Em 1976 as principais manchetes foram estas:

Punk, o filho mais insolente do rock

O começo do fim do apartheid

Israel faz operação cinematográfica

China perde seus maiores líderes

Videla dá início à ‘guerra suja’

Vítima vira ré: em defesa da honra

Um cinema muito perto de você

O homem de gelo de Wimbledon

Nasce a grande estrela romena

O novo grande herói americano

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1976

Punk, o filho mais insolente do rock

Seis de novembro de 1975. St. Martin's School of Art, em Londres. Sobre o palco do auditório da escola, quatro rapazes vestidos com roupas furadas, bêbados, despenteados, com atitudes inconvenientes, tocam—mal—uma música de muitos decibéis, poucos acordes e letras ultrajantes. Depois que o vocalista—Johnny Rotten ("Joaozinho Podre")—mandou os chocados estudantes fazerem coisas inadequadas num lugar pouco recomendável, a secretaria social da escola (que já andava meio arrependida de ter agendado aqueles delinqüentes) pensou: "Basta!". Desligou a chave de força e mandou todo mundo para casa. Chegava ao fim o primeiro show do Sex Pistols, grupo seminal do movimento punk, que sacudiu a Inglaterra (e o rock) entre 1976 e 78, mas que deixaria marcas para sempre na cultura pop do mundo todo.

O punk foi um chute nas partes baixas do rock. Mas tão bem dado, que o seu estrago não foi apenas na música que se fazia no meio da década de 70. Sobrou para comportamento, moda, cinema, artes gráficas, industria fonográfica... O fenômeno tem suas raízes nos Estados Unidos de 1972 (com a geração de Ramones, Television, New York Dolls, grupos que se apresentavam no clube nova-iorquino CBGB) e explodiu com toda a força na Inglaterra em 1976. Mais tarde, o punk se tornaria uma caricatura calva e barriguda do que poderia ter sido. Mas, naquela época, usar roupas rasgadas, corte de cabelo em estilo moicano verde ou laranja e alfinetes de fralda pregados no nariz eram atitudes que faziam sentido. Significavam a ruptura com uma geração que tinha se "vendido" às grandes gravadoras. Popstars como Mick Jagger e Rod Stewart estavam distantes de seu público e perto das altas rodas do jet-set internacional. Não tinham mais "credibilidade roqueira". Quem a tinha eram grupos como The Clash, The Jam, Buzzcocks, The Damned, Generation X Eddie And The Hot Rods, The Vibrators Siouxsie And The Banshees, The Slits, Sham 69, Subway Sect, The Adverts e, claro, Sex Pistols.

E por que na Inglaterra? Além da insatisfação estético-ético-musical, um dado socioeconômico contribuiu para a explosão punk. Na primeira metade da década de 70, a Inglaterra atravessava uma grave recessão. Em julho de 75, a taxa de desemprego era a maior desde a Segunda Guerra. O problema era particularmente grave para jovens que deixavam as universidades e escolas secundárias rumo ao mercado de trabalho. Formar uma banda de rock ou embarcar no niilismo ultrajante do punk era uma forma de encarar a falta de esperança. As letras de "Never mind the bollocks", primeiro disco dos Pistols, traziam versos sombrios: "Não há futuro para você no sonho inglês" ("God save the queen") ou "Eu sou o anticristo/ Eu sou um anarquista/ Não sei o que eu quero/ Mas eu sei como conseguir/ eu quero destruir" ("Anarchy in the UK").

Ironicamente, esse movimento que pretendia substituir "o sistema" pelo caos e a desordem veio à luz numa butique, a Sex. Ficava no número 430 da King's Road, conhecida rua comercial de Londres. O ano era 1975. A Sex, fundada em 71, nascera como Let It Rock, vendendo roupas que imitavam as dos roqueiros da década de 50. Era freqüentada por astros como Ringo Starr, dos Beatles, e Jimmy Page, do Led Zeppelin. Mas seus donos, Malcolm McLaren (22 de janeiro de 1946), ex estudante de arte, e Vivienne Westwood (16 de abril de 1941), estilista, tinham se cansado do estilo retro e queriam algo novo. Os dois passaram a criar e vender roupas extravagantes, como camisetas que traziam a palavra "pervertido" escrita com ossos de galinha presos por correntes.

A partir de 75, a Sex virou ponto de encontro de desocupados, candidatos a estrela, artistas gráficos, jornalistas, cineastas e gente que era um pouco disso tudo. Em comum, tédio e insatisfação com o rock progressivo multimilionário e megalômano de grupos como Yes e Emerson Lake & Palmer, que imperava na Inglaterra. A nova geração queria a mesma energia dos primórdios do rock. Eram futuros astros, como Billy Idol, Siouxsie Sioux (que mais tarde lideraria os Banshees), Marco Pirroni (Adam and The Ants), mas, principalmente, John Lydon (o tal Rotten) e Sid Vicious (futuro baixista dos Pistols). Àquela altura, McLaren já era empresário do New York Dolls, queridinho do underground nova-iorquino. Ele quem fez a ponte entre os ingleses ávidos.

Steve Jones (3 de setembro de 1955), guitarrista, sonhava fazer uma banda. Freqüentador da Sex, era um rapaz de classe media baixa desempregado. Sem dinheiro, roubava equipamentos de artistas e estúdios: surrupiou uma bateria da BBC, um sistema de som do Hammersmith Odeon, microfones de David Bowie e até uma TV da casa de Keith Richards. Após muito insistir, Jones convenceu McLaren a empresariar a banda que formara com os amigos Paul Cook (20 de julho de 1956, bateria) e Glenn Matlock (27 de agosto de 1956). Após várias viagens aos EUA, McLaren chegou ao que achava que deveria ser o grupo punk por excelência. Mas faltava o cantor, um ícone para o movimento. McLaren conheceu Lydon em 75, na Sex. Ele usava cabelo verde e vestia uma camiseta rasgada em que se lia: "Eu odeio Pink Floyd". A peça que faltava. Logo, o comportamento anárquico do grupo o levaria as páginas dos jornais. Matlock foi substituído por Sid Vicious (nascido John Simon Ritchie a 10 de maio de 1957) em março de 77. Vicious viria a se tornar o mártir do movimento (morreu de overdose de heroína em 2 de fevereiro de 79, em Nova York, dias depois de matar a namorada, Nancy Spungen, a garrafadas).

No rastro dos Sex Pistols, começou a surgir uma banda em cada esquina. O slogan era "faça você mesmo" ("do it yourself'). Ninguém precisava mais saber tocar bem. Atitude, criatividade, inconformismo e sinceridade importavam mais do que excelência musical. Esse é o grande legado do punk. (Princípios que resistem ainda hoje na música eletrônica de grupos como Underworld e Chemical Brothers.) Para divulgar essas idéias, o meio era o fanzine: fan (fã) + magazine (revista). Feitos com colagens e reproduzidos em xerox, correram a Inglaterra e o mundo. O mais famoso é o "Sniffin'glue" ("Cheirando cola"), editado pelo bancário Mark Perry e lançado em 76.

Os Sex Pistols passaram como um furacão, arrastando jovens insatisfeitos. O Clash, liderado pelo socialista Joe Strummer, pintou de vermelho o discurso niilista dos Pistols. (O Clash chegou a gravar um álbum triplo intitulado "Sandinista"). O Jam, que atualizava o som de bandas mods dos anos 60 como The Who e The Kinks, abriu caminho para o revivalismo da new wave (de The Police, The Pretenders, Elvis Costello, Madness). Damned organizou (um pouco) o caos dos Pistols. Slits foi a primeira banda feminina a ter alguma relevância. The Buzzcocks acrescentou neurônios e pop adolescente. Siousxie And The Banshees criou a estética gótica, que assombraria os anos 80 (com a aparição dos famigerados darks). O rock passava por uma revolução só comparada a da geração hippie (aliás, renegada com ódio pelos punks).

Nos dias 20 e 21 de setembro de 76, o marco: o festival do 100 Club, que reuniu várias dessas bandas numa pequena casa noturna. Uma garota perdeu um olho, atingida por uma lata de cerveja. A imprensa sensacionalista explorou o fato e os punks ganharam as primeiras páginas dos jornais. Começava então uma sucessão de escândalos que chocaria a sociedade inglesa. Os Pistols foram banidos de duas gravadoras e as bandas, impedidas de tocar em diversos teatros. Em 15 de junho de 77, os Pistols subiram o Rio Tâmisa num barco cantando a canção "God save the queen", que ironizava o jubileu de prata da rainha Elizabeth II. A banda foi presa, mas, no mesmo dia. o compacto com a canção chegava ao primeiro lugar da parada, desbancando Rod Stewart. Em novembro, sairia o álbum dos Pistols. No balanço anual da elitista revista "Vogue", Rotten é eleito um dos "sucessos do ano".

Rápido como a música que carregava a sua mensagem, o punk entrou em decadência a partir de 1978. No dia 14 de janeiro, em meio a uma turnê americana, os integrantes do Sex Pistols anunciam o fim da banda. Com a morte de Vicious e a absorção dos artistas pelas grandes gravadoras o movimento perderia a força. Sobreviventes como Clash, Jam, Damned e Stranglers buscaram novos caminhos musicais (quase sempre com bons resultados). Rotten voltaria a ser Lydon e fundaria o PiL (Public Image Limited), grupo precursor da eletrônica que dominaria a década de 90.

Em 81, na Califórnia, o movimento renasceu. Mais rápido e barulhento, agora chamado de hardcore. Sob o lema punks not dead ("o punk não morreu''), bandas como nead Kennedys e Exploited revigoraram o estilo. Mas por pouco tempo. Não havia mais lugar para tal romantismo. Ainda que um romantismo bêbado, sujo, mal-vestido e desbocado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

O começo do fim do apartheid

Um protesto de dez mil estudantes de Soweto—o grande gueto negro a 16km de Johanesburgo, na África do Sul—contra a política racista do Governo, no dia 16 de junho de 1976, provocou a maior onda de violência no país desde o massacre de Sharpeville, em 1960, quando 69 negros foram mortos pela polícia. Crianças e jovens se dirigiam em passeata a um estádio, cantando pacificamente, acompanhados de perto pela polícia. Um policial atirou uma bomba de gás lacrimogêneo, outro achou que eram os garotos que tinham dado um tiro, e todos começaram a disparar contra a multidão. O primeiro a cair morto foi Hector Peterson, de 12 anos. Pelo menos outros três morreram no primeiro momento.

Por três dias, em várias partes do país, houve tumultos, incêndios e saques, provocando cem mortos e mais de mil feridos. A maior parte, evidentemente, era de negros, que enfrentavam só com paus e pedras soldados em veículos blindados, com lança-bombas de gás, cães policiais e helicópteros. Contidas num primeiro momento, as manifestações continuaram estourando. No fim do ano eram 360 mortos e mais de mil no final de 1977.

O Governo gostava de mostrar Soweto como atração turística—visitada todo ano por 15 mil brancos—com 256 escolas, um hospital com três mil leitos, 55 mil carros, advogados, médicos, comerciantes e até cinco milionários, mas escondia a falta de saneamento, eletricidade e água corrente para a maior parte dos mais de 700 mil negros que lá viviam, na maioria da tribo dos zulus. Além disso, os serviços médicos, colégios e livros escolares eram pagos, ao contrário do que acontecia nas cidades brancas. Para piorar a insatisfação, o africâner—dialeto holandês que os negros ligavam aos seus tradicionais opressores —fora adotado nas escolas.

Pressionado pela opinião pública internacional—e com a apoio de empresários, políticos, jornalistas, intelectuais e religiosos sul-africanos—o primeiro-ministro John Vorster tentou liberalizar a política racial do país, mas a reação ainda era grande e pouco se conseguiu. A população negra da África do Sul, mais de 70% dos habitantes, não mais se conformava em ser tratada como estrangeira em sua própria terra. Iniciava-se a contagem regressiva para o fim do apartheid.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

Israel faz operação cinematográfica

A ousadia do seqüestro, por um comando terrorista pró Palestina, de um Airbus da Air France cheio de passageiros judeus, Israel respondeu ainda mais ousadamente, com uma espetacular ação de resgate—debaixo da carranca do auto-intitulado marechal-de-campo Idi Amin Dada, ditador de Uganda. No dia 27 de junho de 1976, o avião que ia de Tel Aviv para Paris foi tomado pelos terroristas logo depois de decolar de Atenas, onde fez escala, sendo levado para Benghazi, na Líbia, e depois para o aeroporto de Entebbe, em Uganda, aparentemente com a aprovação de Idi Amin, que cortara relações com Israel em 1972.

Com as negociações mantidas na semana seguinte, 195 passageiros foram libertados, mas 107 reféns permanecem num galpão do aeroporto—95 judeus com passaportes israelenses e 12 tripulantes do aparelho seqüestrado, vigiados pelos sete terroristas (cinco palestinos, um alemão e uma alemã) e protegidos por soldados ugandenses. Exigência dos seqüestradores: a libertação de 53 prisioneiros políticos palestinos presos em Israel e em outros quatro países. Se isso não acontecesse até o dia 4 de julho, o Airbus seria explodido com os reféns dentro.

Israel fingiu negociar, mas em segredo preparou uma operação de resgate minuciosa. No fim da noite do dia 3, quatro aviões militares Hércules com 100 comandos de elite e uma unidade médica partiu de Tel Aviv para Uganda. Voando o mais baixo possível, para evitar os radares, chegou a Entebbe na madrugada de domingo e aterrissou sem problemas—especula-se que os pilotos tenham informado a torre de controle do aeroporto que traziam os prisioneiros pedidos para a troca.

Com eficiência e rapidez, em 36 minutos os comandos israelenses desembarcaram em jipes, libertaram os reféns e os puseram nos aviões, deixando mortos todos os sete terroristas e cerca de 20 militares locais. Um quarto da força aérea de Uganda—11 Mig russos— e alguns aviões comerciais foram destruídos, assim como a torre de controle. Mas também morreram o comandante da operação, o tenente coronel Yehonathan Netaniahu, e três reféns. Na manhã de domingo os comandos foram recebidos como heróis em Israel.

A primeira reação de Idi Amin foi parabenizar suas tropas por "repelir os invasores". Dias depois congratulou-se com os israelenses pelo sucesso do resgate e anunciou a intenção de romper com o terrorismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

China perde seus maiores líderes

No dia 9 de setembro de 1976, morria, aos 82 anos, o "Grande Timoneiro" de 800 milhões de chineses, Mao Tse-Tung. Um milhão de pessoas foram ao enterro do líder da revolução comunista no país. Era o segundo grande golpe sofrido pela China naquele ano. Em 8 de janeiro, aos 78 anos, morrera Chou En-Lai, primeiro ministro de 1949 a 1974, quando, enfraquecido por um câncer, foi gradativamente se afastando da função. Em poucos meses, a China perdeu seus dois maiores lideres: Mao, que vencera uma guerra civil de 20 anos e governara o país por mais de um quarto de século, a partir de 1949; e Chou En-Lai, considerado o melhor relações-públicas do país em 25 anos, elogiado por Henry Kissinger e Richard Nixon após o histórico encontro de 1972, na China.

Mao Tse-Tung encarnava a legenda do herói revolucionário; Chou En-Lai trabalhava nos bastidores, com sobriedade e refinamento. Até na morte essas diferenças ficaram evidentes. Mao Tse-Tung ganhou um gigantesco mausoléu, com altura equivalente a de um edifício de 20 andares, e seu corpo foi embalsamado. As cinzas de Chou, conforme seu último desejo, foram espalhadas sobre campos e rios. Isso não significa que os dois tivessem divergências. Completavam-se, e Chou, aparentemente, nunca se importou em ser o número 2. Juntos, participaram da Longa Marcha de 1934, uma jornada de 9.600 quilômetros e 368 dias, perseguidos pelas forças de Chiang KaiShek. Dos 90 mil que a iniciaram, apenas oito mil chegaram as colinas de Shensi.

Após a morte de Mao, sua viúva, Chiang Ching, tentou sem sucesso tomar o poder com outros três dirigentes da ala esquerda do partido. Em outubro, todos foram presos por Hua Guofeng, o ex-primeiro ministro que assumiu o Governo. Conhecidos como a Gangue dos Quatro, eles foram responsabilizados pelas arbitrariedades cometidas durante a Revolução Cultural—contra-ofensiva de Mao para retomar o controle do país na década de 60, na qual milhares de intelectuais e dirigentes do PC foram humilhados, presos ou mortos—e condenados a morte, pena posteriormente transformada em prisão perpétua. Chiang Ching se mataria em 1991.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

Videla dá início à ‘guerra suja’

Previsto dias antes pelos jornais argentinos, um golpe militar no qual não se disparou um tiro derrubou a Presidente Maria Estela Martinez de Perdn, Isabelita, no dia 24 de março de 1976. Viúva do ex-presidente argentino Juan Perdn, Isabelita teve um Governo crítico: a produção caiu, a inflação disparou, o país perdeu o crédito internacional e deixou de pagar suas dívidas, enquanto grupos de esquerda e de direita promoviam guerrilhas.

A Junta Militar que assumiu o poder era chefiada pelo general Jorge Rafael Videla, famoso pela crueldade de seu Governo, durante o qual desapareceram de três mil (segundo estimativas mais conservadoras) a 30 mil pessoas consideradas subversivas. Logo Videla suspendeu as atividades políticas e sindicais, além de declarar puníveis pelo Código Militar a posse de armas e explosivos, ataques a forças de segurança, sabotagem e greve. Em abril de 1976, ele afirmava que o objetivo das Forças Armadas era "o pleno restabelecimento do sistema e das instituições democráticas, federativas e republicanas do país". Mas três meses depois dizia que as Forças Armadas argentinas só considerariam acabado o seu trabalho quando o terrorismo estivesse aniquilado. Para isso, os militares não hesitaram em recorrer a chamada "guerra suja".

Muitas denúncias dos atos violentos praticados pelo regime partiram de um grupo de mulheres, no início denominadas pejorativamente "Loucas da Praga de Maio", e depois Mães da Praça de Maio. O movimento nasceu em 30 de abril de 1977, quando cerca de 20 delas foram as ruas pedir uma explicação sobre o desaparecimento de seus filhos e netos. Os militares ficaram no poder até 1983, quando foram declarados mortos todos os desaparecidos na "guerra suja", gerando protestos no país e no exterior. No mesmo ano, os chefes dos governos militares—Videla, Roberto Viola e Leopoldo Galtieri—e demais membros das três juntas que governaram o país desde 1976 foram processados e Raul Alfonsin, da União Cívica Radical, elegeu-se presidente. Videla, que autorizara a instalação de campos de prisão e tortura, e outro membro da Junta, Emilio Massera, foram condenados em 1985 à prisão perpétua. Os demais receberam diferentes penas. Todos foram beneficiados pela anistia de Carlos Ménem. Em 1998 e 99, porém, muitos foram condenados em outros processos. Por terem mais de 70 anos, Videla e Massera vivem em prisão domiciliar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

Vítima vira ré: em defesa da honra

Um crime passional abalou a sociedade brasileira no penúltimo dia de 1976. No início da noite de 30 de dezembro, Raul Fernando Amaral Street, o Doca Street, 40 anos, matou com quatro tiros de pistola Angela Diniz, com quem vivia há apenas três meses. O casal, segundo relatos de empregados, não parara de brigar desde que chegara a Búzios, no litoral fluminense, na véspera. Angela, contaram os amigos, pretendia se separar de Doca logo após o reveillon, por não suportar o ciúme doentio do companheiro. Depois de um dia inteiro de desentendimentos, regados a muita vodca, ela antecipou a decisão, expulsando-o de casa (que era dela). Doca foi, mas voltou logo depois, implorando, de joelhos, para ficar. Discutiram novamente, e ele a matou.

O caso teve enorme repercussão e pôs nos jornais a vida agitada dos bon vivanfs brasileiros. Angela tinha 32 anos e uma vida de princesa. Adolescente típica de classe média mineira, sua beleza e extroversão a fizeram despontar em Belo Horizonte aos 14 anos. Já tinha a alcunha de "pantera de Minas" quando se casou com o engenheiro Milton Villa-Boas Filho, união da qual saiu, dez anos depois, sem traumas e com muito dinheiro. No Rio, depois de vários casos amorosos, conheceu Doca, neto do empresário paulista Jorge Street, que fizera fortuna nos anos 30. Aventureiro sem trabalho fixo—havia muito deixara de ter dinheiro—já se havia empregado como acompanhante de mulheres ricas em Miami, vendedor de carros e corretor imobiliário. Era sustentado pela ex-mulher, Adelita Scarpa, filha de um bilionário paulista.

O primeiro julgamento, em 1979, terminou com o tribunal do júri absolvendo o réu e condenando a vítima. Angela Diniz foi descrita pelo advogado de defesa de Doca, o veterano criminalista Evandro Lins e Silva, como uma "Vênus lasciva", "dada a amores anormais" —referencia a um caso homossexual que teria tido. Lins e Silva conseguiu convencer os jurados de que seu cliente agira "em legítima defesa da honra", depois de ter sofrido "violenta agressão moral". A sentença: dois anos de prisão, que não cumpriu, pois foi beneficiado por sursis. O julgamento, em Cabo Frio (cidade da qual Búzios era distrito), assemelhou-se a um programa de auditório, com claque ruidosa e cobertura inédita da imprensa—mais de 100 jornalistas e 70 técnicos de TV. O caso foi devorado como tragédia de costumes.

Dois anos depois, Doca foi a novo julgamento—as provas eram as mesmas, os depoimentos também. O fato novo não estava ligado ao crime, mas à reação da sociedade. Angela, a que seria "devassa", virou mãe amantíssima (seus três filhos, do primeiro casamento, moravam com o pai em Minas), espécie de mártir e símbolo das feministas. O movimento feminista no Brasil estava em seu auge, brigando contra a impunidade de homens que, como Doca, haviam matado mulheres, e cunhou um slogan famoso: "Quem ama não mata". A imprensa também não deixou morrer o caso. Quando Doca foi julgado pela segunda vez, a opinião pública estava mobilizada para condená-lo—e vibrou quando ele pegou 15 anos de prisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

Um cinema muito perto de você

A possibilidade do "cinema em casa" começou a se tornar realidade em 1976. Embora lançados no ano anterior, os videocassetes somente iriam atingir um número significativo de consumidores naquele ano. E, já no início, a concorrência era acirrada. A pioneira Sony, que lançou o sistema Betamax, já disputava o mercado com outra empresa japonesa, a JVC (Victor Company of .lapan), que oferecia aos consumidores o VHS (Video Home System). Embora possam parecer relíquias pré-históricas hoje, com o constante desenvolvimento tecuológico do setor, os primeiros videocassetes impulsionaram o entretenimento doméstico com força impressionante, ao lado do lançamento dos video-games e da TV a cabo. Isso, enquanto o microcomputador e o compact-disc não aportavam ainda nos cada vez mais acomodados lares urbanos.

Tecnicamente, os dois sistemas se eqüivaliam, mas o VHS teve desde o início uma clara vantagem: os aparelhos comportavam fitas de duas horas de duração, enquanto o sistema Betamax só podia utilizar fitas de uma hora. Quando a Sony conseguiu, enfim, lançar suas fitas de duas horas, a JVC reagiu com uma medida que praticamente liquidou o adversário, ao permitir o licenciamento de qualquer marca para a fabricação do sistema VHS. Nos anos 80), o sistema VHS era usado por 90% dos consumidores. Em 1988, a própria Sony acabou se rendendo as evidências e também aderiu ao sistema. A notícia pegou de surpresa os consumidores que ainda tinham em casa os já Superados Betamax. Quem tentou vendê-lo, não conseguiu. O Betamax, que se tornou um trambolho para quem pagara caro por ele, teve um fim semelhante ao dos antigos filmes Super-8, sensação nos anos 70, e que foram completamente superados pelas modernas câmeras de vídeo portáteis.

No Brasil, o videocassete só chegou mesmo em 1978, e mesmo assim como artigo de luxo, devido ao alto preço. Numa época em que a TV em preto-e-branco ainda equipava a maioria das casas, um equipamento que gravava os programas de TV da mesma forma que os aparelhos de fita cassete sonora era para certamente poucos. E ainda havia o problema da transcodificação, ou seja, a adaptação do sistema americano NTSC para o padrão de cor brasileiro, o PAL-M. Com o tempo, a variedade de marcas possibilitou que um grande número de consumidores aderissem ao vídeo, como ficou mais conhecido, o que fez com que o preço encolhesse no mesmo ritmo em que a qualidade de som e imagem crescia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

O homem de gelo de Wimbledon

Quando entrou na quadra do All England Lawn Tennis Club para enfrentar o inglês David Lloyd, o cabeludo Bjorn Borg já era uma celebridade mundial: trazia na bagagem o título em Roland Garros de 1974 e 1975 e uma participação decisiva na Copa Davis de 1975, ajudando a Suécia a conquistá-la pela primeira vez. Mas foi apenas naquele jogo no verão de 1976 que ele, aos 20 anos, começou a se tornar um dos maiores tenistas da História, iniciando uma incrível seqüência de 47 vitórias consecutivas no Torneio de Wimbledon, só interrompida no final de 1981, quando o americano Jimmy Connors Ihe tirou o hexa-campeonato. Em 1976, Borg realizou também a façanha de não perder um único set na competição.

Embora o penta-campeonato em Wimbledon tenha sido sua mais impressionante conquista, ele está longe de ser a única realização de Borg nas quadras, onde reinou absoluto até 1983, quando, "sem motivação para continuar lutando para ser o primeiro", as abandonou. Ganhou a maioria das competições de que participou, a exceção do U.S. Open, no qual chegou a perder quatro finais—por causa dele . deixou de conquistar o ambicionado Grand Slam. Venceu seis Roland Garros, que o ajudaram a somar US$ 3,6 milhões em prêmios e contratos publicitários de US$ 100 milhões. Há quem diga que Borg perdeu para um único adversário: a própria ambição obsessiva de se tornar o maior jogador de todos os tempos.

Com imagem de ídolo pop, Borg ajudou a popularizar o esporte, que nunca mais teria uma aura aristocrática. Introduziu o chamado tênis-força, caracterizado por uma impressionante movimentação no fundo da quadra, saques poderosíssimos e fantástico preparo físico garantido principalmente por sua capacidade cardiovascular—apenas 38 batimentos por minuto, quase a metade do normal. Também marcaram o seu estilo o backhand com as duas mãos, o excessivo recurso ao topspin e, principalmente, a frieza mantida nos momentos mais importantes da carreira, que Ihe valeu o apelido de "Iceborg".

No entanto, não tinha estrutura emocional para suportar frustrações, como a perda da invencibilidade em Wimbledon e a quarta derrota em uma final de U.S. Open, ambas ocorridas na temporada de 1981. Essa fragilidade ficou patente nos problemas pessoais que teve quando se afastou das quadras, como o fim de três casamentos no curto período de cinco anos, o envolvimento com drogas e até uma tentativa de suicídio. Tentou voltar as competições no início da década de 1990, expondo-se a algumas situações próximas do vexame: insistia em jogar com uma ultrapassada raquete de madeira na era do grafite, um anacronismo que chegou a ser comparado ao uso de um Fusca numa corrida de Fórmula 1.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

Nasce a grande estrela romena

As Olimpíadas de Montreal, em julho de 1976, começaram marcadas pelo boicote de 22 países africanos em protesto contra o Comitê Olímpico Internacional, que havia se recusado a excluir dos jogos a Nova Zelândia, cuja seleção de rugbi disputara uma partida na África do Sul, violando o bloqueio esportivo que a ONU recomendara contra países que praticassem a segregação racial. Em pouco tempo, porém, uma menina de 14 anos, 1.53m de altura e 34kg tirava de foco a ausência de 441 atletas—um tremendo desfalque no boxe e no atletismo, principalmente—passando a ocupar o centro das atenções: a ginasta romena Nadia Comaneci, que com extraordinário talento e técnica primorosa tornou-se a maior de sua modalidade em todos os tempos. Os saltos, volteios e torções de Nadia Ihe deram a primeira nota 10 na história da ginástica, nas barras assimétricas. Ela ganharia outras seis na Olimpíada. No final, estava com três medalhas de ouro (exercícios combinados, barras assimétricas e trave), uma de prata (equipe) e uma de bronze (exercícios de solo). E deixava para trás as russas Olga Korbut, Lyndmila Tourischeva e Nelly Kim.

Descoberta aos seis anos pelo treinador Bela Karolyi, a atleta havia superado várias competidoras mais velhas. Depois de Montreal, Nadia Comaneci continuou vencendo competições internacionais, embora nunca tivesse voltado a atingir o nível de 1976. Como outros atletas de seu país, sentiu-se pressionada a vencer sempre e chegou a tentar o suicídio aos 15 anos. No final dos anos 80, fugiu da Romênia, ainda sob a ditadura de Nikolai Ceausescu, e foi para os Estados Unidos.

Outra "socialista" a brilhar em Montreal foi a alemã oriental Kornelia Ender, maior nadadora de seu tempo. Com 13 anos, 1,78m e 70kg, a veloz menina conquistou o ouro nos 100 e 200 metros livre, no revezamento de 4 x 100 metros quatro estilos e nos 100 metros borboleta, além da prata nos 4 x 100 livre. A americana Margareth Murdock foi a primeira mulher a ganhar medalha em competições de tiro. Só perdeu para seu compatriota Larry Brasham na prova de carabina três posições.

Em Montreal, os americanos tiveram de se contentar com o terceiro lugar na contagem total. Em primeiro ficou a União Soviética (49 medalhas de ouro, 41 de prata e 35 de bronze); em segundo, a Alemanha Oriental. O Brasil conquistou duas medalhas de bronze: com João Carlos de Oliveira, no salto triplo, e a dupla Reinaldo Conrado e Peter Fricker, no iatismo "(classe Flying Dutchman)".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1976

O novo grande herói americano

A história de Rocky Balboa, um lutador sem dinheiro e sem futuro, mas persistente, foi escrita—dizem que em três noites—por Sylvester Stallone, um ator sem dinheiro e sem futuro, mas persistente. Com o argumento embaixo do braço, o ator bateu perna até encontrar financiadores, os produtores Irwin Winkler e Robert Chartoff. O roteiro completo foi vendido por pouco dinheiro—US$ 25 mil— uma participação de 10% no faturamento da fita e a garantia do papel principal para Stallone, sem um pagamento adicional por isso— ele teria recusado US$ 150 mil para simplesmente vender os direitos sobre o personagem, que seria oferecido a Ryan O'Neal. Como sua criação, "Rocky, um lutador" ("Rocky", EUA, 1976), Sylvester Stallone acabou se tornando bem-sucedido e célebre da noite para o dia.

John G. Avildsen foi contratado para dirigir o filme, que ficou pronto em 28 dias, a um custo de pouco mais de US$ 1 milhão. Lançado em novembro de 1976, profetizava-se que seria retumbante fracasso por não trazer grandes nomes no elenco e tratar de figuras medíocres dos subúrbios da Filadélfia. Não foi bem assim. Só no mercado americano, "Rocky" faturou mais de US$ 110 milhões, engordando a conta bancária de Stallone, que também ganhou indicações para os prêmios da Academia de ator e roteiro original, não levando nenhum. Já a fita ganhou três estatuetas: melhor filme, diretor e montagem.

A história é simples: um boxeador desconhecido e um tanto fora de forma é escolhido, num lance de demagogia, para enfrentar o campeão mundial dos pesos pesados numa luta por conta dos festejos do bicentenário da independência americana. Sempre com a ajuda da namorada feiosa e sensível] (Talia Shire) e de um veterano treinador (Burgess Meredith), Rocky faz força para entrar em forma. Encara o campeão e, mesmo sendo barbaramente castigado, chega ao fim do combate de pé, contra todos os prognósticos. Com "Rocky" e suas quatro continuações, Stallone encarnou um novo tipo de herói americano e é um dos astros mais populares do planeta desde então. Outro personagem famoso, o veterano do Vietnã John Rambo, que interpretou em três filmes, consolidou a carreira milionária. Nada mal para alguém que foi aconselhado a não atuar, quando cursava artes dramáticas na Universidade de Miami, e passou pelos empregos de entregador de pizza, pizzaiolo, empregado de zoológico, lanterninha e ator de filme pornô.

Fonte: O Globo - Texto integral