Em 1968 as principais manchetes foram estas:

Estudantes nas ruas, imaginação no poder

O sonho acabou. Ele permaneceu

Política e tragédia, a sina de um clã

Moscou não acredita em flores

Quando o macaco devorou a águia

Uma opção pelo conservadorismo

O Brasil mergulha de vez nas trevas

O fim precoce do 'escocês voador'

Protestos na arena esportiva
Ficção científica com metafísica

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1968

Estudantes nas ruas, imaginação no poder

A Revolução conheceu dois grandes momentos neste século: a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia em novembro de 1917 e a rebelião estudantil de maio de 1968 em Paris. A primeira foi um golpe anunciado, a lenta demolição de um regime corrupto e autoritário; a Segunda aconteceu de surpresa, da noite para o dia, misturando as ideologias esquerdista e anarquista num movimento inexorável. Maio de 68 foi apenas a ponta do iceberg de uma serie de mudanças que vinham se desenhando no Ocidente desde o inicio dos anos 60. A margem da Guerra Fria, os baby boomers da América e da Europa começavam a desmascarar os valores vigentes e a desmontar as engrenagens da sociedade militar-industrial. Um modelo que inspirou a revolta francesa de maio de 68 foi a Revolução Cultural chinesa, desencadeada por Mao Tse-Tung em 1966. O líder do pais mais populoso da Terra—comandando um quarto do planeta—tinha a suprema ousadia, aos 70 anos, de reverter o jogo político e delegar todo poder aos jovens. Na França, ao contrario, o general De Gaulle, herói da Resistência, permanecia apegado aos velhos valores da ordem e da hierarquia, numa sociedade sedenta de reformas, principalmente na área estudantil, onde pulsavam os anseios de uma juventude inquieta e rebelde.

Outros incentivos a ação vinham da Revolução Cubana e do martírio de Che Guevara, morto nas selvas da Bolívia em 1967. E também da América, através do movimento dos direitos civis de Martin Luther King, da canção folk de Bob Dylan e de Joan Baez, dos Students for Democratic Society e do Black Power. E, ainda, da Inglaterra com os sit in do Comitê dos Cem e o rock irreverente dos Beatles e anárquico dos Rolling Stones.

O cenário estava pronto para o grande psicodrama que os franceses batizariam de les euenements de mai. Em Paris, as ruas são tomadas pela efervescência estudantil, que atinge desde a tradicional Sorbonne, no Quartier latin, ate a experimental universidade de Nanterre, na periferia. Ironicamente, o IQ de maio e um dia tranqüilo, com os rotineiros e modorrentos desfiles da Confederação Geral dos Trabalhadores e do Partido Comunista Francês. Na quinta-feira 2, começa tudo: em Nanterre, Daniel Cohn-Bendit, um judeu franco-germânico de cabelos ruivos, apelidado de Dany le Rouge, organiza uma jornada antiimperialista. No dia 3, a policia expulsa os estudantes do prédio da Sorbonne e lança as primeiras granadas de gás lacrimogêneo. Depois de uma breve trégua no fim de semana, a confusão volta na segunda-feira 6: o fechamento das faculdades leva 49.000 estudantes as ruas. A eles se opõem com truculência 20.000 homens da CRS, a Companhia Republicana de Segurança.

Os estudantes levantam barricadas com carros virados, arvores e postes arrancados. Suas armas são paus e pedras—paralelepípedos da pavimentação das ruas—e as vezes garrafas de coquetel molotov. Balanço do dia: 945 feridos, dos quais 345 policiais; 422 detenções. Depois de desfiles pacíficos durante a semana, a violência aumenta na sexta-feira 10. São 60 barricadas erguidas pelos estudantes, algumas com três metros de altura. Na madrugada de sábado 11—e a Noite das Barricadas—os CRS atacam com suas granadas de gás na Rua Gay-Lussac, nas proximidades da Sorbonne. O dia amanhece com uma estatística sangrenta: 367 feridos graves, 720 feridos leves (entre eles 251 policiais) e 80 carros incendiados.

Na segunda-feira 13, mais de 800.000 pessoas desfilam pelas ruas de Paris. Entre os manifestantes, estão notáveis como Francois Mitterrand, Pierre Mendes France e Waldeck Rochet. O apelo a greve, convocada pelas lideranças sindicais, e obedecido amplamente. No dia 16, as fabricas da Renault entram em greve e hasteiam a bandeira vermelha. O primeiro ministro Georges Pompidou afirma autoritariamente que "o Governo fará o seu dever." O presidente da Republica, general De Gaulie, sentencia: "La reforme, oui; la chienlit, non". ("A reforma, sim; a baderna, não.") Os estudantes replicam: "La chienlit c'est lui." ("A baderna e ele.") A greve geral atinge o apogeu no dia 23 de maio, com nove milhoes de trabalhadores parados. Por alguns dias, a união entre estudantes e operários, entre as revoluções cultural e política, e perfeita.

No dia 24, o general De Gaulle anuncia um referendo e diz que abandonara o cargo se o projeto for rejeitado. Em 28 de maio, o ministro da Educação, Alain Peyrefitte, pede demissão. No dia 29, uma manifestação exige a renuncia de De Gaulle. O velho general se dirige ao pais pelo radio e TV e diz que não vai ceder. Dissolve a Assembléia Nacional e faz apelo a "ação cívica" contra "uma empreitada totalitária."
Maio de 68 e, acima de tudo, um duelo de palavras. Os estudantes lançam a sua principal palavra de ordem—a imaginação no poder—e através de faixas, grafites e no boca-a-boca, emitem uma serie de conceitos que refletem toda a criatividade do movimento, como "e proibido proibir" e "sou marxista, da linha Groucho", ou lembram a frase do poeta surrealista André Breton: "Sejamos realistas: exijamos o impossível".

Inspirados em episódios libertários que se reportam ate a histórica Comuna de Paris, eles declaram a Sorbonne uma comuna livre e a universidade de Nanterre uma faculdade autônoma. O que começou como uma luta particular de reivindicações estudantis, por melhor qualidade de ensino, desaguou num movimento irresistível que questionou tudo: do principio de autoridade ao estilo de vida, da semântica a indumentária, da economia a sexualidade.

Maio de 68 foi talvez o momento da História que mais se aproximou da Utopia. O grande guru do movimento e o filósofo marxista Herbert Marcuse, autor de "Ideologia da sociedade industrial" (titulo original: "O homem unidimensional") e de "Eros e civilização—Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud". Aliando os dois ideólogos que sacudiram o século—Ereud na área cultural, Marx na política—Marcuse funda sua dialética na oposição entre o Principio do Prazer e o Principio da Realidade. Os jovens de maio favorecem a idéia anárquica de uma sociedade autogovernável, devotada ao prazer. E, durante algumas semanas, eles—e o mundo—tem a ilusão de que a Utopia e possível.

O sonho parisiense se espalha: a Tcheco Eslováquia vive a Primavera de Praga, o resto da Europa—oriental e ocidental—e sacudido por manifestações contra o status quo; o Oriente, principalmente o Japão, também adere aos protestos; os Estados Unidos vivem um momento crucial, envolvidos cada vez mais na Guerra do Vietnã, sofrendo revezes inesperados no campo de batalha e no front interno. A América Latina também e varrida por surtos de contestação. No Brasil, a partir de protestos estudantis, verdadeiras massas vão as ruas—pela primeira vez desde 1964—se manifestar contra a ditadura militar.

Ironicamente, a confrontação de maio de 68 termina num empate técnico. O establishment e sacudido, faz algumas concessões a contestação e tudo volta ao normal. Os revoltosos, sem base política, econômica ou militar se dispersam. De Gaulle, derrotado no referendo de abril de 1969, renuncia a presidência.Mas nada será como antes. Como os dez dias que abalaram o mundo da revolução soviética, os trinta dias de maio de 1968 foram um divisor de águas no século. E a Revolução fez a sua autocrítica na ultima frase do filme "A chinesa", de Jean-Luc Godard, calcada na imagística maoísta: "Eu pensava ter dado um grande salto para a frente e percebo que na verdade apenas ensaiei os tímidos primeiros passos de uma longa marcha".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968

O sonho acabou. Ele permaneceu

"Pode ser que eu não chegue a terra prometida com vocês", disse profeticamente o pastor batista Martin Luther King Jr. na noite de 3 de abril de 1968, guando tentava usar o seu prestigio de Prêmio Nobel da Paz em prol da campanha salarial dos lixeiros da cidade de Memphis, capital do Tennessee, no sul racista dos Estados Unidos. No dia seguinte, o balaço disparado pelo rifle do foragido James Earl Ray atingiu o no rosto enquanto conversava com o também pastor Jesse Jackson na sacada do seu quarto no motel Loraine, hoje sede do Museu Nacional dos Direitos Civis. Martin Luther King morreu na hora, aos 39 anos.

A reação foi imediata. Indignadas com a morte do maior líder negro que conheceram ao longo de 350 anos de exploração e humilhação, multidões raivosas saíram as ruas em dez estados do pais, clamando por justiça. esquecidas de que a principal característica da luta de Martin Luther King era o seu caráter pacifico. O Governo federal mobilizou 72.800 soldados do Exercito e da Guarda Nacional, mas ao fim de três dias de motins, o saldo era assustador: 5.117 incêndios, 1.928 casas e estabelecimentos comerciais depredados ou saqueados, 23.987 prisões e 43 mortes.

Os distúrbios só foram interrompidos no dia 9 de abril, quando 150 mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre pelas ruas de Atlanta, capital da Geórgia, cidade onde nascera e pregava, seguindo a profissão do pai. Participaram das solenidades diversas personalidades, como o vice-presidente Hubert Humphrey, o governador de Nova York, Nelson Rockfeller, e Jacqueline Kennedy. Simbolicamente, o caixão foi colocado em cima de uma charrete puxada por duas mulas, um meio de transporte bastante conhecido da sofrida comunidade negra do Sul dos EUA.

King, único cidadão americano do século XX a ter um feriado em sua homenagem, começou a luta pelos direitos civis em dezembro de 1955. Ele liderou o boicote promovido pelos negros de Montgomery, no Alabama, aos ônibus públicos, depois da prisão de Rosa Parks, que se negara a cumprir a lei que a obrigava a ceder o lugar para um homem branco. Vieram em seguida memoráveis campanhas pelos direitos dos negros, entre as quais a Marcha sobre Washington, em 1963, quando cerca de 250 mil pessoas se apertaram entre o Monumento de Washington e o Memorial de Lincoln para ouvir o celebre discurso "Eu tenho um sonho", hoje peça obrigatória nas escolas publicas do pais. Graças a essa manifestação, a emenda dos Direitos Civis, que dava ao Governo federal o poder de intervir nos estados que promovessem segregac3O racial, foi encaminhada ao Congresso pelo então presidente John Kennedy e, depois de quase um ano de controvérsias, sancionada por seu sucessor, Lyndon Johnson.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Política e tragédia, a sina de um clã

Em 5 de junho de 1968, quatro anos e meio após o assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy, seu irmão e ex-secretário de Justiça, o senador Robert (Bob) Kennedy, então concorrendo também a chefia do Executivo americano pelo Partido Democrata, foi morto a tiros no Hotel Ambassador em Los Angeles, pouco depois de falar alegremente a seus correligionários, comemorando a vitória nas eleições primarias da Califórnia. Um imigrante palestino, Sirhan Bishara Sirhan, atirou varias vezes contra Bob. Três tiros atingiram o senador, que agonizou 25 horas no hospital antes de morrer. Apesar de contradições nos exames de balística—como o fato de haver mais projeteis deflagrados no local do que os tiros desferidos pela arma—Sirhan foi condenado a prisão perpetua como único culpado pelo homicídio, atribuído a um ódio pessoal contra os ricos.

O crime abalou o pais e a opinião publica mundial. A vitória na Califórnia fora a quinta de seis eleições preliminares disputadas por Bob em sua campanha pela indicação do partido, seguindo com êxito os passos do irmão. Lider da ala liberal dos democratas e grande defensor dos direitos civis, o advogado Robert Kennedy angariara a simpatia de negros, latinos e pobres com sua atuação no Governo e no Senado, onde foi porta-voz da crescente tendência popular contrária a intervenção do Vietnã. O abalo com a morte de John, em 1963, não impediu que permanecesse no Departamento de Justiça ate setembro do ano seguinte, quando renunciou ao cargo e passou a fazer oposição ao presidente Lyndon Johnson. Elegeu-se senador por Nova York em novembro de 1964. Estava fadado a seguir o destino político do clã Kennedy e a sofrer o mesmo fim trágico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Moscou não acredita em flores

Um inverno precoce e tenebroso se abateu sobre a Tcheco Eslováquia na noite de 20 de agosto de 1968, quando, ainda verão no hemisfério norte, a capital foi invadida por 650 mil soldados da União Soviética e de mais quatro países do Pacto de Varsóvia. Em apenas uma semana, eles esmagaram a Primavera de Praga, expressão cunhada pela imprensa do próprio pais para identificar as ricas experiências do governo de Alexander Dubcek, que em janeiro do mesmo ano assumira o cargo de secretário-geral do Partido Comunista Tcheco, iniciando uma serie de reformas políticas, econômicas e. por tabela, culturais.

Dubcek pretendia criar um "socialismo com uma face humana", novidade que não foi bem recebida por Moscou. A intervenção soviética se deu com base na chamada Doutrina Brejnev, em nome da qual a URSS se acreditava no direito de intervir nos países sob sua esfera de influencia que fugissem aos cânones stalinistas. E ali, naquele episódio, havia pelo menos duas grandes razoes para que a doutrina fosse invocada. A primeira era o documento do Comitê Central que pregava uma nova concepção do Partido Comunista tcheco, pela qual todo membro tinha "não apenas o direito, mas também o dever de agir de acordo com sua própria consciência". A segunda era a aproximação comercial da Tcheco-Eslovaquia com a Alemanha Ocidental, que feria os interesses econômicos de Moscou.

Antes da noite fatídica, Dubcek já fora diversas vezes a Moscou prestar esclarecimentos, como no final de junho, quando o jornal "Noticias Literárias" publicara o vibrante manifesto "Duas mil palavras", assinado por diversos intelectuais. No entanto, voltava das viagens convencido de que, se o pais se mantivesse leal nos campos da defesa e política externa, jamais seria incomodado.

Mas Moscou não perdoava desvios de conduta. Dubcek foi preso, ao mesmo tempo em que os soldados assumiam o controle da poderosa Radio de Praga e tiravam de circulação os principais jornais da capital. Totalmente órfã, a resistência limitou-se a isolados e heróicos gestos, como jovens oferecendo o peito nu aos tanques ou arrancando as placas de sinalização das ruas, deixando os russos perdidos na cidade. Dubcek só voltaria a vida política em 1989, após a Revoluc3O de Veludo em seu pais, como presidente do Parlamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Quando o macaco devorou a águia

Era o dia 31 de janeiro de 1968, véspera do ano novo lunar vietnamita, o Tet, quando se iniciaria o Ano do Macaco. A paz no Vietnã, garantia o general americano William Westmoreland, estava assegurada e a capitulação de Ho-Chi-Minh e dos vietcongues, os guerrilheiros vietnamitas, era apenas uma questão de tempo. Mas numa inesperada e bem articulada operação, as forças comunistas aproveitaram-se da festa e deflagraram um feroz ataque as tropas dos EUA no Vietnã do Sul, num episódio que mudaria o rumo daquela guerra.

Na Ofensiva do Tet, como ficaria conhecido o ataque, cerca de 36 das 44 capitais provinciais e outras 64 cidades do Vietnã do Sul foram atacadas, mobilizando 80 mil soldados norte-vietnamitas e vietcongues. Incrédulos, os americanos viram sua teoricamente inexpugnável embaixada em Saigon ser tomada pelo inimigo, que resistiu por seis horas no prédio antes de ser vencido. O palácio do presidente Thieu também foi alvo de ataques. Em Da Nang, onde ficava a maior base aérea americana, 30 aeronaves foram destruídas.

A ousada operação selou o começo da retirada dos americanos do Sudeste Asiático, derrota que feriu o orgulho dos Estados Unidos e gorou a candidatura de Lyndon Johnson a um segundo mandato presidencial. As forças americanas e sul-vietnamitas reagiram de maneira desesperada. A velha cidade imperial de Hue, ocupada pelos comunistas durante um mês foi devastada pelos bombardeios.

Mas foi na tentativa de retomada dos povoados do interior que se fez a barbárie. Na aldeia de My Lai, 500 civis desarmados homens, mulheres e crianças, foram massacrados por soldados americanos. Dois meses depois do inicio da Ofensiva do Tet, os norte-vietnamitas e vietcongues computaram 58.400 mortos (contra 3.895 soldados americanos mortos). Ha quem considere a Ofensiva do Tet estrategicamente brilhante: outros um desastre, devido ao numero de vitimas.

O fracasso da intervenção dos EUA no Sudeste Asiático foi precipitado não só in loco, mas também na sala de estar da família americana, que assistia pela TV a cenas dantescas. como a execução sumaria de um suspeito pelo chefe de policia de Saigon, Nguyen Loan. Por isso, quando Westmoreland pediu a Washington um reforço de 206 mil homens, só recebeu 13.500 soldados. O presidente Johnson, convencido de que aquela era uma guerra perdida, ordenou a diminuição dos bombardeios a Hanói, para facilitar as negociações de paz que se iniciariam em maio em Paris.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Uma opção pelo conservadorismo

Depois de inesperadas derrotas eleitorais para John Kennedy em 1960 e para Pat Brown em 1962 (quando disputou o governo da Califórnia), o ex-vice-presidente republicano Richard Nixon teve a morte política decretada e, com uma imagem de perdedor e de carrancudo anticomunista, foi cuidar da sua vida pessoal. No entanto, as ruidosas manifestações da juventude pacifista, os distúrbios raciais que eclodiram nas grande capitais e episódios dramáticos como o assassinato do senador Robert Kennedy levaram a chamada maioria silenciosa, a conservadora classe media americana, a sonhar com um período de lei e ordem. Foi nesse contexto que ele teve o nome aclamado pelo Partido Republicano, voltando de modo triunfal a cena política. "Nixon e o homem", dizia o slogan de sua campanha de 1968.

Trazia consigo a fama de um homem eminentemente trabalhador desde que se projetara para o centro nervoso da política americana no período pós-guerra. Aliou a ela algumas características que foram fundamentais para que pudesse mudar a antipática imagem que tinha diante do eleitorado—a humildade por exemplo, aprendida com a humilhação das derrotas sofridas no passado recente. Foram também importantes as lições de marketing político utilizadas por seus adversários, principalmente John Kennedy. Uma delas foi se cercar de jovens em sua assessoria, jovens que trouxeram consigo uma aura de modernidade a que seu nome jamais estivera associado. Nixon também soube evitar problemas, não realizando comícios em locais onde seriam inevitáveis manifestações contrarias.

Mas essa imagem de moderação não surtiria o efeito desejado sem habilidade política, que Nixon demonstrou antes mesmo de a campanha começar, procurando (e conseguindo) conciliar as correntes do seu partido, particularmente as que eram lideradas por Ronald Reagan e Nelson Rockfeller. Também soube explorar a óbvia impopularidade da administração democrática e as indisfarçáveis contradições do seu principal oponente, Hubert Humphrey, desgastado principalmente por causa dos desdobramentos da Guerra do Vietnã. Havia ainda uma poderosa maquina partidária republicana trabalhando em prol da sua candidatura, que, azeitada por uma volumosa quantidade de dinheiro, tirou amplo proveito do fantástico sistema de comunicações e transportes para levar sua imagem—a nova imagem—para as massas.

O resultado foi o mais apertado de toda a história das eleições presidenciais dos EUA: 31,7 milhões de votos para Nixon, 31,2 milhões para Humphrey e quase 10 milhões para o independente George Wallace. Alem da pouca representatividade da vitória, Nixon se defrontou com um Congresso controlado em ambas as câmaras pelo Partido Democrata e com uma baixíssima votação nos grandes centros urbanos. Mesmo assim, conseguiu impor o estilo conservador no plano interno e intervencionista no externo, sendo reeleito em 1972.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

O Brasil mergulha de vez nas trevas

Em sintonia com os movimentos sindicais e estudantis que agitavam Europa e EUA, a oposição ao regime militar instalado em 1964 transformou o Brasil num caldeirão de manifestações. No entanto, a diferença dos governantes do Primeiro Mundo, os generais brasileiros não tinham pruridos democráticos e baixaram, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional n.º 5 para arrumar a casa na base da forca bruta. Ou, como diria o presidente Arthur da Costa e Silva, "a única solução" para que "a corrupção e a subversão" não voltassem a vigorar. E ele diria mais, referindo se ao ato arbitrário: "Salvamos a democracia".

No episódio, o Governo brecou violentamente as manifestações de estudantes, artistas, intelectuais, religiosos, políticos e boa parte da população em geral, desencadeando choques com a policia nas principais capitais. Uma das origens das passeatas havia sido a reivindicação estudantil por uma reforma do ensino. A resposta negativa e repressiva dos militares radicalizou o movimento: em 29 de marco, um estudante de 16 anos, Edson Luis de Lima Souto, foi morto pela policia com um tiro na cabeça no restaurante da União Nacional dos Estudantes (UNE), o Calabouço, no Rio de janeiro. Outras quatro pessoas foram baleadas. O enterro transformou-se num gigantesco comício seguido de passeata, do Centro a Botafogo. Ali, já não se pedia só uma reforma do ensino, mas o fim da ditadura.
Dai em diante, o pais seria tomado por confrontos quase diários, com centenas de presos e feridos. Em outubro, toda a cúpula da UNE (Vladimir Palmeira e José Dirceu, entre outros) foi presa durante um congresso num sitio em Ibiúna, interior paulista.

A essa altura. as Forcas Armadas já estavam de prontidão. E o Governo aproveitou um inflamado discurso do deputado Márcio Moreira Alves para impor o Al-5, que autorizava o presidente a fechar o Congresso, cassar mandatos, intervir nos estados e municípios, suspender direitos políticos por dez anos, confiscar bens por decreto e suspender a garantia do habeas corpus. Para muitos historiadores, foi um golpe dentro do golpe, com o triunfo da linha dura sobre os moderados. Parte da esquerda também radicalizou, partindo para a luta armada. As trevas só começariam a se dissipar na segunda metade dos anos 70.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

O fim precoce do 'escocês voador'

Ídolo máximo no festejado circo da Fórmula-1 em meados dos anos 60, o piloto Jim Clark caminhava célere para suceder o argentino Juan Manuel Fangio, cinco vezes campeão do mundo, no trono do esporte. Mas em 7 de abril de 1968, um acidente inexplicável, guando pilotava um carro da inexpressiva Fórmula2 na pista alemã de Hockenheim, o tirou definitivamente das pistas. Naquele dia. a Lotus de Clark perdeu o rumo quando saia de uma curva, a 240 km/h, capotou diversas vezes e chocou-se contra uma das muitas arvores que rodeavam o circuito. O piloto morreu na hora, aos 32 anos. No seu enterro, um colega de pistas, o neozelandês Chris Amon, expressou o sentimento geral entre os pilotos, o "medo por trás do luto": "Se podia acontecer com ele, que chances teríamos nós?"

Apelidado de "o escocês voador" Clark vinha fazendo uma carreira brilhante nas pistas. Ganhara dois títulos, em 1963 e 1965—sendo que o de 1962 perdera por pouco para Graham Hill. Tinha uma vitória a mais que Fangio (25 sobre 24), que correu, no entanto, 51 GPs. Ele, Clark, tinha disputado 72 grandes prêmios, foi pole position em 33 e quebrou a hegemonia americana nas 500 Milhas de Indianápolis, em 1965, tornando-se o primeiro europeu em 45 anos a vencer a prova, uma das mais concorridas do automobilismo mundial.

Nas duas temporadas em que foi campeão, Clark disputou 20 provas e venceu 13. Conhecido pelo bom humor e pela inteligência, tornou-se o mais jovem campeão do mundo na Fórmula-1, com 27 anos. Na sua época, a chamada "era romântica da Fórmula-1", era comum os pilotos disputarem provas em outras categorias, entre um e outro GP. Assim, alem de correr nas Fórmulas 1 e 2, ele pilotou também nas series Turismo e Tasmânia, mostrando-se um piloto extremamente versátil.

O escocês, que começara na Lotus em 1960, contratado por Colin Chapman para dirigir o primeiro carro de Fórmula-1 com motor entre-eixos (fornecido pela Ford), estava no lugar errado, na hora errada, quando sofreu o acidente fatal. A Ford pretendia que ele corresse em Brands Hatch, Inglaterra, numa prova de protótipos, mas Chapman, que mais do que patrão, era um verdadeiro parceiro de Clark, insistiu em que ele fosse para a Alemanha, onde aconteceu o acidente.

Até hoje acredita-se que a causa tenha sido uma falha mecânica. Afinal, e difícil acreditar num erro tao primário de Jim Clark. Ate então ele havia sido um piloto genial, que, em 1962, no circuito de Silverstone. encontrou uma solução incrível para vencer a prova. Percebendo uma queda na pressão do óleo, Clark desligava o carro nas curvas, que fazia em ponto morto, e nas retas novamente acionava o motor. Mesmo assim, ninguém o alcançou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Protestos na arena esportiva

As Olimpíadas do México poderiam ter entrado para a história devido a excepcional geração de atletas que delas participaram, entre os quais estava o americano Bob Beamon— seu salto em distancia, de 8,90m, superou em 55cm o recorde mundial anterior e precisou de mais 20 anos para ser quebrado. No entanto, corria o mítico ano de 1968, no qual cada gesto trazia consigo uma carga de desejos libertários e de contestação. Por essa razão, ganharam muito mais destaque na mídia os protestos realizados durante os jogos.

O de maior repercussão foi o dos velocistas americanos Tommie Smith e John Carlos, respectivamente primeiro e terceiro lugares nos 200 metros rasos. que, durante a execução do hino nacional de seu pais, ergueram os punhos fechados, na saudação típica dos radicais Panteras Negras. O Comitê Olímpico Internacional, derrotado ao não conseguir incluir a racista África do Sul nos jogos, exigiu a expulsão dos atletas da delegação americana, que de pronto cedeu as pressões. A partir dai, quase todos os atletas negros dos EUA participaram da cerimônia de premiação com boina e meias pretas, uma forma de protesto.

O bloco comunista também esteve agitado, particularmente os tcheco-eslovacos, ainda marcados pela repressão soviética a Primavera de Praga. Quem mais chamou a atenção foi a ginasta Vera Caslavska, que chegou ao México precedida pela fama de heroina da resistência e tornou-se ídolo da torcida mexicana. Ganhou quatro medalhas de ouro a ultima delas compartilhada com a soviética Larisa Petrik, para quem deu as costas durante a execução do hino da URSS.

No campo meramente esportivo, um dos principais personagens foi a altitude, que ajudou a quebrar os recordes nas provas de velocidade do atletismo e nos saltos em distancia. Mas que, por outro lado, quase causou a morte de alguns atletas nas provas de resistência—caso do ate então recordista mundial australiano Ron Clarke, que desmaiou no final dos 5.000 e dos 10.000 metros. O México também assistiu a hegemonia dos fundistas africanos, que ganharam todas as corridas entre os 1.500 metros e a maratona. A prova mais emocionante, porem, foi o salto triplo, que em quatro horas teve o recorde mundial superado nove vezes, duas pelo brasileiro Nelson Prudência, que terminou em segundo lugar. O soviético Viktor Saneyev ficou com o ouro. O Brasil ainda ganhou duas medalhas de bronze, no boxe e no iatismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1968 

Ficção científica com metafísica

O diretor Stanley Kubrick levou quatro anos e gastou US$ 12 milhões para produzir o mais lendário filme de ficção cientifica da segunda metade do século, "2001: Uma odisséia no espaço" lançado em 1968. Recorreu a atores sem renome, como Keir Dullea e Gary Lockwood, para representarem papeis impessoais de cosmonautas num futuro impessoal, mas formou com um dos mais celebres escritores do gênero, Arthur C. Clarke, uma dupla imbatível de roteiristas para criar essa fantasia antiverbalista, mística e romântica que passeia pela aventura humana desde a pré-história ate a conquista do espaço sideral, assombrada sempre pelo enigma da existência e o fantasma de uma consciência sobrenatural.

Um primata joga no ar um osso que lentamente se transforma na nave Discovery, em viagem para as luas de Júpiter sob comando de um supercomputador—HAL, acrônimo para heurístico e algorítmico—que enlouquece e mata quase toda a tripulação. HAL e o único que conhece o plano de vôo e sabe não só entender a fala humana como pensar e falar. Acompanha o vôo o mistério de um monólito negro—Deus?—que se projeta da Lua sob exploração americana e soviética (o homem só pisaria o satélite da Terra no ano seguinte ao surgimento do filme), com o exótico efeito de deslocamento criado pela musica de Richard Strauss ("Assim falou Zaratustra") e Johann Strauss Filho ("Danúbio azul"). No fim, a nave mergulha num carrossel de cores, afinado ao espirito psicodélico da época.

Essas duas horas e meia de meditação alucinatória sobre o avanço tecnológico e o obscurecimento do espírito, com espetaculares efeitos especiais, tiveram enorme impacto e sucesso de publico em todo o mundo. Foi o ápice da carreira de Kubrick, nova-iorquino nascido em 1928, que antes dirigira vários filmes, dois deles de grande êxito—"Lolita", de 1962, baseado no romance homônimo de Vladimir Nabokov sobre a paixão de um homem de meia idade por uma menina de 12 anos; e "Dr. Fantástico", de 1964, uma sátira sobre a Guerra Fria e o perigo da conflagração nuclear. Depois faria, entre outros, "Laranja mecânica" (1971) e "Barry Lyndon" (1975). Seu ultimo filme, "De olhos bem abertos", foi concluído pouco antes de sua morte, em 1999.

Especula-se que a idéia de acoplar uma tela de vídeo aos computadores tenha surgido com "2001". O laboratório espacial Skylab teve um corredor circular semelhante ao da nave do filme. Em 1984, um ônibus espacial recebeu o seu nome: Discovery. Apenas 15 anos depois da "Odisséia" de Kubrick as sondas Voyager enviavam fotos de Júpiter. Porem, ainda não foi no século XX que um computador conseguiu fazer as proezas de HAL.

Fonte: O Globo - Texto integral