Em 1998 as principais manchetes foram estas:

Bill, Monica. Uma saga americana

Passado condena o velho ditador

Uma ex-potência no fundo Do poço

Furacão devasta América Central

Os hábitos cruéis de um ‘motoboy’

Brasil dá vexame e perde de goleada

A nova comida de laboratório

Uma nova pílula na história sexual

Prêmio inédito para o português

Viagem em busca de uma esperança

Clique sobre a manchete para conhecer os detalhes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Bill, Monica. Uma saga americana

Como era de se esperar de uma saga americana, por mais mundana que ela seja, ou precisamente por isso mesmo, os dois personagens centrais do maior escândalo político dos anos 90 nos Estados Unidos poderão acabar em Hollywood.

O presidente Bill Clinton está cada dia mais inclinado a aceitar a oferta do diretor Steven Spielberg e seus sócios Jeffrey Katzenberg e David Geffen, para presidir o seu estúdio Dreamworks SKG. E Monica Lewinsky, a ex-estagiária da Casa Branca, depois de algumas bem-sucedidas pontas no "Saturday Night Live", o mais famoso show cômico-musical da TV americana, tem conversado com agentes e produtores da meca do cinema, procurando tornar realidade o seu sonho de transformar-se numa estrela.

Até aqui, ambos já conseguiram algo mais perene: um lugar na História, ainda que não exatamente aquele que imaginavam Clinton, político da gema, sonhava em ser encaixado pelo menos sob a mesma estatura política do seu herói de adolescência, John F. Kennedy, de quem sempre quis confessadamente imitar os passos.

Por ironia, ambos vieram a se igualar, mas em outra área: acabaram tropeçando num rabo de saia, ainda que para a maioria dos observadores tenha ficado clara a vantagem de JFK sobre Clinton. A distância entre Marilyn Monroe e Monica Lewinsky, afinal, é visivelmente grande.

Monica, por sua vez, alimentou por algum tempo a ilusão de vir a ser a nova mulher do futuro ex-presidente. E acabou entrando nos livros como a mulher que quase causou o primeiro impeachment de um presidente dos Estados Unidos, e a pessoa que levou o líder do país mais poderoso do planeta a se humilhar perante os olhos do mundo inteiro, através de um depoimento frente as câmeras de televisão em que finalmente admitiu ter cometido adultério e mentido a todos sobre o seu relacionamento com ela.

Clinton sem dúvida será sempre lembrado por seu affair amoroso com uma jovem estagiária no Salão Oval. Uma recente pesquisa de opinião mostrou que 71% dos americanos crêem que ele será recordado primeiramente por esse escândalo e o conseqüente (ainda que fracassado) impeachment. E essa mancha permanecerá inclusive materialmente na História americana.

Isso porque além de vários documentos produzidos durante os seus dois mandatos como presidente, assim como objetos que Ihe foram presenteados, o Arquivo Nacional terá em sua coleção o agora famoso vestido azul que Monica guardara como lembrança (relíquia?) de seu namorico presidencial, manchado com o esperma de Clinton—e que acabou servindo como uma das provas de acusação.

"Nós provavelmente não o colocaremos em exibição logo. Mais tarde, com o passar dos anos, pode ser que isso venha a ser feito", disse Steven Tilley, chefe do Arquivo.

Monica terá um lugar também no léxico americano como sinônimo de um ato sexual específico. Pois desde que o escândalo explodiu, o sobrenome Lewinsky tem servido no linguajar diário, nas ruas e em programas cômicos da TV, como substituto para o sexo oral proporcionado por uma mulher.

Além disso, Lewinsky também virou verbo. Quando querem evitar a palavra fellatio ou outra mais vulgar em determinadas conversas, os americanos costumam dizer, por exemplo, que "fulana Lewinskyed (ou está Lewinskying) o seu chefe".

Nessa área, aliás, o casal Clinton-Lewinsky estabeleceu uma confusão semântica, ao afirmar em depoimento a Justiça—cada um por seu lado—que a sua pratica habitual, o sexo oral, não constitui uma relação sexual. Ambos chegaram a apresentar cinco dicionários em defesa própria: todos definiam relação sexual como coito. E o presidente, que anos atrás admitiu ter fumado maconha "mas sem tragar", afirmou desta vez que jamais tinha havido penetração. O máximo a que Clinton se permitiu foi aceitar que tinha tido "contatos íntimos impróprios" com a estagiária.

Enquanto o resto do mundo apreciava com espanto e sarcasmo o desenrolar da novela, que na maioria dos países não colocaria em risco a Presidência (a menos que a mulher, no caso, fosse uma espiã estrangeira ou coisa que o valha), a Câmara dos Deputados aprovou um processo de impeachment contra o presidente, sob duas acusações: perjúrio e obstrução de Justiça. Ele teria mentido ao negar as relações sexuais, além de ter pedido a namoradinha que mentisse em seu testemunho.

O Senado, porém, acabou livrando-o desse triste fim em fevereiro de 1999. Em ambas as casas do Congresso o Partido Republicano tinha maioria. Na primeira bastava uma maioria simples para condená-lo. Na outra, porém, seriam necessários dois terços dos votos—algo considerado politicamente impossível nesse caso, a menos que houvesse uma traição em massa do próprio Partido Democrata. No fim, dez parlamentares adversários acabaram se somando aos do partido do Governo, dando a Clinton uma vitória por 55 a 45.

Embora jamais tenha confirmado o episódio, tornou-se numa das histórias mais repetidas no Congresso a versão de que o ultraconservador Jesse Helms, um veterano e poderoso deputado que há anos lidera a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, teria ficado irritado consigo mesmo ao deixar passar o que seria, a seu ver, uma maneira segura de obter o impeachment de Clinton.

Helms, anticomunista fervoroso, e que até hoje garante com seu poder na Câmara a permanência do embargo comercial contra Cuba, comentou com colegas que o desfecho poderia ter sido diferente se tivessem dado atenção a tempo, a um detalhe até então desapercebido. Nos depoimentos de Lewinsly e Clinton ficara registrado que, em alguns dos 12 encontros furtivos no Salão Oval o presidente utilizara um charuto para satisfazer sexualmente a estagiária.

"Ninguém nunca se preocupou em saber a marca do charuto. Esse detalhe poderia ter derrubado o presidente", teria dito Helms, segundo várias fontes do Congresso. Acontece que devido ao embargo comercial imposto a Cuba, nenhum produto cubano é admitido nos Estados Unidos. Charutos feitos na ilha de Fidel Castro, portanto, só entram no país ilegalmente. E, segundo Helms, se Clinton tivesse utilizado um "puro habano" em seus contatos íntimos com Monica Lewinsky, ele poderia ser acusado de contrabando—algo que, na opinião do deputado, seria politicamente mais comprometedor (equivalente a uma traição) do que a troca de carícias com uma estagiária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Passado condena o velho ditador

Em outubro de 1998, um juiz espanhol fez o mundo entrar numa nova época em matéria de relações jurídicas internacionais. Ba!tazar Garzón e seu colega Manuel Garcia Castellón investigavam há dois anos os crimes de que eram acusados o general Augusto César Pinochet Ugarte, ditador do Chile de 1973 a 1990, e os integrantes das juntas militares que governaram a Argentina de 1976 a 1983. Aproveitando o fato de o general octogenário se encontrar na Inglaterra para uma cirurgia de hérnia de disco, Garzón expediu um mandado de busca e apreensão contra o militar, que a Justiça inglesa surpreendentemente acolheu, e ainda solicitou sua extradição para a Espanha.

Baltazar Garzón acusava o general Pinochet de genocídio terrorismo e outros crimes contra a Humanidade e fundamentava seu pedido num princípio adotado desde 1985 pela legislação espanhola, o de que qualquer país tem competência para prender e julgar os responsáveis por tais delitos. Eram relacionadas, pelo juiz, 94 vítimas da repressão durante o governo de Pinochet—que deixou mais de dois mil mortos e mil desaparecidos—entre chilenos, espanhóis, argentinos, britânicos, americanos e pessoas de outras nacionalidades. O ex-ditador, então senador vitalício, foi detido dia 16, na clínica londrina onde se recuperava de cirurgia, e nela ficaria até 1° de dezembro, quando foi transferido para um condomínio de luxo nos arredores da capital inglesa.

A detenção de Pinochet mobilizou a opinião pública mundial. O Governo do Chile, é óbvio, protestou. O povo ficou dividido: boa parte achava que o senador não devia ser processado em lugar nenhum, mas outro tanto concordava com um julgamento em seu país. Uma minoria queria vê-lo no banco dos réus fosse onde fosse. Em um gesto de solidariedade e tardia confissão, altos oficiais que trabalharam com o general se apresentaram à Corte de Apelações de Santiago dizendo-se "responsáveis também pelos supostos delitos de que o acusam". Em diversos países europeus, no entanto, surgiram mais processos contra Pinochet. Até os americanos, seus antigos aliados, mostraram-se arrependidos pelos "sérios erros" cometidos na América Latina, um dos quais foi apoiar o regime militar chileno.

No final de outubro, o ex-presidente ganhou a primeira batalha judicial, ao ver reconhecida sua imunidade por um tribunal inglês. A vitória durou pouco. Houve recurso contra a decisão e, em 25 de novembro, a Câmara dos Lordes, instância maior da Justiça britânica, sentenciou que Pinochet não tinha imunidade, por ser apenas um ex-chefe de Estado, e declarando legal sua detenção. Em dezembro, o ministro do Interior, Jack Straw, recusou o pedido de libertação encaminhado pelo Governo do Chile e autorizou a continuação do processo de extradição para a Espanha.

O caso se arrastou por todo o ano seguinte. A Justiça britânica acabou por dar o sinal verde à extradição, mas as apelações dos seus advogados continuaram a manter Pinochet na Inglaterra. Por outro lado, o Chile alegou razoes humanitárias para a soltura do general, que completou 84 anos em 25 de novembro de 1999 e tem vários problema de saúde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Uma ex-potência no fundo Do poço

Desde que se tornou um país capitalista, a Rússia vem pagando um alto preço para manter esse status. E 1998 foi, sem dúvida, o pior ano de sua nova fase. Bem a propósito, o dia 13 de agosto foi chamado de quinta-feira Negra. Situação do mercado local naquela data: Bolsa em queda acelerada, bancos sem dinheiro, Governo ídem e forçado a aumentar os rendimentos dos títulos públicos para manter e atrair investidores. Estava configurada uma crise quase insuperável, após sete anos de declínio econômico e crescimento da pobreza, e marcada, nos últimos meses, por paralisações, passeatas e greves de fome de trabalhadores e pensionistas do Governo, credores de bilhões de dólares.

A última parcela de um empréstimo de US$ 25 bilhões feito pelo Fundo Monetário Internacional acabara de ser liberada, mas não havia jeito. No dia 17, foi anunciado um pacote de medidas drásticas. entre as quais a desvalorização do rublo, a suspensão de negócios com alguns tipos de títulos do Tesouro, que seriam convertidos em novos papéis, e uma moratória de 90 dias para a dívida externa do setor privado do país.

O mundo globalizado tremeu nas bases, com justificado receio de que se repetissem as crises em série ocorridas nos chamados "países emergentes", no ano anterior. A repercussão exterior do pacote, no entanto, foi menor do que se esperava, porque a maior parte dos credores do setor privado russo era de bancos alemães, franceses e ingleses, todos em condições de agüentar três meses sem receber. Por outro lado, quem tinha dinheiro investido no mercado russo começou a vender títulos dos emergentes e a retirar os recursos neles aplicados, para compensar as perdas com o pacote. Um deles, o Brasil, acabou recorrendo ao FMI.

Internamente, a crise rendia. O primeiro-ministro Serguei Kiriyenko, já com uma impopularidade quase unânime, tentou defender as medidas, afirmando que "não podia se dar ao luxo de fazer um Governo popular". Era a gota que faltava. Foi defenestrado pelo presidente Bóris Yeltsin. Revelando uma dramática falta de opções, Yeltsin indicou Viktor Chernomyrdin, a quem Kiriyenko sucedera quatro meses antes. O Parlamento não aceitou, e o nomeado veio a ser o diplomata Eugeni Primakov. O país reagiu positiva mente à escolha: a Bolsa subiu e o rublo se valorizou.

Em 16 de novembro terminou a moratória, mas surgiu o medo de que mais da metade das 1.500 instituições bancárias russas quebrassem, por não terem condições de reiniciar os pagamentos.

Em dezembro, o país demonstrou o desejo de contar de novo com o FMI. Mas nos últimos dias do ano, deixou de honrar um pagamento de US$ 362 milhões de dívidas herdadas da era comunista . E o mundo voltou a se preocupar...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Furacão devasta América Central

"Mitch" nasceu furacão em 21 de outubro de 1998, ao sul da Jamaica; ao final, arrefeceu para tempestade tropical, mas, nos nove dias em que assolou a América Central, com ventos que chegaram a 290 km/h, atuando num diâmetro de 500 quilômetros, ele acabou se transformando na maior catástrofe do século na região. Onde, aliás, não se registrava algo parecido desde o Grande Furacão de 1780, que causou 22 mil mortes. Segundo as estimativas, "Mitch" matou perto de 30 mil.

Chuvas torrenciais levadas com o "Mitch", fizeram rios transbordar, provocaram avalanches de lama e derrubaram uma parede do vulcão La Casita, no noroeste da Nicarágua, sobre dois lugarejos, matando duas mil pessoas. Povoados sumiram do mapa também em Honduras, Guatemala, Belize, El Salvador e Costa Rica. Além disso, o furacão criou um perigo extra: cerca de 80 mil minas explosivas, ainda ativadas, resultado das guerras civis em alguns desses países, foram espalhadas com a lama e muitas ficaram ocultas, tornando inúteis os mapas com sua localização anterior.

Honduras foi o país mais duramente atingido. Pelos dados oficiais divulgados logo após a passagem do furacão, cinco mil habitantes morreram, 11 mil estavam desaparecidos e 550 mil desabrigados. As enchentes foram as piores em 200 anos; cidades ficaram isoladas —inclusive a capital, Tegucigalpa—e 70% das estradas foram destruídas, assim como florestas e lavouras. Faltaram alimentos, água potável e energia elétrica. Três dos quatro aeroportos hondurenhos ficaram parcialmente inundados. O presidente Carlos Flores informou que, nos três dias de devastação do "Mitch", em seu país, perderam-se 60% das obras de infra-estrutura feitas em 50 anos. A solidariedade mundial não se fez esperar. Já nos primeiros dias de novembro, Estados Unidos, México, China, França, Grã-Bretanha, Cuba, Itália, Israel e Japão passaram a enviar para a região alimentos, roupas, remédios, equipes médicas e de resgate, aviões, helicópteros, navios e muitos técnicos em reconstrução.

Na Nicarágua, o estrago também foi grande. Calcula-se que houve quatro mil mortos, dois mil desaparecidos e 420 mil desabrigados. A devastação foi tamanha na região noroeste, que o ministro da Defesa, Pedro Chamorro, propôs que a área fosse declarada "cemitério nacional". Houve ainda cerca de 500 mortos na Guatemala, Belize, El Salvador e Costa Rica locais atingidos com menor intensidade.

O Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos alertou que em 2004 um novo furacão nas proporções do "Mitch" poderá ameaçar a América Central e o Caribe.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Os hábitos cruéis de um ‘motoboy’

Francisco de Assis Pereira popularizou em todo o Brasil o termo motoboy, usado em São Paulo para designar os contínuos que fazem entregas em motocicletas. Mas não foi por ser um excelente funcionário que ele ficou famoso em 1998, aos 30 anos de idade. Francisco de Assis até era elogiado por seus chefes; a família e os amigos o viam como um homem tranqüilo e bem-humorado, mas o assassino que tem nome de santo ficou conhecido em todo o país por um hábito extremamente cruel, conforme ele mesmo confessou: atrair mulheres para o Parque do Estado, uma das maiores áreas verdes da capital paulista, estuprá-las, matá-las e, em alguns casos, comer a carne das vítimas. Foram nove ao todo, segundo ele, e pelo menos outras nove violentadas, que conseguiram escapar.

Preso na cidade gaúcha de Itaqui, fronteira entre Brasil e Argentina, em agosto de 1998. Francisco, a princípio, negou tudo. Mas, diante dos depoimentos de vítimas que o reconheceram como o famoso Maníaco do Parque, não teve mais como negar e confessou o assassinato de nove mulheres, inclusive com detalhes de embrulhar o estômago. Enquanto aguardava julgamento, o motoboy confessou ter um "lado ruim, descontrolado, independente de sua vontade" talvez como uma forma de justificar algum tipo de paranóia. Para muitos, entretanto, tratava-se apenas de uma maneira de se eximir da responsabilidade pelos bárbaros crimes que cometeu.

Os métodos de Francisco lembram as práticas de outros serial killers famosos, como Marcelo de Andrade, que estuprou e degolou quatorze crianças no Rio de Janeiro, em 1991, ou o pedófilo belga Marc Dutroux, preso em 1996, que violentou seis crianças e matou quatro. Aparentemente, eram cidadãos comuns, de boas maneiras, mas, ao cometerem seus crimes, assumiam um outro lado, completamente fora de controle.

Francisco foi condenado a 121 anos de prisão, em setembro de 1999, mas, pela legislação brasileira, o Maníaco do Parque não poderá passar mais do que 30 anos na cadeia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Brasil dá vexame e perde de goleada

No país onde vice-campeonato tem o mesmo valor que último lugar, a Copa do Mundo da França será uma amarga lembrança para os brasileiros. Após uma dramática vitória sobre a Holanda nas semifinais (4 x 2 nos pênaltis, após empate em 1 x 1), o Brasil foi vergonhosamente goleado pela França por 3 x 0, na decisão, em sua maior derrota em Copas do Mundo. Não apenas por ter perdido o tão sonhado penta-campeonato para uma seleção tão somente mediana. O que mais irritou o torcedor brasileiro foi o mistério em torno do craque Ronaldinho, que sofreu uma convulsão, logo após o almoço, naquele fatídico 12 de julho, entrando em campo em péssimas condições físicas. Seus companheiros, talvez preocupados com o estado de saúde do então melhor jogador do mundo, contribuíram para a pior atuação do Brasil na Copa.

Uma Copa, aliás, que foi a maior da História (32 países) e acabou marcada pelo baixo nível técnico, com direito a três seleções estreantes: Japão, Jamaica e Croácia, todas no mesmo grupo, junto com a Argentina. Enquanto Japão e Jamaica não passaram de meros coadjuvantes, a Croácia foi a grande surpresa, chegando em terceiro lugar e fazendo de Suker o artilheiro da competição, com seis gols. Potências como Itália, Alemanha e Argentina ficaram nas quartas-de-final, enquanto a Inglaterra se despediu nas oitavas-de-final, apesar de ter mostrado um futebol bem mais vistoso do que os entediantes chuveirinhos sobre a área, característica das seleções britânicas. O jovem atacante Owen foi o destaque. A Espanha decepcionou, sendo eliminada na primeira fase, de onde também a Escócia não passou.

Quanto ao Brasil, as desencontradas opiniões da comissão técnica foram responsáveis por um ambiente confuso, principalmente após o corte de Romário, uma semana antes da Copa. Apesar de algumas boas atuações de Rivaldo, Ronaldinho e Cafu, ficaram também as lembranças dos malabarismos do lateral Roberto Carlos, que falou muito e jogou pouco. Até a partida contra a Holanda, o Brasil venceu Escócia (2 x 1), Marrocos (3 x 0), Chile (4 x 1) e Dinamarca (3 x 2), tendo perdido para a Noruega por 2 x 1, na primeira fase, a mesma Noruega que havia humilhado o Brasil por 4 x 2, num amistoso no ano anterior. Com o título, a França, que não conseguiu vencer a Copa nos bons tempos da geração de Michel Platini, passou a ser a sétima seleção do restrito grupo dos campeões mundiais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

A nova comida de laboratório

Em setembro de 1998, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguranca, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, aprovou a produção, em escala comercial no país, de um tipo de soja geneticamente modificada. Produzida pela empresa americana Monsanto, a soja Roundup Ready continha um gene da bactéria Agrobacterium s.p.p., o que Ihe garantia resistência ao herbicida pulverizado sobre o cultivo. O Brasil entrava na era dos alimentos transgênicos, "revolução tecnológica" que, como toda novidade, levantou imediatamente correntes contra e a favor.

Os defensores dos alimentos geneticamente modificados—produzidos com plantas e animais de genes alterados em laboratório— diziam que uma produção melhor e em maior quantidade, a preços mais acessíveis, ajudaria a modificar o quadro de fome que atingia, na virada do século, 800 milhões de pessoas em todo o mundo. Os seus opositores (grupos Ambientalistas, científicos e de defesa do consumidor) acenavam com a possibilidade de riscos para a saúde, como alergias, e para o meio ambiente, como o surgimento de superpragas ou a extinção de espécies.

Foi com base nesses riscos que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) conseguiu que a Justiça suspendesse, por algum tempo, a autorização para o cultivo da soja Roundup Ready, produto que a Monsanto já plantava há algum tempo nos Estados Unidos. Foi lá que se criou, em 1983, a primeira planta transgênica: um tabaco resistente a antibiótico. O consumidor levaria mais de uma década para provar a novidade. Em 1994, o tomate Flavr Savr, de amadurecimento lento, começou a ser comercializado nos EUA.

No país onde, na virada do século, 70% dos produtos vendidos nos supermercados tinham algum tipo de transgênico, a polêmica só surgiria a reboque da Europa, onde o Governo da Grã-Bretanha, por exemplo, já sofria pressões para suspender a comercialização Em junho de 1999, o G-8 (grupo formado pelos sete países mais ricos e a Rússia) autorizou uma investigação especial dos efeitos desses alimentos sobre o homem e o meio ambiente. Enquanto isso, anunciava-se uma nova fase na produção—depois dos cultivos resistentes a pragas, os produtores se preparam para desenvolver café com mais sabor e menos cafeína, hortaliças com super proteínas, batata com menos água, para facilitar a fritura... O debate promete avançar pelo século XXI.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Uma nova pílula na história sexual

Jamais um medicamento foi tão esperado e fez um sucesso tão grande quanto o Viagra. Ao ser lançado nos Estados Unidos, na primeira semana de abril de 1998, já se esperava que as vendas iriam puxar as ações do laboratório Pfizer, o fabricante, lá para cima. Não deu outra. Em poucos dias, elas passaram de US$ 45 para US$ 120 cada uma, e não pararam de se valorizar; afinal, o Viagra surgia como o primeiro remédio oral para combater a maioria das formas de impotência sexual, superando em muito as tradicionais injeções, próteses, bombas a vácuo, supositórios uretrais etc.

O chamado 'diamante azul" (por causa da cor da pílula) foi testado em quatro mil homens, em dois terços dos quais com total sucesso. Apenas 20% informaram efeitos colaterais leves, como dor de cabeça, perturbações visuais e náuseas. Já que o Viagra não deve ser tomado por quem tem problemas cardíacos, a droga causou varias mortes, inclusive no Brasil (onde foi colocada a venda em 1º de junho). As vítimas ou eram cardiopatas ou a ingeriram sem a precaução recomendada de, no máximo, um comprimido de 100 mg por dia. A pílula não funciona para melhorar o desempenho de quem não apresenta problemas de impotência, e também não faz milagres: só provoca ereção se o homem ficar excitado, mesmo em pequeno grau.

Enquanto muito laboratórios farmacêuticos dirigem suas pesquisas para obter a cura de doenças como câncer e AIDS, outros se dedicam ao segmento mais rentável do setor, as megadrogas, aquelas que tratam de problemas quase nunca fatais, mas muito desconfortáveis, a exemplo da impotência, esquizofrenia, artrite, diabetes, obesidade, depressão ou enxaqueca. O Viagra, que tem o sildenafil como substância ativa e começou sendo analisado para o tratamento da angina, é uma delas.

Durante as experiências iniciais, os pesquisadores descobriram que ela não era eficiente só para aumentar o fluxo de sangue no coração. Melhorava também o fluxo no pênis, condição indispensável para garantir uma boa ereção. Como age? Simples. O sildenafil bloqueia a ação de uma enzima natural que é capaz de impedir o aumento do fluxo sangüíneo no pênis.

Há anos o laboratório Pfizer inventara o nome "Viagra", uma bem-humorada e bem-sacada combinação de "vigor" com "Niagara", em alusão as cataratas na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá, uma das maiores do mundo em volume de água. Faltava achar o produto adequado para aproveitá-lo. Tudo indica que a escolha foi bem feliz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Prêmio inédito para o português

Para o Vaticano, foi um prêmio "ideologicamente orientado". Mas para o escritor português José Saramago, o Nobel conquistado por ele em outubro de 1998 "não iria salvar a língua portuguesa mas, sem dúvida, iria ajudar a protegê-la". Era a primeira vez que o português, falado por 140 milhões de pessoas, era lembrado pelo mais importante prêmio literário do mundo. Saramago, que só passou a ficar conhecido nos anos 60, pôde aproveitar a tribuna da Real Academia Sueca, onde, em dezembro, recebeu o prêmio de US$ 985 mil, para fazer um violento discurso contra a Igreja Católica, a desigualdade econômica no mundo e o papel das multinacionais, segundo ele, verdadeiras governantes dos países.

A briga da Igreja com Saramago, que se define como agnóstico, mas não ateu, era antiga. O escritor, que desde a infância, vivida numa humilde família de agricultores, conheceu a miséria e a opressão, acusava a instituição de ter sido conivente com a ditadura de Antonio Salazar, que governou Portugal por 38 anos. Seu livro "O evangelho segundo Jesus Cristo", interpretação nada ortodoxa da vida do mártir do Cristianismo, foi considerado uma blasfêmia pela Igreja. O livro é um dos mais importantes da carreira iniciada em 1947, aos 24 anos, com "Terra do pecado". Depois deste, Saramago só voltou a escrever em 1966, com "Os amores possíveis". Passou a viver de literatura dez anos depois, e desde então publicou romances como "Memorial do convento" ("texto rico, multifacetado e ambíguo", segundo a academia sueca) e "Ensaio sobre a cegueira", entre outros num total de quase trinta títulos, traduzidos para 25 idiomas.

Comunista ferrenho, pessimista convicto— "a Humanidade não tem remédio", costuma dizer—Saramago é dono de uma profunda visão humanista e de um texto refinado. Isso apesar das dificuldades econômicas da família, que o fizeram abandonar a escola secundária para trabalhar como mecânico. Sem nunca ter cursado faculdade, foi jornalista, editor e tradutor. Por desavenças com o Governo de seu país que o vetou no Prêmio Literário Europeu, para o qual era um dos indicados, Saramago se mudou, em 1992, para Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias, de frente para o deserto do Saara, onde vive com a mulher, Pilar del Rio. Com hábitos simples e se dizendo pouco ambicioso, o escritor parece ter como maior preocupação na vida uma forma menos egoísta de convivência humana, resumida em poucas e ilustrativas palavras: "Chega-se mais facilmente à Marte do que ao nosso semelhante".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1998

Viagem em busca de uma esperança

O filme brasileiro a, literal e metaforicamente, ir mais longe nos últimos anos emocionou as platéias do mundo, ganhou 28 prêmios e fez de Fernanda Montenegro a primeira brasileira a ser indicada ao Oscar de melhor atriz. "Central do Brasil", do diretor Walter Salles, ganhou o Urso de Ouro, em Berlim, o Globo de Ouro, nos EUA, e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, tal qual "O quatrilho" (1996) e "O que é isso, companheiro?" (1998). Sua história pode ser resumida assim: professora aposentada carioca tenta devolver menino órfão de mãe ao pai que ficou no sertão.

Fernanda Montenegro, além da indicação ao Globo de Ouro, conquistou o Urso de Prata e o prêmio da Associação Americana dos Críticos Cinematográficos, entre outros. No filme, ela é Dora, que vive num subúrbio do Rio de Janeiro e, por R$ 1, escreve cartas para analfabetos na estação de trens da Central do Brasil, cartas que termina jogando no lixo. A entrada em cena de Josué—brilhantemente interpretado por Vinícius de Oliveira, um ex engraxate descoberto por Walter Salles—muda o curso da história, que sai da cidade grande, abafada, com policiais corruptos e contrabandistas de crianças, para os espaços a céu aberto do Nordeste, onde, se também há miséria, há esperança nos rostos enrugados e nas novas cidades que Dora e Josué vão encontrando, na procura pelo pai do garoto.

Há referências religiosas por toda parte, nos nomes das pessoas e na mais bela cena do filme, a da procissão, que envolveu cerca de mil pessoas. "Central do Brasil" custou R$ 2,9 milhões (uma bagatela para os padrões de Hollywood) e registrou também pequenas mas excelentes participações de Marília Pêra e Othon Bastos. Além dos rostos conhecidos, Walter Salles se valeu da forte imagem das pessoas que ditam, no Rio e no Nordeste, as cartas para Dora. Uma delas é a ex-presidiária (na vida real) Maria do Socorro Nobre, que conta ali um pouco da sua vida, que rendeu um documentário curta-metragem do próprio Walter Salles e ainda inspirou o argumento de "Central do Brasil". No entanto, nem tudo no filme foi unânime: a cena da execução do pivete na estação de trens, que muitos consideraram apelativa, gerou vasta controvérsia.

Fonte: O Globo - Texto integral