Em 1969 as principais manchetes foram estas:

Apollo XI chega à Lua e lava a alma dos americanos

Tensão explode em Londonderry

‘Velha Senhora’ dá a volta por cima

Kadafi inaugura a ditadura islâmica

A fome como mais devastadora arma

A esquerda armada desafia os militares

Família Manson promove chacina

Motos se chocam com a realidade

No palco, o sonho da paz e do amor
O circo voador do humor britânico

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1969

Apollo XI chega à Lua e lava a alma dos americanos

Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a Humanidade e uma imensa lavada de alma para milhões de americanos. A pegada impressa por Neil Armstrong na poeira do Mar da Tranqüilidade em 20 de julho de 1969 representou a maior conquista da raça humana. Mas esse salto de pouco menos de um metro representou também a primeira vez em que os Estados Unidos ultrapassaram a União Soviética na corrida espacial.

Em março de 1961, falando ao Congresso, o presidente .lohn Kennedy exortara os americanos a um esforço nacional para que a bandeira do país fosse fincada na Lua antes do fim da década, dando início ao programa Apollo. Era, naquele momento, o único feito capaz de sobrepujar as realizações da União Soviética, que lançara em 1957 os Sputnik I (primeiro satélite artificial) e 2, este levando a bordo a ca dela Laika. Como se não bastasse, menos de um mês depois do pronunciamento de Kenne dy, os russos assombraram o mundo com o cosmonauta Yuri Gagarin, primeiro ser humano a ver seu planeta de além da estratosfera.

Transmitida via satélite para todo o mundo, a chegada do homem a Lua foi assistida por meio bilhão de pessoas e provocou as mais dispares reações. Enquanto o Papa Paulo Vl felicitava os astronautas mas alertava contra uma eventual idolatria da ciência, um adepto da seita Testemunhas de Jeová se matava em Lima, Peru, em protesto contra a "intromissão humana no que é de Deus".

Para o astrônomo Cari Sagan, apesar da motivação política, as imagens da Terra feitas por Armstrong e Aldrin proporcionaram a evidência incontestável de que todos os seres humanos compartilham o mesmo planeta vulnerável. Segundo ele o reconhecimento da unidade e da fragilidade da Terra foi uma inesperada dádiva do projeto Apollo. Numa década marcada pela violência da Guerra do Vietnã, da intervenção russa na Tchecoslovaquia e pelos golpes de estado na América Latina, conquistar o espaço parecia uma causa nobre, acima das diferenças ideológicas.

Num gesto de cavalheirismo poucas vezes visto na Guerra Fria, a imprensa soviética deu ampla cobertura ao sucesso americano, com destaque para Armstrong e seus colegas Edwin Aldrin e Michael Collins, que ficou no módulo de comando quando os dois primeiros desceram na Lua. Entretanto numa prova de que o feito era um objetivo eminentemente político, os russos descartaram o envio de cosmonautas para o satélite. De janeiro de 1959 a agosto de 1976, as 24 sondas russas Luna mapearam a superfície lunar, capturando as primeiras imagens de seu lado oculto, e pousaram para recolher amostras do solo, mas a bandeira vermelha com a foice e o martelo jamais foi fincada lá por um ser humano.

Transformada em questão de honra da Guerra Fria, a conquista da Lua pelos americanos tornou-se meta política. Por mais que astrônomos e geólogos estivessem ansiosos por estudar amostras do solo lunar, a ciência era apenas um instrumento na afirmação da supremacia americana. O sucesso da Apollo Xl deixou os americanos com uma questão que até hoje não foi respondida: o que fazer com 73,8 quintilhões de toneladas de poeira e pedra flutuando no espaço?

Ao noticiarem o feito dos astronautas americanos, os jornais do mundo inteiro previram a colonização lunar num futuro próximo, com bases permanentes hangares e plataformas de lançamentos de naves. Nada disso se confirmou. A Lua é um astro morto. Não tem atmosfera ou água—fora o gelo encontrado pela sonda Clementine numa cratera do lado oculto, em dezembro de 1995. Todos os suprimentos, do equipamento cientifico ao oxigênio teriam de ser levados da Terra, a um custo que permanece proibitivo. Além disso, qual a real necessidade de pesquisas realizadas lá? Dificilmente observatórios instalados na superfície lunar seriam mais eficientes que o telescópio Hubble, que flutua no espaço e, em oito anos de funcionamento, fez a astronomia avançar numa progressão nunca vista. Os programas de estações espaciais americanas (Skylab) e soviéticas com as Salyut militares e a Mir, mostraram os limites e efeitos colaterais da permanência humana no espaço. No campo dos vôos tripulados, os EUA avançaram no bem-sucedido programa dos ônibus espaciais, a despeito da tragédia da Challenger, que explodiu em 28 de janeiro de 1986, matando todos os tripulantes.

O fascínio americano pela Lua durou só três anos. Em 11 de dezembro de 1972 alunissava a Apollo XVII, última viagem do projeto —curiosamente a única a ter um cientista entre seus tripulantes. Com a Lua deixada de lado, a pesquisa espacial voltou-se para satélites, sondas interplanetárias e estações de pesquisa. Os militares marcaram presença, principalmente em satélites espiões. Nos anos 80, o presidente Ronald Reagan tentou levar a corrida armamentista ao espaço com o projeto Guerra nas Estrelas, que não saiu do papel. Nos anos 60 o espaço passou a ter também uso comercial, com satélites de comunicação permitindo a expansão da telefonia, das transmissões de televisão e das informações bancárias, além de propiciar o desenvolvimento da Internet. O programa de satélites beneficiou vários ramos da ciência, ajudando, por exemplo, a monitorar o desmatamento e o clima mundial. Hoje é possível até usar satélites para se orientar no trânsito.

Desde os anos 60 sondas espaciais percorreram quase todo o sistema solar, revelando os anéis de Urano e a possibilidade de atmosfera nas luas de Júpiter. Chegamos a por um robozinho passeando na superfície de Marte. Enviar uma missão tripulada ao Planeta Vermelho, alvo seguinte da corrida espacial, já está decidido. Pelo cronograma da Nasa, deveremos chegar lá em 2016, mas falta um detalhe importante: a base de lançamento da nave. É inviável lançar um veículo desse tipo da superfície da Terra A quantidade de combustível necessária para romper a atmosfera mais o suficiente para mover a nave até seu destino superam os limites do razoável. Nossa primeira embarcação interplanetária terá de ser montada e abastecida no espaço, numa estação suficientemente grande para isso. O projeto existe, mas esta atrasado. A estação espacial Freedom prevista para começar a ser montada em órbita em 1995, ainda esta no papel e já viu seu custo crescer 300%.

Será que vale a pena gastar tantos bilhões de dólares na exploração do espaço havendo, tanto por ser feito por aqui? A melhor resposta para isso não veio de cientistas ou políticos, mas de um personagem de ficção, criado pelo escritor e produtor de TV americano J.M. Straczynski, em "Infection". Diante dessa pergunta, o protagonista, comandante de uma estação espacial, afirmou que sim. valia a pena. e explicou: "Pode ser daqui a cem anos, daqui a mil anos ou daqui a um milhão de anos, mas um dia o Sol vai esfriar e se apagar. E nesse dia morrerão Marilyn Monroe, Einstein, Lao-Tse Aristófanes, Buddy Holly... Toda a nossa civilização, tudo o que fizemos terá sido em vão, a menos que cheguemos as estrelas."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

Tensão explode em Londonderry

O desentendimento de séculos entre católicos e protestantes irlandeses agravou-se em agosto de 1969, quando 15 mil soldados britânicos desembarcaram na Irlanda do Norte (ou Ulster). Sua missão era evitar a guerra civil que, aquela altura, parecia inevitável. Católicos e protestantes se enfrentavam há alguns dias em Londonderry, a segunda maior cidade do país e, no mesmo dia em que os ingleses chegaram começaram os confrontos na capital, Belfast, onde 150 residências católicas foram incendiadas.

A tensão vinha crescendo desde o início da década, culminando, em 1968, com um movimento católico por direitos civis. Mais pobres, eles se sentiam discriminados em relação a educação, trabalho, moradia e participação nas questões políticas, controladas pelos protestantes (só os proprietários podiam votar). Os protestantes moderados no Parlamento reconheciam a necessidade de mudanças, mas eram vencidos pelos extremistas—estes temiam que, com o aumento do poder católico, a Irlanda do Sul pressionasse pela união das duas Irlandas, quando o que os protestantes desejavam era a união com a Grã-Bretanha.

A explosão do conflito aconteceu no dia 12 de agosto, quando os protestantes de Londonderry—de maioria católica—saíram na tradicional passeata para marcar a vitória do protestante Guilherme de Orange contra a aliança católica França-Espanha. A passeata dos orangistas sempre fora considerada uma provocação. Os dois lados se enfrentaram com pedras e pauladas, numa luta que a polícia não conseguiu controlar.
Os católicos reagiram bem a chegada dos soldados britânicos, achando que eles seriam uma força neutra, em oposição a polícia predominantemente protestante , considerada sectária e violenta. Já o gabinete britânico tinha a esperança de que a intervenção militar fosse uma "operação limitada", com os soldados sendo retirados assim que a lei e a ordem fossem restabelecidas.

Tanto uns quanto outros estavam errados. Logo os britânicos se mostrariam parciais na repressão, entrando em confronto com os católicos. Tampouco voltaram logo para casa, transformando-se no alvo preferido das ações terroristas do Exército Republicano Irlandês. Uma facção mais radical do grupo tomou como objetivo expulsar os britânicos da Irlanda do Norte. Em contrapartida, os protestantes extremistas criaram uma brigada paramilitar. O resultado foi trágico: desde que a Grã-Bretanha envio suas tropas, em 1969, mais de 3.100 pessoas (das quais 900 soldados britânicos) morreram na Irlanda do Norte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

‘Velha Senhora’ dá a volta por cima

Golda Meir tinha 70 anos de idade e apenas 1% de apoio nas pesquisas de opinião quando o Partido Trabalhista de Israel, com maioria no Parlamento, indicou, em março de 1969, a veterana política para ocupar a chefia do governo. A situação era emergencial. O primeiro ministro Levi Eshkol havia morrido subitamente, de enfarte, e urgia evitar a disputa dentro do partido, rachado entre duas correntes. A 'Velha Senhora" tinha se retirado há dois anos da vida política, por uma conjunção de problemas de saúde e baixa popularidade, este último item devido a rixa com Moshe Dayan, herói da Guerra dos Seis Dias. Ela aceitou a indicação, e o que era para ser um mandato temporário durou cinco anos.

Nascida em Kiev, na Ucrânia, onde testemunhara, aos 4 anos, as primeiras cenas dos pogroms anti-semitas, Goldie Mabovitch (seu verdadeiro nome) emigrou para os Estados Unidos com a família, em 1906, e de lá, já casada, partiu para a Palestina, apesar da má vontade do marido, que não compartilhava seus ideais sionistas. Sua carreira política começou na década de 20 e a levou a exercer vários cargos no governo, como os de embaixadora em Moscou e ministra do Trabalho e do Exterior na gestão de David Ben Gurion, autor de uma frase famosa a respeito da colaboradora: "Ela ó o único homem do meu gabinete". Golda foi uma das signatárias da declaração de independência de Israel, em 1948.

Viúva, com dois filhos e cinco netos, ela achava o movimento de liberação feminina "um monte de nonsense". O rosto vincado, sem maquiagem, o cabelo desalinhado terminado num coque austero, as roupas simples, revelavam um modelo típico de mãezona judia —a yidische mama, rótulo que ela detestava. Em 1973, teve de se confrontar com as pesadas perdas humanas de Israel na Guerra do Yom Kippur. No ano seguinte, renunciou, em meio as acusações de que o país não se preparara adequadamente para o confronto, e retirou-se para um kibutz, fechando o ciclo que fez dela uma das mais respeitadas figuras políticas do mundo. Morreu de leucemia, em dezembro de 1978.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

Kadafi inaugura a ditadura islâmica

Muammar Kadafi era um obscuro capitão do Exército líbio quando o mundo tomou conhecimento de sua existência. No dia 1° de setembro de 1969, o jovem militar de 27 anos, filho de beduínos nascido numa tenda nômade no deserto, liderou o golpe militar que depôs o rei Idris e instituiu uma república no rico país do norte da África. Imediatamente autopromovido a coronel, Kadafi iniciou uma ditadura islâmica que causaria dores de cabeça pelo menos a um vizinho árabe, o Egito—devido a insistência em fundir os dois países—e monstruosas enxaquecas ao Ocidente.

Kadafi se revelou um líder intempestivo e, muitas vezes contraditório. Para ele, lugar de mulher era em casa. No entanto, constituiu uma guarda militar feminina. O socialismo islâmico "da moral e da fé". uma via alternativa ao "capitalismo podre" e ao "comunismo judeu", era uma conseqüência natural da revolução das massas, dizia, mas proibiu as massas de se organizarem e se manifestarem, sob o risco de prisão ou execução.
Em 1973, promoveu uma revolução cultural, lançando, a moda de Mao Tse-Tung, um pequeno "Livro Verde", manual que misturava fundamentalismo religioso e nacionalismo árabe. A purificação ideológica levou a proibição de vários autores no país, como o francês Jean-Paul Sartre. De acordo com Kadafi, o Alcorão tinha resposta para as questões do filósofo existencialista, o que tornava sua obra "inútil" na Líbia. Kadafi se considerava um sucessor de Abdel Nasser, o presidente do Egito que defendeu com fervor o pan-arabismo. Tentou uma união com o Egito, o Sudão e a Tunísia, união que não vingou. Atacou imediatamente os inimigos próximos, expulsando do país os italianos (a Líbia tinha sido colônia da Itália de 1912 a 1945) e judeus.

A destruição de Israel era um dos principais itens de sua agenda diplomática. Outro era tornar a Líbia a sede mundial de todos os "oprimidos", e não economizou os lucros que jorravam com o petróleo, descoberto em 1959, para armar revolucionários mundo afora: o Exército Republicano Irlandês, os Panteras Negras americanos, os muçulmanos das Filipinas, uma lista imensa que fez dele o principal patrocinador do terrorismo internacional e inimigo numero 1 dos Estados Unidos (título que divide com Saddam Hussein, o presidente do Iraque). Três décadas depois de tomar o poder, Kadafi continua inflexível.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

A fome como mais devastadora arma

Em abril de 1969, os rebeldes de Biafra começavam mais uma operação de retirada de mulheres e crianças na guerra civil que há dois anos era travada na Nigéria, num sinal de que o conflito no país africano estava próximo do fim. As vítimas estavam sendo levadas de Umuahia, que desde a queda de Porto Harcourt, em 1968, servia de capital administrativa para o regime secessionista do coronel Odumegwu Ojukwu. Era a última grande cidade ainda controlada pelos biafrenses.

Dois anos antes, a população da etnia ibo, do leste da Nigéria, predominantemente cristã e mais desenvolvida, declarara a independência da região. Desde então, a guerra na República de Biafra e suas terríveis conseqüências —como a morte pela fome que atingia a cada dia de duas mil a três mil pessoas, na maioria crianças e idosos—passaram a freqüentar as páginas dos jornais de todo o mundo.

O movimento separatista dos ibos teve origem em 1966, com o massacre de 30 mil civis da etnia feito pelos hausa, muçulmanos do norte da Nigéria que controlavam o Governo desde a independência da Grã-Bretanha. Temendo mais repressão, os membros da etnia ibo migraram para sua região natal no leste. Numa tentativa de apaziguar os conflitos, o coronel Ojukwu propôs para o país um modelo federativo, que daria certa autonomia administrativa às regiões. Mas a proposta foi rejeitada pelos hausa e, em maio de 1967, os ibos declararam a independência de Biafra. Nos dois anos e meio de conflito, a comunidade internacional passou da inércia a ação, apoiando um ou outro lado. Biafra era rica em petróleo e vários países tinham negócios ou interesses (financeiros ou ideológicos) na Ni géria. Grã-Bretanha, URSS, EUA e Alemanha Ocidental forneceram armas, equipamentos ou dinheiro ao Governo. França, Portugal e Bélgica apoiaram os rebeldes de Biafra. Países africanos (Costa do Marfim, Zâmbia, Gabão e Tanzânia) chegaram a reconhecer a nova república . Outros, temendo o péssimo exemplo do separatismo de que poderiam ser vítimas no futuro, apoiaram o Governo de Lagos. A indignação com relatos e imagens de idosos decapitados e crianças morrendo de fome, divulgados em jornais e TV levou ajuda internacional (principalmente alimentos) a Biafra. Mas foi insuficiente, pois tudo dependia do Governo nigeriano para funcionar. Cercados, com poucas armas e famintos, os biafrenses assinaram a rendição, em janeiro de 1970.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

A esquerda armada desafia os militares

O país era governado por uma junta militar formada pelos ministros Lyra Tavares, do Exército, Augusto Rademaker, da Marinha, e Souza Mello, da Aeronáutica—em substituição ao presidente Arthur da Costa e Silva, vítima de um derrame cerebral—quando dois movimentos armados da esquerda conseguiram fazer o primeiro seqüestro bem-sucedido de um embaixador da História. O americano Charles Burke Elbrick foi capturado no dia 4 de setembro pelos grupos Dissidência Comunista da Guanabara—que adotou o nome do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8)—e a Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella. Os 12 militantes envolvidos na ação queriam trocar Elbrick pela liberdade de 15 presos políticos (entre eles Vladimir Palmeira, José Dirceu e Ricardo Zaratini), que viajariam para o exterior, e a divulgação de um manifesto na mídia contra a ditadura.

Por mais de 70 horas, Elbrick ficou em uma casa na Rua Barão de Petrópolis, no bairro do Rio Comprido, Rio de Janeiro, alugada por um dos seqüestradores, o jornalista Fernando Gabeira, hoje deputado federal pelo PV-RJ. Mesmo tendo descoberto o local do cativeiro, a policia não o invadiu para proteger o embaixador. Depois de violentas brigas internas, a junta militar aceitou as condições para a libertação de Elbrick. Com a certeza de que os presos haviam desembarcado a salvo no México, os militantes libertaram o embaixador. Para despistar os policiais que os seguiam, deixaram o seqüestrado nas proximidades do Maracanã, logo após um jogo entre Flamengo e Bangu, e fugiram no tumulto.

Devido a declarações gravadas no cativeiro, nas quais condenava a ditadura militar, o embaixador despertou a antipatia do Governo. Mas ainda levou 11 meses para deixar o país. Alguns seqüestradores foram presos e libertados. Virgílio Lopes da Silva (o Jonas, comandante da operação) e Joaquim Câmara Ferreira (o supervisor Toledo), ambos da ALN, morreram torturados na prisão. Outros participantes, presos, foram exilados ano seguinte em conseqüência de ações semelhantes—os embaixadores de Alemanha e Suíça e o cônsul do Japão também foram seqüestrados—e só voltariam ao país após a anistia, em 1979.
O embaixador que certa vez definira o seqüestro como a mais louca aventura de sua carreira morreu em 1983. Em 1997, Bruno Barreto levou o caso as telas em 'O que é isso, companheiro", baseado no livro homônimo de Gabeira. O filme disputou o Oscar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

Família Manson promove chacina

A atriz Sharon Tate (de "O vale da bonecas" e "A dança dos vampiros"), mulher do cineasta Roman Polanski, foi brutalmente assassinada em sua mansão, em Beverly Hills, junto com quatro amigos em 9 de agosto de 1969. Os responsáveis pela chacina eram seguidores da seita The Family (A família), liderada por Charles Manson, um compositor esquizofrênico elevado a líder espiritual por um grupo de jovens em meados dos anos 60.

No oitavo mês de gravidez, Tate conversava com o fotógrafo polonês Voyteck Frykowski, o cabeleireiro Jay Sebring, a milionária Abigail Folger e Steve Earl Parent, amigo do vigia da mansão, quando os assassinos, vestidos com túnicas negras, invadiram a sala de sua casa e deram início a chacina. Os corpos foram encontrados pela polícia somente no dia seguinte, com inúmeras marcas de tiros e facadas. Na porta da sala, os assassinos escreveram a palavra pig (porco) com o sangue das vítimas. O crime ficou sem solução durante meses. Em dezembro, porém, o mesmo grupo voltou a agir, assassinando o dono de uma rede de supermercados, Leno LaBianca, e sua mulher, Rosemary. A parede da casa deles amanheceu manchada de sangue com as inscrições death to pigs (morte aos porcos) e helter skelter (nome da luta de classes pregada por Manson, ironicamente inspirado num sucesso dos Beatles) O caso mereceu até um pronunciamento do presidente Nixon em rede nacional.

Manson e cinco cúmplices foram presos e condenados a morte em 1971—depois a sentença foi comutada para prisão perpétua. Jamais foi provado se Charles Manson executou qualquer uma de suas vítimas com as próprias mãos. Seus delírios encontraram terreno fértil no auge do movimento hippie, em 1967, quando arrebanhou seguidores—a maioria mulheres—com um discurso sobre a decadência da sociedade. Os adeptos da seita deveriam executar todos os "poluidores do planeta".

Mesmo depois de preso, suas idéias continuaram a ecoar. Para sua fiel "família", Manson simbolizava a reencarnação de Cristo que em vez de crucificado, fora condenado a passar o resto dos seus dias na penitenciária de San Quentin, na Califórnia. Uma de suas seguidoras, Lynn Fromme, declarou a um jornal da Califórnia, depois de ter tentado matar o presidente Gerald Ford, em 1975: "Sim, Charles é Deus. Por isso é que estão querendo enforcá-lo. Começaremos assassinando presidentes e executivos. É bom que eles saibam: se não pararem de poluir a Terra, nós os mataremos". Esse "Deus" esta vivo e preso até hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

Motos se chocam com a realidade

Enquanto boa parte dos Estados Unidos— vide Woodstock—ainda acreditava no sonho hippie da paz e do amor, havia quem já enxergasse a luz no fim do túnel dos anos 60 como a de um trem em alta velocidade, pronto a atropelar utopias e esperanças. Nas telas Dennis Hopper dava conta dessa desilusão no drama "Easy rider" (no Brasil "Sem destino"), lançado em 1969. O ator-diretor traduzia em imagens a aventura amarga de dois hippies que cruzam o país de moto, de Los Angeles ao Texas, comendo poeira e tomando drogas, rumo ao carnaval de Nova Orleans.

Na versão original, com três horas e meia de duração, a dupla planejava abrir uma fábrica de heroína. Na versão final. eles apenas vendem drogas para financiar a viagem. "Sem destino" custou US$ 375 mil (financiados por Bert Schneider, gue produziria, em 1974, "Corações e mentes", premiado documentário sobre o Vietnã). faturou US$ 50 milhões e conquistou o público europeu. sendo premiado em Cannes. No entanto, o sucesso além-mar foi visto em Hollywood como ameaça: a de fomentar outras produções de caráter contestatório e a baixos custos. Ainda assim, o filme concorreu ao Oscar nas categorias de ator coadjuvante (primeira indicação de Jack Nicholson, que pegou o papel na (última hora, substituindo Rip Torn) e roteiro (escrito por Hopper e Peter Fonda com a colaboração de Terry Southern de "Dr. Fantástico"), perdendo em ambas.

Os personagens de Fonda (Wyatt "Capitão América") e Dennis Hopper (Billy), dois hippies que buscam a liberdade on the road, tem nomes de ícones do Velho Oeste, o xerife Wyatt Earp e o pistoleiro Billy The Kid. De moto, eles descortinam os cenários desérticos dos cawbóis míticos de John Ford, até chegarem no Texas, onde são presos por perturbarem a ordem. Soltos por um advogado (Nicholson) beberrão e iconoclasta, os desbravadores modernos seguem viagem até serem barrados tragicamente pelos cidadãos de uma América rural e conservadora.

"Sem destino" denuncia a inviabilidade do sonho romântico de liberdade num país pautado pela corrida consumista, sem Deus e cindido por contradições. Por seguir o estilo livre da época, o drama de Hopper, embalado pela trilha de Byrds, The Jimi Hendrix Experience Steppenwolf e The Electric Prunes, envelheceu. Mas se mantém como obra de referência para urna América que ousou olhar para si mesma sem qualquer complacência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

No palco, o sonho da paz e do amor

Em 1969, 400 mil pessoas experimentaram por três dias o sonho de paz e amor preconizado pelo movimento hippie, espremidas num pasto na pequena cidade de Bethel, estado de Nova York, sem qualquer infra-estrutura. O Festival de Woodstock, que reuniu astros corno Jimi Hendrix, Janis Joplin, Santarra e The Who, foi uma utopia de que dias melhores viriam, com o nascimento de uma sociedade anticompetitiva e apolítica. Foram, de 15 a 17 de agosto, três dias de música, paz e amor, como previam os produtores do evento, temperado com sexo e drogas. A loucura se estendeu para os bastidores. John Entwistle, baterista do The Who, afirmou que até inocentes sucos de frutas servidos para os artistas estavam cheios de LSD. Apesar da farta oferta—e procura—de drogas, o festival não foi marcado pela violência. Três mortes foram registradas: uma overdose de heroína, um apêndice supurado e um atropelamento por trator.

O maior espetáculo da contracultura teve como patrocinadores quatro jovens cheios de idéias e dinheiro. John Roberts, de 24 anos, e Joel Rosenman, 26, publicaram num grande jornal americano um anúncio procurando oportunidades de investimento. O produtor Michael Lang e o executivo da indústria fonográfica Artie Kornfeld demonstraram interesse e, juntos, tentaram viabilizar a construção de um estúdio perto de Woodstock, onde vários roqueiros, como Bob Dylan, tinham se refugiado. Para badalar o projeto, organizaram um concerto de rock, mas a menos de um mês do evento, a prefeitura vetou o festival. Foi quando o fazendeiro Max Yasgur aceitou alugar seu sítio em Bethel para sediar os shows.
Woodstock foi planejado para 50 mil pessoas inicialmente. Mas a uma semana do festival, milhares de jovens estavam acampando no sítio, impedindo a construção de cercas ou de roletas de entrada. Logo as principais vias para Bethel ficariam tomadas por automóveis vindos de todas as partes dos EUA. Resultado: quase ninguém pagou para ver as memoráveis apresentações de Joe Cocker, Joan Baez, Ravi Shankar, Sly arrd the Family Stone, entre outros. Mas se o evento não rendeu o esperado, seus subprodutos, dois álbuns ao vivo e filme. foram sucessos financeiros. "Woodstock", Oscar de melhor documentário, rendeu uma bilheteria capaz de tirar a Warner do buraco financeiro em que ela se encontrava.

O festival foi coroado pela antológica apresentação de Jimi Hencirix, que estilhaçou o hino nacional americano, "Star-Spangled Banner", numa tempestade de fúria contra a Guerra do Vietnã. Depois da lição pacifista de Woodstock, tentaram repetir a dose em dezembro do mesmo ano, no Festival de Altarmont. Mas o clima era outro: quatro pessoas morreram durante um show dos Rolling Stones.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1969

O circo voador do humor britânico

Eles estão para o humor dos anos 70 e 80 como os Irmãos Marx estão para o dos anos 30 e 40. Iconoclastas, escatológicos e esbanjando nonsense, os integrantes do Monty Python criaram um novo humor de TV. Seu estilo subversivo e pop suprimiu, entre outras coisas, a punchline, a piada que se completa no fim. Ironicamente, o "Monty Python Flying Circus" de Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin estreou na BBC 2, em outubro de 1969, para tapar o buraco de um programa religioso.

A religião, aliás, era um dos motes recorrentes do sexteto. No ar até dezembro de 1974, ele zombou igualmente de judeus, protestantes e católicos. Antes que alguém inventasse o politicamente correto, a trupe já o havia destruído. Apesar disso, ela fez fama também nos EUA com seu inteligente humor verborrágico. Como no esquete em que Marx, Lenin e Mao comentam uma partida de futebol.

O Python influenciou o humor televisivo em todo o planeta, desde o nova-iorquino "Saturday night live" (e seus astros Dan Aykroyd e John Belushi) até os cariocas "TV Pirata" e "Casseta & Planeta Urgente!". A repercussão foi tanta que, em 1975, o grupo virou verbete (pythonesque) do dicionário Oxford . Por sinal , todos seus os membros tinham formação universitária em Oxford, Cambridge e Harvard. Os britânicos (Terry Jones e gales) foram recrutados em programas humorísticos pelo produtor Barry Took, que dizia: "Se fracassar, acaba logo, ninguém vai perceber. E se for um sucesso, dificilmente arruinará suas carreiras". O único americano da trupe, e último a integrá-lo, era o hoje diretor Terry Gillian, que antes havia sido ilustrador na revista "Mad".

No cinema, eles fizeram "Monty Python's Flying Circus" (1970); "E agora, para algo completamente diferente" (1972), com esquetes do programa de TV; "Em busca do Cálice Sagrado" (1975), uma paródia sobre a Távola Redonda; e "A vida de Brian" (1979), que fazia troca com a Bíblia e cuja exibição chegou a ser vetada na Irlanda. Ainda protagonizaram "Monty Python ao vivo no Hollywood Bowl" (1982) um show em Los Angeles; e "O sentido da vida" (1983), uma debochada especulação metafísica sobre a existência humana. 

Fonte: O Globo - Texto integral