Em 1979 as principais manchetes foram estas:

Revolução no Irã: o Islã volta a mostrar a sua face

Uma ‘dama de ferro' no poder

Soviéticos já tem o seu próprio Vietnã

A Nicarágua dá adeus aos Somoza

Perdão 'possível' tornou-se geral

A 'santa viva' dos necessitados

Somente para os seus ouvidos

Câncer derrota o último herói

Calvino revela a chave de sua obra

O apocalipse passou raspando

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1979

Revolução no Irã: o Islã volta a mostrar a sua face

A aparência foi a de um furacão, mas um muçulmano iraniano poderia dizer que o biênio 1978/1979 foi bem o contrario: em vez de deixar o pais de pernas para o ar, destruindo o que antes estava de pé, o que se teria passado foi o conserto de tudo, a restauração da tradição e, fundamentalmente dos valores religiosos daquele povo. Tudo e questão de ponto de vista, mas o fato e que, depois de anos de luta, muçulmanos tradicionalistas, esquerdistas e liberais se uniram e mobilizaram o povo iraniano. Uma onda gigantesca e sangrenta de protestos atravessou 1978 e acabou derrubando no inicio do ano seguinte o xá Reza Pahlevi, que tiranizava o pais desde a década de 40. Foi implantada uma Republica Islâmica, uma teocracia, cuja autoridade suprema era um chefe religioso—Ruhollah Khomeini, o aiatolá que liderou a revolta e governou o pais ate a sua morte em 1989.

Era o fim da tentativa de Reza Pahlevi e antes, de seu pai, de ocidentalizar o Ira a fórceps. Em 1936, Reza Shah Pahlevi, o pai, proibira, por decreto, o uso do chador, o véu que cobre os rostos das mulheres muçulmanas. Em 1963, Pahlevi, o filho, promoveu o que chamou de "revolução branca", uma serie de reformas com o objetivo de modernizar o pais, criando inclusive uma hierarquia religiosa paralela a tradicional. O resultado e que, durante a luta para a derrubada do xá, o chador virou peca de protesto e usa-lo era um desafio ao poder de Pahlevi. Não era a toa: a antiga Pérsia tinha se tornado fervorosamente muçulmana desde os primeiros anos do Islamismo, no século sétimo.

O mundo, no entanto, assustou-se diante daqueles véus e das manifestações religiosas de massa. Para compreender o que se passou, antes e preciso conhecer um pouco mais o Islamismo e a divisão entre sunitas e xiitas palavra que, no Brasil, depois da revolução iraniana, passou a ser sinônimo de pessoa radical (o Ira e majoritariamente xiita). A primeira coisa que se deve saber e que o Islamismo esta absolutamente inserido na tradição judaico-cristã. A raiz das três religiões e a mesma: Abraão. Com a escrava Agar, ele teve Ismael de quem os muçulmanos acreditam descender Maomé e todos os primeiros fieis. Com Sara, ele teve Isaac, de quem descenderia o povo de Israel. Maomé, no século sétimo, aos 40 anos, começaria a receber revelações de Deus através do Arcanjo Gabriel. O conjunto dessas revelações e o Alcorão, que se pretende uma releitura das Escrituras Sagradas, do Genesis ao Apocalipse. O Alcorão respeita e admira os Livros anteriores, mas pretende reve-los. Durante 23 anos, o anjo revela a Maomé o que seria a ultima palavra de Deus (Ala), numa tentativa desesperada de se fazer entender pela ultima vez. O Alcorão, que quer dizer "A Leitura", contem os ensinamentos do Islã ("submissão voluntária a vontade de Deus"). La estão Adão, Eva, a serpente, Abraão, Isaac, Jacó, toda a linhagem ate Jesus (respeitadíssimo, considerado homem santo, mas não filho de Deus). A simples leitura do Alcorão acabaria com preconceitos milenares. Nele, o mundo esta dividido entre não crentes e os crentes, entre os quais estão os judeus, os cristãos e os muçulmanos. Os não crentes, os infiéis, são os politeístas, contra quem se batia o profeta.

Este e o corpo fundamental do Islamismo, ao qual se curvam suas duas correntes, os sunitas e os xiitas, uma divisão que obviamente só se delineou com o passar dos tempos. Após a morte do Profeta, os muçulmanos se reuniram para decidir quem seria o seu sucessor, o seu califa (vigário). A maior parte acreditava que Maomé não tinha indicado sucessor. Por isso, escolheram Abu Bacre, o mais velho muçulmano de então. Outros, no entanto, acreditavam que Maomé, por varias vezes, tinha sim indicado Ali, seu primo e genro, como o seu claro sucessor e que todos os futuros califas deveriam vir da família do Profeta, através da descendência de Ali e sua mulher Fátima. Abriu-se então pouco a pouco uma dissidência: (xiitas vem de "shiit al Ali", que quer dizer literalmente "partidários de Ali"). Ali acabou sendo o quarto califa, logo assassinado, porem, pelo então governador da Síria, Muravia. Após a sua morte, a dissidência consolidou-se. Os sunitas, imensa maioria desde aquela época, acreditam que a revelação acabou com a morte de Maomé. O que resta a fazer e viver como o Alcorão manda, seguir a Suna (tudo o que o Profeta fez e disse), e esperar o final dos tempos. Para os xiitas, a revelação de fato acabou, mas ha nela significados secretos a que só os Imans tem acesso. Para eles, e impossível que a Terra fique sem um Iman (o primeiro deles foi Adão, depois Abraão e toda linhagem ate Cristo; depois de Maomé Ali era o Iman, e, depois dele, o seu filho e o filho do seu filho e assim por diante). Isso deu margem a uma sucessão de seitas, surgidas a cada vez que um Iman morria: ora um sucessor não era aceito, ora alguém se rebelava e se dizia ele próprio um Iman. A mais poderosa corrente xiita e maioria no Ira. Eles são conhecidos como os xiitas dos 12 Imans, o ultimo deles um Iman oculto, que desapareceu, embora permaneça vivo ate hoje, embora não apareça e nada fale (uma crença tao forte quanto a de que Jesus nasceu de uma virgem, morreu e ressuscitou dos mortos). No final dos tempos, este Iman aparecera. Depois, virão a Terra Jesus, Maomé, Ali, todos os Imans e profetas e finalmente Deus, para o Dia do Juízo Final.

Foi um povo assim, com toda essa forca religiosa, que os Pahlevi tentaram modificar, como se fosse possível mudar a fé, a crença e a tradição de um povo através de decretos, num ambiente ditatorial cada vez mais sufocante e corrupto. A resistência veio de partidos de esquerda, mas foram os religiosos quem pouco a pouco começaram a se rebelar. O principal deles, o aiatolá ("sinal de Deus") Khomeini foi logo deportado em 1963. Ficou no Iraque ate 78, de onde pouco pode fazer, dado o isolamento em que se encontrava (gravava fitas cassetes com seus discursos, que eram contrabandeadas para o Ira). Uma manobra mal calculada do xá, no entanto, deu a Khomeini o que ele mais precisava: voz e repercussão. Por pressão do Ira, o Iraque expulsou Khomeini, que se abrigou em Paris, onde teve liberdade de ação, seguidores e o serviço persa da BBC de Londres, que irradiava para o Ira. A queda do xá ocorreu em janeiro de 1979 e a Republica Islâmica foi decretada em abril.

O que os iranianos escolheram para si assombrou, porem, o Ocidente. Ha muito que os muçulmanos somente apareciam na mídia dentro do contexto da guerra árabe-israelense, e a imagem deles se confundia com a atuação política de seus lideres laicos, seja o pan-arabismo de Nasser, seja a ação dos terroristas palestinos, uma imagem, de qualquer forma, absolutamente compreendida pelos códigos ocidentais. Ao ver, porem, as multidões reunidas em torno de um líder religioso, querendo que as leis civis do pais se confundissem com os preceitos religiosos. o mundo se encheu de perplexidade, e passou a ser comum ouvir-se a frase "os muçulmanos ainda estão na Idade Media". Hoje, os mais bem informados sabem que não existem sociedades com arranjos culturais e modos de vida melhores do que os de outras. O que existe e a diferença, a diversidade, que deve ser respeitada por mais distante que aparentemente esteja de nossos valores. Os povos islâmicos tem apenas uma cultura diferente da nossa e vivem bem com ela. Se entendermos isso, encararemos com menos paixão o uso do chador pelas mulheres, as chibatadas para punir um criminoso ou a amputação de um braço para punir um roubo. Por acaso o sistema penitenciário brasileiro seria prova de mais civilização? Seria mais aceitável que chibatadas? A cadeira elétrica, fabricada em 1924, modelo ainda em uso nos EUA, por exemplo, e um método de punição e castigo mais nobre do que a amputação de um antebraço? E por que o uso do chador causa tanta indignação? Imagine-se desfilando nu, em plena Avenida Rio Branco, ao meio-dia. Quantos minutos levaria ate ser preso? Pois e preciso ter em mente que mulher sem chador, para muçulmanos, e como, para nós ocidentais, o mesmo que homem nu em plena Avenida Rio Branco. E, no entanto, para um índio ianomami, não ha nada mais natural que andar pelado sob sol escaldante.

Evidentemente, o percurso da revolução islâmica foi pendular como sempre acontece: nos primeiros anos, houve excessos, exageros, uma tentativa de restaurar a tradição9 a qualquer custo. O pêndulo faz agora o caminho contrario: Khomeini foi sucedido pelo Aiatolá Ali Kamenei, e o atual presidente, Mohammad Khatami, tenta levar o pais a posições mais moderadas. Mas a discussão sobre a politica interna do Ira, as forcas em conflito, não difere de nenhum outro pais: em todos ha excessos, erros, acertos. O importante e que a Revolução Iraniana mostrou que nada que e humano e uno. Cabe a cada um respeitar as diferenças. O mundo seria melhor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979

Uma ‘dama de ferro' no poder

Uma senhora com forte acento aristocrático adquirido na exclusiva Universidade de Oxford, roupas deselegantes e uma vontade férrea de mudar o rumo socializante imposto por cinco anos de administração trabalhista. Assim era Margaret Thatcher em 1979, quando, com a vitória avassaladora dos conservadores nas eleições parlamentares da Grã-Bretanha, se tornou, aos 53 anos, a primeira mulher na Europa a assumir o cargo de primeiro-ministro. Thatcher foi mais do que um governo (na verdade, três governos sucessivos, um recorde neste século em seu pais): deu inicio a uma espécie de seita politica, batizando com seu nome uma década—a "era Thatcher"—e seus seguidores, os thatcheristas, facção importante dentro do Partido Conservador.

Thatcher renunciou em 1990, em meio ao descontentamento com sua politica fiscal e a relutância em aderir totalmente a unificação econômica com a União Européia, mas em onze anos de mandato desfez o que os trabalhistas haviam implantado: afastou o Estado da economia, privatizou centenas de empresas, como a British Airways e a British Steel, reduziu o poder dos sindicatos e diminuiu consideravelmente o alcance dos programas de bem estar social, então um dos mais avançados do mundo.

O custo foi alto. Nos primeiros anos o desemprego praticamente dobrou, mas os ingleses não foram exatamente apanhados de surpresa pelas medidas duras. Thatcher já tinha oferecido uma amostra de sua linha de trabalho quando ocupara a Secretaria de Educação e Ciência do governo de Edward Heath, entre 1970 e 1974. Num abrangente programa de cortes orçamentários, ela incluiu o leite distribuído nas escolas, provocando uma convulsão social. Tenaz e decidida, Thatcher, posteriormente, disputou com Heath (e venceu) a liderança do Partido Conservador. Quatro anos depois se mudava para o numero 10 da Downing Street, a cobiçada residência oficial do chefe de Governo.

Os ensinamentos do pai, um comerciante e pregador leigo, que a educou de acordo com rígidos princípios metodistas, tinham sido bem assimilados pela futura "dama de ferro". O epíteto, dado pelos russos, era uma referencia nada elogiosa a retórica da líder dos conservadores, por seu discurso que evocava a Guerra Fria. Ela adotou a alcunha, utilizando a na campanha para o parlamento, quando uma enxurrada de greves praticamente paralisava a Inglaterra no chamado Inverno do Descontentamento. O pais precisava de uma "dama de ferro", apregoou, quando menos para disputar uma queda de braço com os sindicatos. A firmeza com que conduziu o pais a vitória na Guerra das Malvinas (Falklands, para os ingleses), disputa com a Argentina sobre as ilhas no Atlântico Sul , garantiu-lhe , ale m do prestigio, mais dois mandatos, ao lado da recuperação da economia e da queda do desemprego. Ao renunciar, foi sucedida por um apagado pupilo, John Major, que governou ate 1995, quando os trabalhistas voltaram ao poder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979

Soviéticos já tem o seu próprio Vietnã

Como aconteceu em outros lugares, com outros países, a União Soviética atolou-se lentamente no Afeganistão, pais do centro-oeste da Ásia. A invasão, em 27 de dezembro de 1979, foi uma conseqüência inevitável do processo iniciado em abril de 1978, quando o presidente afegão Mohamed Daoud foi deposto e substituído por Mohamed Taraki. Este instalou o sistema de partido único, de inspiração comunista, contra a vontade de grupos islâmicos de direita, que iniciaram guerrilhas com o apoio do vizinho Paquistão. Havia no pais, então, 350 assessores militares soviéticos, numero que dobraria em agosto e praticamente triplicaria em dezembro. A escalada era claramente perceptível.

Em meados de setembro, foi a vez de Taraki ser derrubado por seu primeiro ministro Hafizulla Amin. Perto do final do ano cinco mil soldados soviéticos chegaram a Cabul: Amin foi executado e Babrak Karmal tornou-se o governante. Três semanas depois do golpe que depôs Amin, a União Soviética já tinha 90 mil soldados no pais, alem de 200 aviões de combate, 1.800 tanques e 2.200 veículos de transporte. A União Soviética afundara-se mais um pouco numa guerra sem glória.

Os Estados Unidos reagiram, primeiro suspendendo as exportações de grãos para a URSS, e depois boicotando os Jogos Olímpicos de Moscou, num protesto que ganhou a adesão de mais 59 países.

A URSS parecia estar definitivamente atolada. A guerra, que os militares soviéticos imaginavam como algo rápido, estava longe de terminar. Os soldados soviéticos no Afeganistão já eram 115 mil e os comandantes queriam dobrar esse numero. Não dobravam, porem, a resoluta resistência dos guerrilheiros muçulmanos, os mujaheddin, que rejeitavam o comunismo, apoiados por Estados Unidos, Ira e Paquistão. Finalmente, em 1989, após perder 15 mil soldados e cumprindo um acordo de paz assinado em Genebra, a URSS completou a sua retirada do pais, iniciada um ano antes. Entretanto, passou a sustentar com armas o regime comunista afegão, que continuou a ser combatido ferozmente pela guerrilha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979 

A Nicarágua dá adeus aos Somoza

As denuncias de envolvimento da família Somoza com o contrabando de sangue custaram a vida do jornalista Pedro Joaquín Chamorro, mas deram ao povo nicaragüense o mártir de que precisava para iniciar uma das mais sangrentas e clássicas guerras civis da história da América Latina. Os conflitos só terminaram 18 meses depois, com a morte de 30 mil pessoas e a ha muito sonhada queda do general Anastasio Somoza Debayle, representante de uma dinastia que se mantinha no poder ha 46 anos.

Chamorro era o líder mais destacado da oposição moderada, que, com a sua morte, acabou aderindo a luta armada iniciada dez anos antes pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, principal opositora ao regime da família Somoza. Os sandinistas adotaram o nome em homenagem a Augusto César Sandino (1893 1934), guerrilheiro que se opunha firmemente a interferência americana na Nicarágua. O governo de Washington financiava os "contras", guerrilheiros anti-sandinistas, mas fatos como o bárbaro assassinato do jornalista americano Bill Stewart, executado com um tiro na cabeça por um soldado, deixavam os Estados Unidos numa situação cada vez mais difícil para justificar o apoio a Somoza.

A prioridade da revolução sandinista foi a educação—em apenas 30 meses, ela já tinha conseguido reduzir a taxa de analfabetismo da população de 50% para pouco mais de 10%. No entanto, a chegada de Ronald Reagan ao poder levou os EUA a boicotarem ostensivamente o trabalho de reconstrução na Nicarágua. Os declarados ideais socialistas da revolução e os métodos autoritários da Junta de Reconstrução Nacional e, posteriormente do governo do presidente Daniel Ortega também geraram uma forte oposição interna, liderada por Violeta Chamorro, viúva de Joaquín Chamorro. Violeta chegou a presidência da Nicarágua em 1990, nas primeiras eleições gerais realizadas no pais depois da ditadura de Somoza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979 

Perdão 'possível' tornou-se geral

O que a oposição queria estava expresso em quatro palavras, não se sabe quantas vezes gritadas nas ruas, escritas em panfletos e pronunciadas em discursos: "Anistia ampla, geral e irrestrita". Não foi este o tipo de perdão concedido pelo então presidente João Figueiredo, mas um passo a frente foi dado quando, em 28 de agosto de 1979, ele sancionou o projeto de lei que enviara ao Congresso em 27 de junho. A vitória na votação foi apertada (206 a 201), mas Figueiredo também precisou negociar seu projeto anunciado depois "de longa conversa, ou melhor, de discussão", com os três ministros militares, como revela o historiador Hélio Silva. Tanto que, ao sair da reunião, o presidente abraçou seu irmão, o dramaturgo Guilherme Figueiredo, e, chorando e sorrindo, comemorou: "Eu não disse que fazia? Eu não disse que fazia? E vou fazer muito mais. E arrematou: "Este e o dia mais feliz da minha vida!"

A anistia, porem, excluía, textualmente, os "condenados pela pratica de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal". O artigo 1° da lei também deixava uma brecha para que fossem perdoados os acusados de torturas contra presos políticos. E, igualmente, abria espaço para que voltassem ao Brasil autores de crimes como seqüestro, pois os processos tinham sido paralisados na data do banimento, sem que houvesse uma condenação. Talvez a melhor explicação sobre os fatos que antecederam o envio do projeto ao Congresso tenha partido do então senador Jarbas Passarinho: "Esta foi a anistia possível de dar. Mas este e apenas o primeiro passo. Outros virão". Reafirmava-se assim, a defesa da "abertura lenta e gradual", que começara no Governo anterior, quando o presidente Ernesto Geisel abrandou as penas da Lei de Segurança Nacional. A "anistia possível" beneficiou 5.300 pessoas e excluiu cerca de 200. No Brasil, permaneciam na cadeia mais de 50 presos políticos. De qualquer forma, concretizara-se o que muitos julgavam impensável: políticos como Luis Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes e Márcio Moreira Alves podiam voltar para casa. O guerrilheiro Fernando Gabeira também tinha caminho livre.

Em novembro de 1979, seria dado mais um passo, conforme o prometido por Figueiredo e reiterado por Passarinho: um indulto presidencial praticamente esvaziou as cadeias de presos políticos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979 

A 'santa viva' dos necessitados

A devoção aos necessitados fez com que a pequena, enrugada e piedosa figura de Madre Teresa de Calcutá recebesse o Prêmio Nobel da Paz em 1979, na menos contestada escolha de toda a história do prêmio, iniciada em 1901. Concorriam com ela 37 pessoas e 19 organizações, entre as quais estava o então arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. Madre Teresa de Calcutá, cujo nome tinha sido indicado em 1975 pelo senador americano Robert Kennedy e pela economista Barbara Ward, era apontada como uma "santa viva", que esteve para ser beatificada antes mesmo de morrer.

Esses elogios nasceram de seu trabalho humilde e desprendido, desenvolvido em uma rotina diária iniciada nos anos 50, e que não mudou nem mesmo na década de 80, quando começaram a surgir os problemas cardíacos que a matariam em 1997, aos 87 anos. Levantava-se sempre as 4h30m e, depois de uma parca refeição e uma missa, saia com um dos seus dois saris brancos e o único para de sandálias de couro para cuidar dos miseráveis de Calcutá, no nordeste da Índia a cidade-símbolo da miséria urbana de nossa época. Sua obra assistencial espalhou-se pelos cinco continentes, chegando, inclusive, ao Brasil, onde foram instaladas 10 das 565 casas de assistência mantidas pelas Missionarias da Caridade em 124 países.

Madre Teresa de Calcutá, nascida Agnes Gonxha Bojaxhiu, em 1910, em uma pequena cidade da Macedônia, resolveu "seguir Cristo nos subúrbios" depois de uma viagem de trem que fez a cidade de Darjeeling, junto com uma multidão de famintos e miseráveis. Corria o ano de 1946, e ela, que era professora em uma escola burguesa de Calcutá, resolveu renunciar a tudo para "servir entre os pobres mais pobres". Sabia que o seu trabalho era "apenas uma gota no oceano", mas "sem essa gota, o oceano seria menor", dizia, ao ser contestada pela chamada ala progressista da Igreja, que exigia dela um engajamento na luta por transformações políticas.

O Prêmio Nobel Ihe rendeu cerca de US$ 250 mil, que ela usou para construir casas para os leprosos e moribundos—gente que sequer podia morrer com dignidade e estava entre as suas maiores preocupações. Foi esse o destino que deu a todas as honrarias que recebeu ao longo do seu trabalho missionário, como a limusine Lincoln que o Papa Paulo Vl Ihe deixou, ao visitar a Índia, em 1964. Por meio de uma rifa, o carro foi transformado em US$ 100 mil e o dinheiro, investido integralmente em obras de caridade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979

Somente para os seus ouvidos

Lançado comercialmente no final de 1979, o Walkman, um toca-fitas cassete estéreo desenvolvido e produzido pela Sony, foi um dos lances mais visionários na carreira do empresário japonês Akio Morita (1921-1999), que precisou vencer uma grande resistência dentro da empresa para colocar no mercado um produto tido como caro e de utilidade duvidosa. No entanto, já no primeiro ano tinham sido vendidas 550 mil unidades em todo o mundo e mais de 20 marcas disputavam a preferencia do consumidor. Em especial daquele que praticava jogging e podia dispor de 200 dólares para desfrutar de um som de alta qualidade para os padrões da época. Por sinal, foi essa a imagem utilizada na primeira propaganda do produto. Afinal, nada melhor do que cadencias bem marcadas para manter o ritmo dos exercícios.

O público-alvo do produto logo se expandiu, passando a abranger qualquer pessoa interessada em interpor entre ela e o mundo uma barreira de som. Na verdade, o walkman (nome que logo caiu na boca do povo) acabou como um símbolo dos individualistas anos 80, durante os quais a conservadora juventude yuppie—que via no outro apenas um concorrente na sua louca corrida para o sucesso— usou a musica para se proteger das relações pessoais. Não foi a toa que, do projeto original, eliminou-se a segunda saída de fone de ouvidos, concebida para que namorados compartilhassem a mesma musica.

Do ponto de vista tecnológico, o walkman trouxe poucas novidades, alem da onda de miniaturizaçãoo dos aparelhos de som domésticos, mas terminou por desempenhar um papel quase tao importante para a industria quanto a introdução do CD.

Em pouco tempo, o walkman deixou de ser uma cobiçada novidade eletrônica para se torna uma quinquilharia, vendida barata nas bancas de camelos das grandes cidades. Um produto que evoluiu muito pouco, no que diz respeito a potência e a qualidade do som, teve como mudanças mais significativas o próprio tamanho, reduzido as dimensões da própria fita cassete, e os fones de ouvido, que ficaram bem menores e mais práticos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979 

Câncer derrota o último herói

John Wayne encarnou como ninguém o protótipo do caubói americano. Ele renovou a figura do pistoleiro, herói solitário, agregando características de um homem comum e dando uma dimensão mais humana aos personagens. No set, Wayne distribuía socos de verdade, caia do cavalo, era grosseiro com mulheres e nada tinha de elegante. Fez 250 filmes em mais de 40 anos de carreira, invariavelmente como um caubói indestrutível, que batia no bandido e ficava com a mocinha. Fora das telas, no entanto, acabou derrotado aos 72 anos por um câncer de pulmão, que o vitimou em 11 de junho de 1979.

Marion Michael Morrison—seu nome de batismo—nasceu no lowa e cresceu num rancho na Califórnia. Fascinado com o cinema, Duke (como os amigos o chamavam) e seus 1,92m trabalharam em quase tudo, desde montagem de cenário a pontas em filmes.

O jeito atrapalhado Ihe rendeu alguns xingamentos de John Ford, já então um diretor de renome. Mas a convivência e o empenho de Wayne acabaram conquistando o diretor, que o recomendou a Raoul Walsh para o papel principal em "A grande jornada", de 1930. A partir dai, também foi rebatizado com o nome que ganharia a imortalidade.

Sua trajetória ficaria indissociavelmente ligada a de Ford depois que interpretou Ringo Kid, no clássico "No tempo das diligencias", em 1939; ao todo, foram 16 filmes com o mestre. Ainda faria boas parcerias com alguns dos mais importantes diretores de Hollywood, como John Huston, Howard Hawks e Henry Hathaway (que o dirigiu em "Bravura indômita", pelo qual ganhou seu único Oscar). No último filme, de 1976, "O último pistoleiro", de Don Siegel, ironicamente ele interpreta um velho caubói que sofre de câncer nos pulmões.

Feroz defensor dos republicanos, nacionalista ferrenho e anticomunista empedernido apoiava as guerras como um ato de afirmação da soberania americana. Irritado com o conflito no Vietnã, dirigiu, em 1968, "Os boinas verdes", um equivoco belicista. Outro fiasco o épico "O álamo", o levou a bancarrota.

Foi casado três vezes, e em todas com esposas latinas. Homofóbico e machista, dizia que não se dava bem com o espirito voluntarioso das americanas. As latinas, ao contrário, eram mais dóceis.

A doença o fez amargar 15 anos de sofrimento. A metástase comprometeu outros órgãos e, no fim, dois meses de internação levaram o ator a pensar em suicídio. Não precisou: os médicos desligaram os aparelhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979

Calvino revela a chave de sua obra

Em determinado momento de "Se um viajante numa noite de inverno", lançado na Itália em 1979 e publicado no Brasil em 1982, três anos antes da morte do autor, surge a chave por meio da qual e possível entrar no universo desse intrigante romance e de toda a obra do escritor Ítalo Calvino um italiano nascido em Cuba em 1923: "O autor de 'Se um viajante numa noite de inverno' e um autor que muda muito de um livro para outro. E justamente nisso que podemos reconhece-lo". Há somente aqui dez quase-romances dentro do mesmo livro, interrompidos ou porque em um deles faltam paginas, ou porque os cadernos de outro foram trocados na gráfica, ou porque na terceira brochura ha um trecho em branco. Em nenhuma dessas histórias abortadas o estilo e o mesmo.

As histórias são interligadas por dois leitores que, frustrados. tentam ultrapassar a linha que demarca o inicio da obra, e para tal voltam sempre a livraria em que adquiriram o primeiro romance. Alem do consolo de começarem assim uma paixão que culminara com um casamento, os leitores-personagens de Calvino vêem-se sempre na obrigação de começar uma nova história, indo da Polônia para a Criméia, dai para a Bélgica, depois para o Japão ou algum pais da América do Sul. Em um desses livros, o autor esboça uma história influenciada pelo neogótico, depois brinca de romance policial, mergulha em seguida no clima do realismo magico da escola latino-americana, arma uma trama digna de um best-seller americano, entra no erótico universo japonês... Ha sempre um novo livro, inteiramente diferente do anterior, sendo trabalhado dentro de "Se um viajante...".

E justamente essa multiplicidade que torna a obra de Calvino (e este livro em particular) única no panorama intelectual do século XX, capaz de dialogar apenas com a enciclopédica literatura produzida pelo argentino Jorge Luis Borges, para quem cada obra e também uma oportunidade de tecer uma rede de idéias a partir de uma dada noção. No entanto, a leveza (outra característica de seu estilo) que Ihe permite transitar por esses universos e o que divide a intelectualidade entre os que o julgam o maior escritor italiano do século e os que o consideram um embuste. Ha ainda quem divida a sua obra em duas fases—uma boa, marcada pelo realismo do pós-guerra italiano, quando ele se projetou com "O atalho dos ninhos de aranha"; outra, ruim, influenciada pela vanguarda francesa dos anos 70, da qual "Se um viajante...", "As cidades invisíveis" e "O barão nas arvores" são típicos exemplares. Ha, por fim, os que fazem a mesma divisão, mas atribuem pesos inversos a cada uma das metades. Calvino, no entanto, e sempre o mesmo em sua diversidade: imprevisível e brilhante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1979 

O apocalipse passou raspando

Um mosaico de erros humanos e técnicos na usina nuclear de Three-Mile Island no estado da Pensilvânia, EUA, deixou o mundo todo apreensivo durante os seis dias de que cerca de mil engenheiros precisaram para impedir a explosão no reator da unidade 2. Ela fatalmente teria acontecido se a equipe de plantão demorasse apenas mais meia hora para detectar os problemas que surgiram em cadeia, na madrugada do dia 28 de março de 1979. Foi, ate então, isto e, antes de Tchernóbil, na URSS, o pior desastre na história da energia nuclear para fins comerciais, e serviu para revelar a inconsistência do mito de que as usinas trabalhavam com segurança total.

Tudo começou por volta das 4h, quando uma pessoa nunca identificada desligou uma bomba que alimentava de água o gerador de vapor da usina. Aconteceu, então, o primeiro erro técnico, pois a turbina, que deveria se desligar, e o reator, que deveria se desacelerar, continuaram funcionando normalmente. Quando os técnicos de plantão perceberam o problema, a temperatura do núcleo tinha chegado a 2.760 graus centígrados. As medidas tomadas foram adequadas, mas, durante dias, um serio vazamento de vapor radioativo espalhou gás contaminado em torno da usina.

Somente no dia 2 de abril os cientistas afastaram a possibilidade de derretimento do reator danificado, que, se confirmada, provocaria a catástrofe profetizada por "Síndrome da China", que estreara duas semanas antes. Segundo o filme, o núcleo superaquecido de um reator nuclear perfuraria a crosta terrestre e alcançaria a China, do outro lado do planeta. Foi com medo dessa situação que 200 mil pessoas fugiram de Harrisburg, capital da Pensilvânia. A tranqüilidade só voltou a reinar depois que o presidente Jimmy Carter—por coincidência, engenheiro nuclear—entrou na usina, usando equipamento especial.

A opinião pública americana fez pressão sobre o Governo, organizando grandes manifestações de massa contra a manutenção da politica energética em vigor—13% da energia do país eram gerados pelas usinas nucleares. Acuado e com medo de uma "vietnamização" da questão nuclear, o Governo ordenou, temporariamente, a desativação de diversos reatores semelhantes ao de Three-Mile Island e o cancelamento da construção de novas usinas. A remoção das 150 toneladas de lixo radioativo acumulado na usina só terminou no final dos anos 80. Three-Mile Island acabou criando um novo mito: a fusão do núcleo de um reator era realmente mais fácil de acontecer do que se calculava; contudo, era muito difícil que o estrago avançasse para o passo seguinte, a trágica ruptura do vaso externo do reator.

Fonte: O Globo - Texto integral