Em 1970 as principais manchetes foram estas:

No tri, Brasil faz a melhor campanha de todas as copas

Conflito no Vietnã cruza a fronteira

Um marxista no poder pelo voto

Arafat ataca o seu anfitrião Hussein

O início de uma guerra pela paz

Deixa estar, o sonho acabou

Vivendo rápido e morrendo jovem

França perde seu maior líder

Matemática forma um humanista
Três astronautas perdidos no espaço

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1970

No tri, Brasil faz a melhor campanha de todas as copas

Foi, ao menos para o Brasil, a primeira Copa do Mundo transmitida ao vivo pela televisão e a última em preto e branco. Nunca, porém, uma seleção verde e amarela brilhou tanto ou apresentou futebol tão colorido.

Depois do monumental fiasco de 66 na Inglaterra—quando os bi-campeões do Mundo acabaram eliminados na primeira fase do Mundial, após duas vergonhosas surras diante da Hungria e de Portugal—só mesmo um time de feras para recuperar o prestígio e a auto estima de nosso futebol.

E foi exatamente isso o que fez João Saldanha, à época o jornalista esportivo mais famoso do país. Surpreendentemente convocado pela CBD para dirigir o scratch canarinho nas eliminatórias de 1969, ele aceitou o desafio com apenas uma palavra:

—Topo!

E em sua primeira entrevista coletiva foi logo colocando as garras de fora.

—Que canarinhos, que nada! Comigo serão 22 feras em campo.

Sem papas na língua, o "João sem medo" trocou o apelido do time e justificou a mudança em campo. Formando uma seleção com base nas equipes do Santos, de Pelé, e do Botafogo, de Gerson e Jairzinho, o técnico conseguiu, de fato, formar um grupo muito forte e que se classificou, para o Mundial de 70, jogando um futebol talentoso, empolgante e, acima de tudo, corajoso: a cara de seu comandante.

Tudo parecia ir as mil maravilhas, mas, as vésperas da Copa, começaram os problemas. Homem de temperamento irascível e de convicções políticas radicais—era comunista "de carteirinha"— João nunca fez rapapés para a ditadura militar que então governava o país. Pior, no dia que o presidente da Republica, general Emílio Garrastazu Médici, resolveu fazer um comentário, dizendo que gostaria de ver Dario "Peito de Aço"—limitadíssimo centroavante do Atlético Mineiro—na seleção, Saldanha não fez por menos:

—O general nunca me ouviu quando escalou o seu ministério. Por que, diabos, teria eu que ouvi-lo agora?

João assinava, naquele momento, a sua sentença. E a execução foi facilitada por algumas outras brigas que acabou arrumando dentro e fora da seleção. Fora, com o então treinador do Flamengo, lustrich—o "Homão" (Saldanha chegou a invadir a concentração do clube, armado, para tomar satisfações com ele); dentro, com ninguém menos do que Pelé—o Rei do Futebol:

—O negão tem um problema muito sério!— revelou, em tom grave, na televisão.

—O crioulo esta ficando cego—confidenciou a amigos, justificando uma possível (e até então impensável) barração.

Nem teve tempo para isso. Após diversas apresentações ruins e já em crise, a seleção foi a Moça Bonita (subúrbio do Rio), enfrentar o frágil time do Bangu. Era mais um amistoso da fase pré-Copa e o vexaminoso empate em 1 x 1 selou de vez a sorte do técnico.

—João, a comissão está "dissolvida"—comunicou-lhe, após o amistoso, um dos diretores da CBD, Antônio do Passo.

—Não sou sorvete para ser dissolvido. Passar bem—disse, João, momentos antes de abandonar definitivamente a seleção e retornar ao seu posto de "comentarista mais ouvido do Brasil".

Começava a era Zagallo (que com uma ou outra interrupção, se estendeu até a Copa de 98). Bi-campeão do mundo, como ponta-esquerda em 1958 e 1962, o então técnico do Botafogo era, além de inegavelmente competente, um bom político. Qual foi sua primeira providência? Convocar cinco novos jogadores—entre eles Dario "Peito de Aço", o "Dadá Maravilha", xodó do presidente-general.

Dadá, na verdade, nem sequer ficou no banco de reservas nos jogos da Copa. Mas estava lá, nos treinos e na concentração, divertindo todo mundo com suas tiradas espirituosas e principalmente, alegrando o presidente-torcedor, que fazia questão de ser fotografo pela imprensa, nos estádios, com o radinho de pilha colado ao ouvido.

Política à parte, Zagallo conseguiu devolver ao time o equilíbrio e a tranqüilidade que as muitas brigas de Saldanha tinham roubado. Uma mexida aqui (Félix, goleiro do Fluminense, reconvocado, voltou ao gol titular), outra ali (Wilson Piazza, então meio campo, foi recuado para jogar na quarta-zaga, no lugar de Fontana) e o time se reaprumou, com uma escalação de respeito: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino.

Na estréia, contra a sempre perigosa Tchecoslovaquia, um susto: o artilheiro Petras faz 1 x O para eles e se ajoelha diante da telinha, benzendo-se e dando a impressão de que o sonho do tri-campeonato estava prestes a receber extrema-unção.

Pois, sim. Uma bomba de Rivelino cobrando falta, ainda no primeiro tempo, recoloca a igualdade no placar e, após intervalo, um inesquecível show de bola surge como prenúncio da mais espetacular de nossas conquistas futebolísticas. Pelé marca, após matar a bola no peito, em pleno ar (como em um passo de balé!) e Jairzinho, em duas arrancadas fulminantes, liquida a fatura. Brasil 4 x 1.

Veio a segunda rodada e, com ela, a verdadeira decisão do Mundial. Brasil x Inglaterra, então campeã do Mundo—e da máscara, com todos os seus "bobbys" Charlton, Moore etc. Do lado brasileiro, um seríssimo desfalque: o meio campo Gérson, contundido, cede seu lugar a Paulo César "Caju", habilidoso ponta-esquerda do Botafogo.

Jogo duro, duríssimo, lá e ca. Num lance dividido, dentro da área brasileira, o ponta-direita inglês Ball acerta violento chute no goleiro Félix. Revolta entre os brasileiros. Carlos Alberto Torres, o capitão, pede calma, conciliador. Segue o jogo e na primeira dividida dele com o mesmo Ball, acerta-lhe medonha bordoada—devolvendo, com juros, a pancada no nosso goleiro. Começávamos a ganhar o jogo e o título.

O gol da vitória, entretanto, só viria no segundo tempo, numa daquelas jogadas que, hoje em dia, fazem parte da antologia do esporte: Tostão acerta uma cotovelada num inglês, dribla duas vezes Bobby Moore (a segunda delas, por debaixo das pernas) e toca para Pelé —cercado, cercadissimo, dentro da área. O "Rei" percebe a entrada de Jairzinho, pela direita e, num leve toque, rola a bola para o chute fulminante do ponta-direita do Botafogo. Brasil 1 x 0.

O adversário seguinte foi, teoricamente, o mais fraco: a Romênia. Teoricamente pois acabou sendo uma partida confusa, de muitos gols e que, ao final, vencemos por 3 x 2—Pelé marcou duas vezes, Jairzinho, uma.

Nas quartas-de-final, um momento histórico: o Bi-campeão do Mundo, Valdir Pereira, nosso inesquecível Didi, maestro nos campos da Suécia e do Chile, aparecia sentado no banco de reservas adversário. Didi era o técnico da forte e talentosa seleção peruana, de Cubillas, Mifflin, Perico Leon e Gallardo. O Brasil, porém, não estava para brincadeiras: abriu logo 2 x O (gols de Rivelino e Tostão) e embora os peruanos esboçassem uma reação, a seleção de Zagallo soube sempre se manter a frente. No final, Brasil 4 x 2—com mais um gol de Tostão e outro de Jairzinho.

Já estávamos nas semifinais e teríamos pela frente um velho fantasma, autêntica chaga aberta na alma da torcida brasileira : a "Celeste" uruguaia—que nos derrotara na finalíssima da Copa de 50, em pleno Maracanã.

Uma assombração que parecia se repetir, quando o Uruguai abriu o placar, aos 18 minutos do primeiro tempo, depois que uma jogada infeliz de Brito deu início ao contra-ataque do gol adversário. Clodoaldo, entretanto, empataria, ainda no primeiro tempo, marcando um golaço—o de empate do Brasil. Depois do intervalo, a vitória veio com naturalidade: Jairzinho e Rivelino marcaram e Pelé, mesmo sem fazer gol, imortalizou mais uma jogada digna de placa, ao driblar o goleiro Mazurkiewicz com uma finta de corpo diabólica, sequer tocando na bola. O estádio aplaudiu de pé—"como na Ópera", escreveria o saudoso dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues.

Era a hora da decisão e, do outro lado do campo, outra seleção bi-campeã do Mundo: a Itália. O vencedor conquistaria, para sempre, a belíssima Taça Jules Rimet—símbolo maior da glória no futebol. Rola a bola e, num cruzamento de Rivelino, Pelé salta mais do que a zaga e cabeceia firme, fora do alcance do goleiro italiano Albertosi. Brasil 1 x 0. Euforia na torcida, preocupação dos supersticiosos: na história das Copas do Mundo, até então, nunca a equipe que abrira o placar conseguira chegar ao título. A apreensão aumentou quando Clodoaldo tentou fazer uma jogada de efeito no meio-campo e, desarmado por Bonisegna, permitiu o empate italiano. Susto que só foi terminar no belo chute de Gérson, já aos 20 minutos do segundo tempo. Brasil 2 x 1.

A partir daí, um baile só: Jairzinho marcou o terceiro e Carlos Alberto Torres—recebendo passe de Pelé praticamente idêntico ao dado a Jairzinho , no gol contra a Inglaterra , encerrou a goleada de 4 x 1. Brasil tri-campeão, com a melhor campanha de todos os tempos em Copas do Mundo (sete jogos, sete vitórias)!

No Brasil inteiro, a torcida fazia festa, cantando e agitando bandeiras. Nas avenidas Atlântica, em Copacabana, e Vieira Souto, em Ipanema , no Rio , uma multidão enlouquecida , entoava, a plenos pulmões, coros altamente transgressores para os moralistas padrões da época, transformando a festa da vitória num autêntico carnaval fora de época.

Nas cabines de rádio do estádio Jalisco, encerrada a histórica transmissão, um homem tirou o fone de ouvido, tampou o microfone e chorou copiosamente.

Seu nome? João Alves Jobim Saldanha. O João sem medo. O João das 22 feras que acabaram conquistando o tri.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Conflito no Vietnã cruza a fronteira

Em 1969. quando a presença de tropas americanas no Vietnã tinha atingido seu ponto máximo—mais de 500 mil homens—Washington iniciou um processo de "vietnamizacao" do conflito, ou seja, os sul-vietnamitas assumiriam gradualmente a responsabilidade de combater os comunistas do norte, garantidos por uma generosa ajuda econômica e militar dos Estados Unidos. No mesmo ano, o presidente Richard Nixon anunciou a volta para casa de 25 mil soldados americanos do Vietnã do Sul, primeira leva do que seria a retirada total do país. Mas, numa inesperada reversão de expectativa, Nixon pegou a nação de surpresa ao anunciar pela televisão, no dia 30 de abril de 1970, o envio de tropas ao Camboja.

O objetivo da missão era atacar bases dos vietcongues (os comunistas do Vietnã do Sul) naquele país. Nixon parecia estar esperando apenas a oportunidade certa para voltar a intervir no confronto. Esta veio quando o príncipe Norodom Sihanouk, governante do Camboja. foi deposto por um golpe militar. Por trás de uma anunciada política de neutralidade, Norodom tinha permitido aos vietnamitas do norte se instalarem no país, ao longo da fronteira com o Vietnã, enquanto mantinha uma relação ambígua com os EUA. Seu sucessor, o general Lon Nol, era um aliado dos EUA, e ao assumir o poder, requisitou ajuda americana para destruir as bases de operações dos vietcongues. Nixon atendeu o pedido.

Em seu discurso, o presidente enfatizou que não se tratava de uma invasão do Camboja, mas de uma operação localizada, e disse estar a par de que poderia Ihe custar a reeleição (o que não aconteceu). Os protestos nos Estados Unidos vieram de todo o lado. Na Universidade de Kent, em Ohio, quatro estudantes foram mortos pela polícia durante protestos, agravando a revolta e provocando uma greve geral que praticamente paralisou as instituições de ensino superior nos EUA, mas sem grandes resultados. Com as negociações de paz no Vietnã, em 1972, os combates foram perdendo intensidade, até que o Acordo de Paris, em 1973, pôs fim a participação americana no conflito. Os comunistas do Camboja, no entanto, se recusaram a aderir aos acordos, e no mesmo ano foram submetidos a ataques aéreos americanos. Em 1975, os comunistas tomaram a capital, dando início a um regime de tenor controlado pelo Khmer Vermelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Um marxista no poder pelo voto

Salvador Allende Gossens era um veterano em eleições presidenciais quando, em 4 de setembro de 1970, revertendo uma história de derrotas (em 1952,1958 e 1964), os chilenos o levaram ao poder. A vitória da Unidade Popular, coligação de seis partidos de esquerda, entre eles o socialista (que Allende ajudara a fundar) e o comunista, foi difícil: o país estava dividido, e a pequena margem de votos, sem maioria absoluta, fez com que a vitória tivesse de ser confirmada pelo Congresso.

Marxista, admirador de Fidel Castro, Salvador Allende inaugurava um novo caminho para o socialismo num mundo que se acostumara a ver mudanças de regime serem impostas com ações radicais, como a Revolução Cubana. Allende prometia o "socialismo dentro da Lei" e o "marxismo em liberdade", conforme os cartazes com que seus partidários saíram às ruas para comemorar a nova fase da história do país. O presidente nada tinha dos comandantes revolucionários temidos pela burguesia. Egresso da classe média alta, médico como o avo. filho de advogado, Allende era um homem requintado, que encomendava seus ternos nos melhores alfaiates e não dispensava um bom vinho.

A presidência tão acalentada teve vida tumultuada e prematuramente encerrada. Uma semana antes de ser conduzido ao cargo, extremistas de direita assassinaram, durante um seqüestro, o general Rene Schneider, comandante do Exército. A malograda ação seria imputada a esquerda, com o objetivo de revoltar as Forças Armadas e impedir a posse. Esta aconteceu como previsto, no dia 3 de novembro, mas todo o resto não estava nos planos do novo governo. Allende, como prometera, iniciou seu projeto de socialização, instituindo o controle sobre a economia, acelerando a reforma agrária e nacionalizando bancos e recursos minerais, sem, no entanto, oferecer nenhuma compensação as empresas americanas proprietárias das minas de cobre, principal fonte de renda do Chile. As companhias estrangeiras cortaram os investimentos no país e a retração industrial provocou desemprego e uma inédita inflação de três dígitos.

As greves se espalhavam por todos os setores, as donas de casa protestavam à noite com uma barulhenta orquestra de panelas, o "panelaço". O país havia sucumbido ao caos político e social, e a população estava polarizada. Quando o movimento militar liderado pelo general Augusto Pinochet bombardeou, em 1973, o Palácio de La Moneda, sede do Governo, a população chilena, apesar da longa tradição democrática, não protestou. Segundo a versão oficial, Allende se matou dentro do palácio, no dia 11 de setembro, pouco antes da chegada das tropas de Pinochet.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Arafat ataca o seu anfitrião Hussein

Desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, a Jordânia viu aumentarem seus problemas com os palestinos. Parte do território jordaniano passou para o controle de Israel, e centenas de milhares de palestinos que ali viviam preferiram se deslocar para continuar no país governado, desde 1953, pelo rei Hussein. Em 1970, eles eram um quarto dos súditos de Hussein formando um núcleo fechado dentro do qual proliferou o terrorismo árabe, que foi violentamente combatido pelo rei da Jordânia ao longo daquele ano.

Com a derrota de 1967, e o conseqüente fortalecimento de Israel na região, a principal agremiação política dos sem-país, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP)— fundada em 1964, mas que não participara da Guerra dos Seis Dias—liberou seus grupos militarizados (o Al-Fatah, a Frente Popular para a Libertação da Palestina e a Frente Popular Democrática para a Libertação da Palestina), que iniciaram uma incessante guerrilha contra Israel a partir de bases na Jordânia.

Yasser Arafat, comandante do Al-Fatah, era o líder da OLP. Os guerrilheiros palestinos, os feddayn ("aqueles que se sacrificam"), não davam tréguas aos israelenses, inclusive contando com dinheiro e armas generosamente doadas pelos outros países árabes e por alguns do leste europeu. Nessa hora, porém, demonstravam não respeitar autoridades e leis do país que os abrigava. E mais, a Jordânia e quem sofria constantemente com as enérgicas represálias de Israel. Hussein resolveu então que era hora de acabar com as guerrilhas.

A partir daí, a meta primeira dos feddayn já não era a "guerra santa" contra Israel, mas sim destronar Hussein. Os combates entre as forças do Governo e os guerrilheiros palestinos aconteceram durante todo o primeiro semestre de 1970. Em junho foi assinado um acordo que não tirou a força dos palestinos. As escaramuças continuaram. Em setembro, os guerrilheiros tomaram uma iniciativa ousada e perigosa: seqüestraram um avião comercial americano, outro suíço e um britânico e os levaram para a Jordânia. Hussein foi obrigado a tomar medidas duras. O Exército do país atacou com vigor os campos de refugiados.

De nada adiantara a ajuda da Síria aos guerrilheiros, com 200 tanques. Em 25 de setembro eles foram obrigados a aceitar um cessar-fogo. Hussein e Arafat assinam novo acordo, em 13 de outubro, para terminar um conflito que matara até então 3.500 pessoas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

O início de uma guerra pela paz

Anwar Sadat assumiu o comando do Egito imediatamente após a morte, no dia 28 de setembro, de Gamal Abdel Nasser. Os dois tinham sido companheiros de batalha na Organização dos Oficiais Livres, que, em 23 de julho de 1952, havia deposto o Rei Faruk, transformando o país numa república. Sadat, filho de camponeses, nascido em 25 de dezembro de 1918 numa aldeia no delta do Nilo, era o único dos revoltosos com uma história de luta contra a ocupação inglesa do país durante a Segunda Guerra Mundial. Chegou a ser preso. acusado de colaborar com os alemães.

O veterano combatente foi o mais antigo companheiro de farda de Nasser, seu amigo mais chegado, e com ele fez carreira: foi secretário-geral da União Socialista Árabe, partido majoritário, em 1957; presidente da Assembléia Nacional, em 1961; e vice-presidente da República, em 1969. Com a morte de Nasser, Sadat assumiu e um plebiscito em 15 de outubro o confirmou no cargo, com mais de 90% de aprovação. Menos brilhante que seu antecessor, que era um campeão do nacionalismo árabe e influente estadista do Terceiro Mundo, mas igualmente carismático e de refinada intuição, Anwar Sadat não pretendia ser só uma sombra do saudoso "Grande Pai". Começou aos poucos reduzindo a dependência da URSS, promulgou nova Constituição, relaxou o poder do Estado, descentralizou e diversificou a economia. Aliás, implantou dura economia de guerra, mas sem guerra, como protestava uma parte do povo.

Para reaver territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias, travada em 1967, Sadat atacou Israel. Em 6 de outubro de 1973—já sem os 15 mil conselheiros militares soviéticos, dispensados um ano antes—as forças egípcias cruzaram o Canal de Suez e derrotaram a primeira linha de defesa israelense. iniciava-se a Guerra do Yom Kippur. Os israelenses se reagruparam, contra-atacaram e depois de 17 dias de intensos combates foi declarada uma trégua. Em 1975, Sadat reabriu o Canal, e as tropas de Israel saíram de parte do Sinai.

Em novembro de 1977 o mundo se surpreendeu quando Sadat foi a Jerusalém conversar com o Parlamento israelense sobre paz. Acertou com o premier Menahem Begin os termos do chamado Acordo de Camp David— assinado em Maryland, Estados Unidos, em 26 de março de 1979—pelo qual o Sinai era devolvido ao Egito, os dois países trocariam embaixadores e passariam a manter relações culturais e econômicas normais. Por conta desse entendimento, Sadat e Menahem já haviam recebido o Prêmio Nobel da Paz em 1978. Mas também por conta dele, que desagradou quase todo mundo árabe, Sadat foi assassinado por extremistas muçulmanos em outubro de 1981, enquanto assistia a um desfile militar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Deixa estar, o sonho acabou

Depois de oito anos de sucesso, 37 discos (entre LPs e compactos) com milhões de cópias vendidas no planeta, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr declararam que o sonho acabou em 1970. O processo de separação dos Beatles, até hoje sem uma versão definitiva, remontava a 1967, ano da morte de Brian Epstein, empresário e, segundo alguns, o responsável pelo êxito do mais incensado grupo de rock da História.

Com a morte de Epstein, que gerenciava a Apple Records, a Apple Eletronics e a Apple Publishing, Lennon sugeriu para seu lugar Allen Klein, ex-empresário dos Rolling Stones. Mas Paul insistiu em indicar Lee Eastman, seu sogro. Lennon ganhou a queda-de-braço e Klein assumiu os negócios. Especula-se ainda que o fim da banda foi precipitado pela gravação do LP "Let it be", com arranjos assinados por Phil Spector. Apesar do apuro técnico, ele musicalmente representou um retrocesso no trabalho dos Beatles, pois não contou com o perfeccionismo do maestro George Martin.

Outras desavenças, que vão desde o descompasso criativo de cada um dos rapazes de Liverpool até a animosidade entre Yoko Ono e Linda Eastman, mulheres respectivamente de Lennon e McCartney, ajudaram a jogar a pá de cal naquele dia 31 de dezembro de 1970, data em que Paul solicitou o fim legal da banda. O acordo, no entanto, só foi encerrado judicialmente em janeiro de 1975 com a sentença de um juiz em Londres. Desde então, John, Paul, George e Ringo trilharam caminhos separados com resultados absolutamente desiguais.

Paul criou a banda Wings com a mulher e manteve a produção mais regular dos ex-beatles. Lennon gravou um único LP significativo, "Imagine". George dedicou-se a shows beneficentes, foi a Índia ter aulas de cítara com Ravi Shankar, instalou-se numa mansão de 30 quartos à beira do Tâmisa e mergulhou em estudos sobre espiritualidade. Ringo, que chegou a gravar separado e em participações nos LPs dos antigos parceiros, investiu na carreira de produtor e participou de alguns filmes sem repercussão. Em 1982, Paul declarava em entrevista a BBC que a separação foi "uma coisa natural. A química parou de funcionar. E tanto os negócios quanto o resto se deterioraram. Como num divórcio. Tínhamos de continuar as vidas separadamente". Em 1994, três beatles voltaram a se reunir em Londres, desfalcados de Lennon—assassinado em 1980, em Nova York—para gravarem músicas para um documentário de TV sobre a banda. O sonho podia ter acabado, mas ainda gerava lucros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Vivendo rápido e morrendo jovem

Sufocado pelo próprio vômito, Jimi Hendrix morreu numa ambulância, em Londres, no dia 18 de setembro de 1970. O maior guitarrista do mundo tinha bebido e tomado nove capsulas de um forte remédio para dormir na noite anterior, no apartamento de sua namorada, a artista plástica alemã Monika Dannemam. Pouco tempo depois, no dia 4 de outubro, o corpo da cantora Janis Joplin foi encontrado num motel de Hollywood, Califórnia, onde ela morreu por overdose de heroína. A morte dos dois maiores ícones da geração paz e amor, artistas que se caracterizavam por vida exagerada e arte intensa marcava, somando-se ao fim dos Beatles, o fim de uma era. Estava demarcada a fronteira entre os sonhos da juventude flower power e a realidade do materialismo e individualismo dos anos 70.

Quando morreu, James Marshall Hendrix já tinha praticamente reinventado a guitarra elétrica. Filho de um jardineiro, ex-pára-quedista, o americano de Seattle era um mito não só para milhões de fãs, como também para músicos do porte de Eric Clapton, Jimmy Page e Jeff Beck, que quase abandonou a guitarra quando viu Hendrix tocar. Pela primeira vez, a distorção assumia um efeito harmônico, a microfonia se transformava em música e a guitarra podia tanto relinchar como um furioso cavalo ou bombardear vietnamitas, conforme atesta sua polemica apresentação em Woodstock, em 1969, quando alternou o hino nacional americano com sons de ataques aéreos.

"Purple haze" e "Voodoo child" já eram clássicos do rock guando Hendrix fez seu último grande show, na ilha inglesa de Wight, em agosto de 1970. Na época, o guitarrista, mesmo com a saúde afetada pelas drogas, estava pensando no futuro, entusiasmado com a possibilidade de juntar efeitos visuais a música. Não teve tempo para levar a idéia adiante.

O tempo também não estava do lado de Janis Joplin, cantora de blues que fugia da solidão contando sua vida íntima nos palcos entre uma e outra canção sofrida, como as famosas "Summertime" e "Cry baby". Seu primeiro compacto a estourar nas listas de mais vendidos foi "Me and Bobby McGee" lançado postumamente, em 1971. Enquanto viveu, a garota solitária—que queria cantar como sua admiração de infância, a negra Bessie Smith, e que fugiu de casa aos 17 anos para tentar a carreira—só encontrava conforto afogando as magoas no uísque Southern Comfort que bebia diariamente no gargalo. Quando a consagração definitiva chegou, depois do festival de Woodstock, em 1969, já era tarde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

França perde seu maior líder

Nenhum político francês deste século teve tanta influência sobre os destinos de seu país quanto Charles de Caulle (1890-1970), o comandante moral do país durante a Segunda Guerra e administrador do fim do colonialismo francês. Foi, além disso, escritor e brilhante teórico militar. Começou a entrar para a História quando, em 1940, com seu país ocupado pela Alemanha, comandava, da Inglaterra, as Forças Francesas Livres. Em 1944, ele cumpriu sua promessa de voltar a Paris vitorioso. E até sua morte, em 12 de novembro de 1970, demonstrou ao mesmo tempo devoção pela França e talento para a política internacional.

De Gaulle, comandou um governo provisório até 1946, quando renunciou por não ter conseguido a união dos partidos. Retirou-se para sua casa em Colombey-les-DeuxEglises, onde seguiu na carreira de escritor, com suas "Memórias de guerra" (morreu quando trabalhava no terceiro volume). Mas, em 1958, a França precisaria de novo do velho general. Foi quando eclodiu o conflito na Argélia e o Exército insubordinou-se, naquele país africano e na Córsega. De Gaulle elaborou uma novo projeto de Constituição, que submeteu a um referendo popular, no qual obteve vitória esmagadora. Começava, em 1959, a Quinta República. De Caulle solucionou o conflito argelino, em 1962, por meio de um plebiscito, garantindo ao país a independência, que a França já havia concedido, em 1960, a onze outros países africanos. Sua atitudes na política internacional geraram polêmicas. Durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, votou contra Israel e junto com a URSS, nas Nações Unidas. Votou também contra a entrada da Grã-Bretanha no Mercado Comum Europeu.

Em maio de 1968, diante de crise estudantil e da greve de 10 milhões de trabalhadores, dissolveu a Assembléia e convocou eleições. Em um mês, o país voltava a normalidade. Em abril, anunciou que renunciaria, logo após ser revelado o resultado do plebiscito que convocara para decidir sobre a reforma do Senado e das regiões administrativas. E voltou para Colombey-Les-Deux-fglises, onde foi enterrado. Pediu que, na sua morte, apenas o povo acompanhasse o enterro e foi atendido por 20 mil pessoas. Uma missa na catedral de Notre Dame, em Paris, reuniu os presidentes Georges Pompidou, da França; Richard Nixon, dos EUA; Nicolai Podgorny, da URSS; o príncipe Charles, da Inglaterra, e o Xá do Irã. Até Mao Tse-Tung enviou uma coroa de flores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Matemática forma um humanista

O galês Bertrand Russell morreu em 2 de fevereiro de 1970, aos 97 anos. Pouco tempo antes prefaciou sua autobiografia, publicada em três volumes, entre 1967 e 1969, sintetizando sua existência: "Três paixões governaram minha vida: a ânsia pelo amor, a busca pelo conhecimento e uma insuportável piedade pela miséria humana". Bertrand Arthur William Russell formou-se em matemática em Cambridge, em 1894. Interessado na lógica, que acreditava ser o fundamento da linguagem e do entendimento do mundo, acabou por ingressar na filosofia, utilizando em suas investigações os pressupostos matemáticos. Entre 1910 e 1913, publicou os três volumes de "Principia mathematica", com a ajuda do antigo orientador, A.N. Whitehead.

Com o discípulo Ludwig Wittgenstein desenvolveria a teoria do atomismo lógico, na qual a filosofia chegaria ao conhecimento por meio da análise de suas estruturas básicas. Mas o Wittgenstein póstumo, de "Investigações filosóficas", lançado em 1953, jogaria por terra a teoria do mestre. Russell acabou concordando com ele e tentou então rever seus postulados, mas não chegou a formulá-los.

Humanista, o trauma das guerras conduziu-o a uma feroz militança pela paz, que resultaria em prisões: uma aos 46 anos, quando defendeu a saída da Inglaterra do primeiro conflito mundial; outra aos 88 anos, quando protestou contra a corrida atômica. Durante a Guerra do Vietnã, organizou um tribunal, presidido por Jean-Paul Sartre a fim de denunciar o conflito que considerava um genocídio.

Um liberal anárquico, Russell gerou polêmica ao investigar instituições sociais. Em "Casamento e moral", de 1929, ele pregou a liberdade sexual, a qual seria reprimida pelo casamento, defendia o homossexualismo e o divórcio, que via como natural. Em "Educação e ordem social" Russell discorria sobre a falência do ensino institucional, chegando a fundar uma escola experimental. Em 1946, nos Estados Unidos, onde vivia com a terceira mulher, lançou ou a sua mais portentosa obra, "História da Filosofia no Ocidente". Russell deixou um vasto legado, com 40 títulos sobre ciência, Ética, sociologia, história e política, que Ihe valeu o Nobel de Literatura em 1950. Quando morreu, seu corpo foi cremado e as cinzas espalhadas ao vento, seu ultimo desejo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1970

Três astronautas perdidos no espaço

"Houston, temos um problema aqui." O aviso, calmo e grave, partiu do astronauta John Swigert, da missão Apollo XlII. Era 13 de abril de 1970 e ele estava a bordo da nave americana Odyssey, lançada dois dias antes para explorar a cratera lunar de Fra Mauro. Desde a conquista da Lua, no ano anterior, aquela era a terceira missão tripulada enviada ao satélite da Terra. Parecia que aquele tipo de viagem se tornaria uma rotina tão tranqüila vinha sendo a missão desde o lançamento do foguete Saturno V—a mais tranqüila de todo o projeto Apollo até então. Da nave, os três astronautas haviam dado uma longa entrevista a TV. Em seguida, eles se preparariam para descer na superfície lunar. Foi então que a explosão de um tanque de oxigênio causou graves danos ao módulo de comando e abortou a missão, que circundou a Lua sem pousar. O acidente deixou o mundo de respiração presa, numa expectativa que durou quatro dias, enquanto os astronautas tentavam voltar a Terra.

Depois da explosão, o comandante James Lovell e os pilotos Fred Haise Jr. e John Swigert se viram a cerca de 320 mil quilômetros de distância da Terra, numa nave que rapidamente perdia os suprimentos de oxigênio e água, energia elétrica e, em conseqüência o uso do sistema de propulsão. No entanto como a nave não pousara, poupando a energia e os suprimentos do módulo lunar, estes foram redirecionados para o módulo de comando e a Apollo Xlll pode voltar.

Após uma tensa operação de salvamento comandada pelo controle em Houston, Texas, é acompanhada em detalhes pela imprensa do mundo, inteiro, em especial a TV, os três astronautas foram recebidos como heróis, ao som de sinos simultâneos em diversos países. O drama seria reencenado 25 anos depois no filme "Apollo 13", de 1995.

O susto não impediu o prosseguimento das missões tripuladas. Em 31 de janeiro de 1971, partia a Apollo XIV para fazer o que a Apollo Xlll não conseguira: colher 43 quilos de pedras do solo lunar.

Fonte: O Globo - Texto integral