Estados Unidos, onde, no final de 1998, ocorreu a fusão de duas gigantes companhias petrolíferas, Exxon e Mobil, um negócio de US$ 82,8 bilhões. Outro exemplo de megafusão foi a da canadense Alcan com a francesa Pechiney e a suíça Algroup, em agosto de 1999: sob a sigla APA, a nova empresa tornou-se a maior produtora de alumínio do mundo. A área de telecomunicações também foi marcada por grandes associações, encabeçadas pelas americanas AT&T e Tele-Comunications, no valor de US$ 70 bilhões. Meses depois surgia, na Europa, a maior companhia de telecomunicações do mundo, resultado da compra da Telecom Itália pela Deutsche Telekom, por US$ 90,6 bilhões.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Governo questiona táticas de Gates

Processada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e por 19 estados americanos, sob a acusação de usar táticas ilegais para tentar estender sua presença no mercado de sistemas de navegação na Internet, a Microsoft recebeu em novembro de 1999, o veredicto do juiz federal Thomas Penfield Jackson: tratava-se de um monopólio. O juiz concluiu que a empresa estaria usando seu poder para prejudicar as que tentavam intensificar a concorrência na informática. Os três argumentos principais destacados por Jackson foram: a grande e estável participação de mercado da empresa, as pesadas barreiras a entrada de novos participantes no mercado e a falta de alternativas comercialmente viáveis ao sistema operacional Windows.

Maior fabricante de software do mundo, cujo valor de mercado já ultrapassou os US$ 500 bilhões—o equivalente a mais da metade do Produto Interno Bruto brasileiro—a Microsoft foi criada em 1975 por um jovem de 19 anos chamado Bill Gates, em sociedade com o amigo Paul Allen. O sucesso chegou logo com o desenvolvimento do sistema DOS. Depois a empresa tomou conta do mercado com o lançamento do Windows, sistema que passou a ser básico em todo PC. Gates tornou-se oficialmente o homem mais rico do mundo em 1992, com uma fortuna próxima dos US$ 100 bilhões, e seu sócio passou a ocupar o terceiro lugar na lista dos bilionários. Em 99, Gates tinha 19,4% da empresa e Allen, 2, 47%. A valorização das ações desde 1986 tornou milionários cerca de 25% de seus empregados.

Com sua estratégia agressiva, a Microsoft passou a investir em programas de acesso a Internet, conseguindo suplantar a Netscape, que liderava o mercado com seu browser (programa de navegação na rede), lançado em 1994: um ano depois, a empresa de Bill Gates passou a distribuir de graça o Internet Explorer, concorrente do Netscape Navigator. Ousando mais uma vez, lançou o Windows 98, uma versão do sistema operacional que incluía o Internet Explorer. A atitude não era novidade: a Microsoft sempre embutiu nas atualizações do Windows programas similares aos dos concorrentes, tornando-se por isto alvo de processos judiciais, inclusive no Brasil. Em julho de 1999, a empresa vencera um processo, movido pela Bristol Technologies, que a acusava de ter negado acesso aos códigos de computador do Windows NT. A Bristol pedia uma indenização de US$ 263 milhões pelos prejuízos causados.

Na ação do Departamento de Justiça, existe a possibilidade de que um acordo extrajudicial ponha fim aos problemas, já em 2000. Se isso não ocorrer, a Microsoft pode ser obrigada a vender separadamente seus programas, a transformar o código de programação do Windows (protegido por copyright) em domínio público ou, mesmo, a se dividir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Parte o poeta da vida severina

Autor do clássico da poesia brasileira "Morte e vida severina" e membro da Academia Brasileira de Letras, o pernambucano João Cabral de Melo Neto morreu, aos 79 anos, em 9 de outubro de 1999.O poeta vivou seus últimos sete anos quase cego, resultado de uma degeneração da retina e causa da depressão que o atormentou durante todo o período. Incapaz de ler e de escrever, suas grandes paixões, João Cabral chegou a declarar, em 1997: "Não sou mais um escritor".

Diplomata de carreira—serviu em Londres, Sevilha, Genebra e no Porto, entre outras cidades—o poeta deixou uma obra extensa e elaborada, reunida pela primeira vez numa única edição em 1994, nas 836 paginas de "João Cabral de Melo Neto—Obra completa". Entre suas obras-primas estão "Serial", de 1961, "A educação pela pedra", de 1966, e 'Auto do frade", de 1984. Seu trabalho mais conhecido, "Morte e vida severina", foi musicado por Chico Buarque de Hollanda e transformado em peca teatral em 1966, encenada com sucesso tanto no Brasil quanto em Portugal e na Franca, ajudando a tornar famoso o nome de João Cabral, que considerava o texto uma obra menor.

Enxuto, preciso, rigoroso, exato, severo, seco, certeiro, foram algumas palavras constantemente usadas para definir a poesia de João Cabral. "Demoro muito a escrever. Tem poemas que eu levei dez anos para escrever", disse o poeta em 1994, confirmando o aspecto cerebral e meticuloso de sua obra, iniciada com a publicação de "Pedra do sono", numa edição bancada pela família, em 1942. No ano de 1947 recebeu seu primeiro posto diplomático no exterior, no Consulado Geral em Barcelona, Espanha. Foi a primeira das sete vezes que serviu o Itamaraty naquele pais, no qual viveu por 14 anos e que acabou se tornando uma grande influencia em sua vida e obra. A musica flamenca, bailarinas e toureiros passaram a aparecer com freqüência nos poemas de João Cabral.

Alem dos largos períodos no exterior, o poeta era uma pessoa reservada, o que contribuía para torna-lo pouco conhecido no pais ate voltar de vez, estabelecendo-se no Rio em 1987. A partir dai, passou a revelar em entrevistas uma personalidade das mais curiosas: torcedor e ex-jogador de futebol—foi campeão juvenil pelo Santa Cruz e levou a bandeira de seu time carioca, o América, em seu caixão, enterrado no mausoléu da ABL—pintor, tipógrafo (atividade que exercera por recomendação medica), viciado em aspirina e defensor da tese de que "a vida diplomática só e possível por causa do álcool", era ainda um fumante tardio, tendo começado aos 70 anos. Com sua morte, a língua portuguesa perdeu o ultimo de seus grandes poetas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Outro capítulo da desgraça familiar

Foi uma comoção nos EUA quando o monomotor pilotado por John John, alias John Kennedy Jr., de 38 anos, que ia com a mulher Carolyn e a cunhada Lauren Bessette a um casamento, desapareceu. Piloto pouco experiente, ele decolou de Nova Jersey na neblina da noite de sexta-feira 16 de julho, um dia depois de ter tirado o gesso de um dos pés. O sumiço virou tragédia nacional e internacional no domingo, quando os grupos de busca perderam a esperança de encontrar sobreviventes. Os corpos foram resgatados somente no dia 21.

Em 25 de novembro de 1963, seu terceiro aniversario, John F. Kennedy Jr. acompanhou, em Arlington, Washington, o enterro do pai, o presidente, assassinado em Dallas. Ficou famosa a foto do menino saudando o caixão do pai com uma continência . Quando John Jr. nasceu, em 1960, seu pai tinha vencido as eleições presidenciais apenas 17 dias antes. Os fotógrafos já o esperavam na vitrine do berçário. Vivendo uma infância publica, o garoto aparecia nos jornais brincando no Salão Oval da Casa Branca enquanto o presidente decidia os destinos da nação.

Em 1968, a viúva Jacqueline Kennedy casou-se com o exibido magnata grego Aristóteles Onassis. Uma união espetacular—ate a morte de Onassis, em 1975—que manteve Jackie e os filhos, John e Caroline, na mira dos fotógrafos. John John crescia cercado de seguranças, mantido afastado de Washington pela mãe e aparentemente protegido da maldição que levava prematuramente os homens da família— ele perdeu o irmão ainda bebe, o tio Joe morreu num acidente de avião e o tio Bob foi assassinado cinco anos depois do presidente.

Adulto, atraiu ainda mais atenção da imprensa e chegou a ser eleito, pela revista "People", o homem mais sexy do mundo. Seus alegados casos com Madonna, Sharon Stone, Brooke Shields e Julia Roberts foram badalados, e o longo namoro com Darryl Hannah rendeu imagens quase diárias para os jornais. Em 1994, ano da morte de Jackie, conheceu a futura esposa, Carolyn, num romance que aumentou a curiosidade em torno dele—uma briga do casal, num parque, na qual ele chegou a chorar, foi gravada por um passante e exibida na TV. John John aproveitou a popularidade para lançar sua revista de politica e cultura pop, "George", em 1995. O príncipe encantado casou-se com sua princesa as escondidas, em 1996. Os admiradores acreditavam que eles viveriam felizes para sempre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1999

Tragédia faz rir e ganha o mundo

A receita era sob medida para cativar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: o Holocausto, uma criança ítalo-judia e salvadores soldados americanos. Saiu tudo conforme o previsto. "A vida e bela" ("La vita e bella"), filme escrito, dirigido e estrelado pelo italiano Roberto Benigni, ganhou três dos sete Oscars ao qual concorreu na noite de 21 de marco de 1999: melhor filme estrangeiro melhor ator e melhor trilha sonora de drama. Benigni subiu duas vezes ao palco, fazendo piruetas e piadas num inglês macarrônico. Numa delas, sepultou o sonho de que "Central do Brasil", de Walter Salles, trouxesse para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

Empurrado por implacável estratégia de lançamento da Miramax—subsidiaria da Disney que funciona como produtora independente e distribuidora, só que cheia de dinheiro—o filme conseguiu US$ 2,8 milhões no fim de semana de lançamento nos EUA, quantia expressiva para um publico avesso a cinematografias de língua não-inglesa. Mesmo com tanto sucesso a seu favor—e mais 41 prêmios internacionais —não se esperava que "A vida e bela" fosse tao bem-sucedido na noite do Oscar.

Aos 46 anos, o comediante italiano Roberto Benigni via a consumação de um longo flerte com o publico internacional. Tudo começou com a hilariante participação de Benigni em "Daunbailó" (1986), do diretor americano Jim Jarmusch. O italiano apareceria também no melhor dos esquetes que formam outro filme do diretor, "Uma noite sobre a Terra" (1992). Em 1993, o cineasta Blake Edwards o escolheu para suceder o falecido Peter Sellers na famosa série cômica de cinema "Pantera Cor-de-rosa". O desastrado Jacques de "O filho da pantera cor-de-rosa" foi a melhor chance de Benigni para virar astro internacional, mas a produção americana não chegou perto do êxito esperado.

O estouro de Roberto Benigni foi conseqüência de sua carreira como astro-diretor na Itália. Entre o final dos anos 80 e o meio dos 90 ele escreveu, dirigiu e estrelou uma serie de sucessos—"O pequeno diabo" (1988) "Johnny Stechinno" (1991) e "O monstro" (1994)— que o tornaram o comediante mais popular de seu pais e tiveram significativa repercussão no exterior. Estava aberto o caminho para Benigni ousar com a história do judeu mandado para um campo de concentração nazista com o filho, e que preserva a inocência do garoto dizendo que todo o Horror faz parte de uma gincana. Um belo roteiro. Que. alias, merecia ter levado outro Oscar para a Itália.

Fonte: O Globo - Texto integral