Em 1958 as principais manchetes foram estas:

A melhor seleção, enfim, não ‘amarelou’

França promove o retorno do herói

Um camponês no trono de Pedro

Um casamento de conveniência

Pasternak recusa o primeiro Nobel

Uma droga que mutila crianças
Galbraith critica o livre mercado

Apertem os cintos: o mundo encolheu

Desastre mata craques ingleses
O novo santo do mundo da moda

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1958

A melhor seleção, enfim, não ‘amarelou’

Muito pouca gente acreditava que a seleção brasileira ganharia a Copa do Mundo de 1958. Inclusive no Brasil. Seis meses antes, um número especial da revista "France Football" analisara uma a uma as 16 equipes classificadas para a fase final na Suécia, dando a cada uma notas em função da técnica, da tática, do preparo físico, da tradição e das condições psicológicas. Nos quatro primeiro itens ate que o Brasil não ia tão mal. Os especialistas franceses reconheciam a excepcional técnica individual do craque brasileiro, achavam-no capaz de se ajustar a qualquer tática, sabiam de seu fôlego (e o fôlego era, na época, o termômetro do bom preparo físico) e não esqueciam que o Brasil chegara em terceiro e segundo nas Copas do Mundo de 1938 e 1950 Isso era tradição Psicologicamente, porem, o brasileiro era, aos olhos daqueles analistas, um lixo. Ou quase isso. Não fora por outro motivo que a seleção tinha sucumbido diante dos húngaros em 1954. E feito papel feio naquela excursão de estudos a Europa em 1956, jogando mal, perdendo jogos, brigando em campo.

Aqui, a descrença do torcedor também tinha implicações psicológicas. Jogávamos talvez o melhor futebol do mundo e, ainda assim nos víamos como uma terra de pernas-de-pau. De nada adiantava termos em Garrincha o mais diabólico dos dribladores, em Didi o reinventor da geometria no futebol, em Nilton Santos a antecipação do moderno modo de um lateral jogar, em Zito um dínamo a manter em funcionamento a máquina do meio campo ou em Pelé, com 17 anos, uma promessa de gênio como nenhuma outra em parte alguma. Pouco importava tudo isso se, na hora da verdade (e era assim que o brasileiro médio raciocinava), esses fenômenos da bola viravam crianças tímidas, medrosas, tremiam, perdiam a cabeça e davam com os burros n'agua. Se na época se fizesse uma dessas pesquisas de opinião que só depois virariam moda, ia se ver que mais de 80% dos brasileiros pensavam assim.

A Copa do Mundo de 1958 acabou sendo a maior lição que o futebol brasileiro deu a si mesmo. Em primeiro lugar, foi a primeira em que a pátria de chuteiras descalçou-se de pesado fardo. Se em 1950 víamos numa possível vitória sobre o Uruguai um fator de afirmação nacional, e se em 1954 nosso time tinha de cantar o hino diante da bandeira para provar que estava disposto a morrer pela pátria ("Vamos vingar hoje nossos mortos de Pistóia" disse um membro da delegação brasileira pouco antes do jogo com a Hungria), em 1958, tudo o que se queria era mostrar que o Brasil era bom de bola. Sem hino nem bandeira.

No fundo, o torcedor tinha por que não acreditar. Quantos sul-americanos perdidos para os argentinos! Quantas partidas internacionais frustradas, amistosas ou por Copa do Mundo! E tudo pelos fatores psicológicos de que falava "France Football".

Até mesmo os responsáveis pela seleção pareciam levar aqueles fatores a serio. A mencionada excursão de 1956 tinha sido a primeira viagem de estudos de uma seleção brasileira a Europa. Uma comissão (treinador, medico, dirigente) estava incumbida de observar em profundidade tudo o que pudesse pesar negativamente nos nossos jogadores, buscar as causas de seus medos, ver por que se deixavam dominar pelos nervos, onde estava enfim o motivo de um futebol tao bom fracassar em suas aventuras internacionais. Resultou disso um relatório. Cientifico, disseram. E nele pelo menos uma constatação: o jogador brasileiro era imaturo, emocionalmente vulnerável, inseguro. Numa palavra, "amarelava". O relatório apontava, eufemisticamente, para certas características raciais que nos faziam sofrer mais que um anglo-saxão. um gaulês, um nórdico ou um tedesco, terríveis saudades de casa, a nostalgia profunda, o banzo.

Não foi por outro motivo que a seleção brasileira estreou em Gotemburgo com um time tao branco quando possível. Didi só era titular porque seu reserva, Moacir, era mais retinto que ele. E verdade que o branco Nilton Santos deixava o mulato Oreco no chinelo, e que o negro Zózimo não estava em melhor forma que um Orlando bem mais claro Mas, de resto, Djalma Santos, Pele, Garrincha, os da turma do banzo, ficaram na suplência.

A história da Copa do Mundo de 1958 foi contada muitas vezes, inclusive da ótica daquele relatório que o futebol brasileiro desmoralizou. Na grande decisão com a Suécia— que temíamos por ser o que os locutores chamavam de "ultima batalha", aquela que perdíamos sempre—o time era outro. Djalma Santos substituiu De Sordi, no fogo, com a incumbência de marcar Skoglund, o melhor atacante sueco, e não tremeu. Foi eleito, só por este jogo, o melhor lateral direito da competição. Garrincha já estava no lugar de Joel, depois de ter ensinado a Vicente Feola & companhia que a irresponsabilidade de seu drible, sempre o mesmo, sempre pela direita, era um dos segredos de um futebol mais arte que ciência; jogado na "terra dos pernas-de-pau". Antes do embarque para a Europa, o psicólogo da seleção (sim, pela primeira vez havia um especialista no assunto) chegou a conclusão de que ele, Garrincha, analfabeto, infantil, sem saber como resolver o mais elementar teste de inteligência, não tinha lugar na seleção. Agora, em Estocolmo, virava Garrincha.

E Pelé? E fato que aquele menino que—como se dizia na época, nem tinha idade para ver filme de Brigitte Bardot—era só uma promessa. Ou assim se pensava. Antes fora artilheiro do Campeonato Paulista, havia marcado gol pela seleção, ganhara rasgados elogios da crônica esportiva. Mas não seria uma temeridade escalar um menino negro, apenas 17 anos, numa seleção conhecida pela imaturidade emocional? Por que não o tanque Mazzola, louro forte decidido já a caminho de se converter em estrela do forte futebol italiano? Assim, quando a Copa começou, la estava Mazzola onde poderia estar Pele.

Mas ao menos por isso os responsáveis pela seleção brasileira merecem ser perdoados. Quem podia adivinhar Pele? Também eles aprenderam lições na Suécia. Eles e o torcedor, que começou a se libertar ali de um antigo complexo de inferioridade. Ele e os analistas científicos, que afinal compreenderam que no imponderável esta um dos encantos do jogo. Eles e o futebol brasileiro, enfim campeão do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

França promove o retorno do herói

A 4ª Republica, instalada em dezembro de 1946, conseguiu pôr ordem na economia francesa, mas as custas de muita instabilidade política. O pais entrara na década de 50 com seu império de ultramar ruindo: derrota na Indo china, independência da Tunísia e do Marro cos. direitos em Suez perdidos para os egípcios e o recrudescimento do nacionalismo na Argélia, que causaria uma luta sangrenta de oito anos. Era mais do que o presidente Rene Coty conseguia administrar. Decidiu, então, recorrer ao grande herói aposentado que comandara a França Livre no desfecho da Segunda Guerra: Charles de Gaulie. Nomeado primeiro-ministro em maio de 1958, o general preparou terreno para ser eleito, no fim do ano, o primeiro presidente da 5ª Republica.

De Gaulle, que havia chefiado dois governos provisórios, estava afastado de cargos públicos desde 1946. No ano seguinte, fundara um partido de alguma expressão—que durou até 1955—mas não se candidatou a nada. Foi escrever suas memórias no refugio de Colombuy-les-Deux-Églises. Na sua volta como primeiro ministro, o cidadão francês mais respeitado do mundo em 1945 tinha poderes especiais para apresentar uma nova constituição. O experiente De Gaulle fez questão da participação dos territórios ultramarinos. Tornou-se, assim, mais uma vez, o salvador da França, trazendo as velhas armas de "egoísmo, orgulho, altivez e astucia", como diria mais tarde Raymond Aron, um de seus biógrafos.

Pronta em setembro, a nova Carta, alem de preparar o caminho para a independência das outras colônias africanas, ampliava a autonomia da presidência da Republica. De Gaulle foi eleito em dezembro, tornando-se por sete anos, nas palavras de outro biógrafo, um "monarca presidente". Na eleição indireta, o general obteve 62.338 votos dos 80.508 de "notáveis" (os integrantes da Assembléia Nacional, os prefeitos e os conselheiros municipais).

A 5ª Republica teve a missão de resolver o problema da Argélia—que se libertaria em 1962—e de devolver a Franca uma posição de destaque no mundo. O ultimo objetivo, apesar da decadência do colonialismo, seria atingido em parte, graças a De Gaulle. Em fevereiro de 1960, a Franca entraria para o fechado clube das potências nucleares.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Um camponês no trono de Pedro

Foi uma escolha difícil. A reunião já começou com a morte do cardeal americano Mooney, uma hora antes da primeira votação; depois, chegou de maca o exilado e adoentado arcebispo de Pequim. Logo alguém constatou que, pela primeira vez na história da Igreja Católica, os cardeais italianos não eram maioria na eleição do novo Papa. Só no 12° escrutínio a fumaça branca da queima dos votos subiu pela chaminé da Capela Sistina, anunciando ao mundo que Pio Xll, morto 19 dias antes, já tinha substituto. Passava das 17h de 28 de outubro de 1958.

Na luta entre conservadores e progressistas, estes acabaram levando a melhor, elegendo o patriarca de Veneza, cardeal Angelo Roncalli, de 76 anos. Os católicos trocavam, assim, a liderança do aristocrático e ultraconservador Eugenio Pacelli, Pio Xll, de uma família de grandes juristas, erudito e eloqüente, pela de um homem informal, bem-humorado, amigo de todo mundo, que logo ficaria conhecido como "o Papa bom".

Bom, certamente, mas não manso. João XXIII logo se mostrou disposto a dar novos rumos a Igreja, quebrando tradições. De saída, adotou um nome forte, mas desprezado ha séculos: o ultimo que o escolhera, João XXII, tinha morrido em 1334. O escolha era curiosa para um papa que se tornaria responsável pelos maiores avanços da Igreja Católica em to do o século, reconhecendo, pelo Concílio Vaticano II, os sindicatos, o papel social do Estado e a democracia constitucional, estendendo a mão abertamente para lideres de outras grandes religiões do mundo e abolindo a obrigatoriedade do latim nas liturgias.

Nascido em 25 de novembro de 1881 na pequenina Sotto il Monte, perto de Bérgamo, norte da Itália, Angelo Giuseppe Roncalli era um filho de camponeses de precoce vocação eclesiástica. Ordenado sacerdote em 1904 rezou sua primeira missa na própria Basílica de São Pedro. No seminário de Bérgamo, onde foi professor, organizou os polêmicos grupos assistências da Ação Católica. Na Primeira Guerra Mundial, serviu ao Exercito como sargento e depois como tenente capelão.

Pela idade, muitos consideravam João XXIII um Papa interino, de transição. De fato, ele morreu em 3 de junho de 1963, antes de completar cinco anos de papado, mas deixou marcas fundas. A Teologia da Libertação, que sacudiria os religiosos da América Latina, foi inspirada em seu espirito reformador. Seu sucessor, Paulo Vl, seria o "Papa peregrino".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Um casamento de conveniência

Parecia que o sonho do pan-arabismo do dinâmico e carismático presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, começaria a se concretizar em 1958, quando seu pais e a Síria criaram a Republica Árabe Unida (RAU). Foi, no entanto, o que se chamou, em varias oportunidades, de "casamento de conveniência". A Síria enfrentava problemas internos, como a interferência dos militares na política e a aproximação de uma larga facção do partido Ba'ath, governista, com Moscou. Para não cair sob a tutela soviética, o presidente Shukri al Kuwatly decidiu unir Damasco ao Cairo. Mas ele mesmo expressou as dificuldades que seriam enfrentadas por Nasser (o presidente da RAU): 'Não tardara a descobrir que a Síria e um pais difícil de ser governado: 50% dos sírios tem-se na conta de lideres nacionais, 25% acham que são profetas e 10% julgam-se deuses."

A tarefa era difícil mesmo para Nasser, que adquirira um enorme prestigio político após a guerra que declarara a Franca, Grã-Bretanha e Israel, que tinha como objetivo a nacionalização do Canal de Suez. Naquela ocasião, o impensável acontecera: União Soviética e Estados Unidos, em bloco, manifestaram-se contrários a invasão do Egito. No entanto, se já era complicado manter o "casamento" com a Síria, celebrado em 1° de fevereiro de 1958, o presidente egípcio tornou a situação ainda mais difícil ao formar um triângulo, com a adesão do Iêmen, que nunca chegou a participar efetivamente da RAU.

Havia muitos problemas naquele casamento: os militares egípcios, tradicionalmente submetidos ao domínio estatal, quiseram governar os sírios, individualistas e rebeldes, por exemplo. Os sonhos de Nasser esbarraram ainda na oposição enciumada dos vizinhos, especialmente da Jordânia e do Líbano (este, apoiado por uma tropa de 10.000 homens enviada pelos Estados Unidos, que temiam a disseminação do nasserismo pelo mundo árabe).

Enquanto isso, políticos e militares sírios conspiravam contra a RAU. Finalmente, em setembro de 1961, uma revolta contra uma suposta dominação egípcia desfez o casamento. Nasser reconheceu a separação de fato, mas manteve as aparências: o Egito continuou a se chamar Republica Árabe Unida.

Outra tentativa de união entre nações árabes foi a Federação Jordano-lraquiana, de fevereiro a julho de 1958, mas esta teve existência apenas virtual: jamais saiu do papel. Em seguida, houve um projeto federativo para reunir Egito, Síria e Iraque. Provocou tamanha polemica nos três países que nem chegou a ser formalizado. Finalmente, criou-se o Conselho Presidencial Egito Iraque, de maio de 1964 a julho de 1968. Em dezembro de 1969, Egito e Síria iniciaram nova negociação, mais uma vez qualificada como "casamento de conveniência". Mas Nasser morreria logo, em 1970, sem que qualquer uma das uniões com as quais tinha sonhado produzisse frutos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Pasternak recusa o primeiro Nobel

Sua obra mais importante e a poética, mas Bóris Pasternak ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1958—e de quebra muitos aborrecimentos—com um romance. A Academia Sueca Ihe concedeu a honra "pelas suas importantes realizações no domínio da poesia lírica contemporânea e no da tradição épica russa." Sem sombra de duvida, porem, o que tornara Pasternak premiável fora o estrondoso sucesso de "Dr. Jivago", a história do desencanto de um médico-poeta russo com a revolução comunista. Desde sua publicação, na Itália, em 1957, o livro fora proscrito na União Soviética, mas entre as múltiplas edições que logo ganhou havia ate uma em russo, publicada na Holanda.

Bóris Pasternak, um judeu moscovita nascido em 1890 e considerado um dos maiores poetas russos do século. Filho de pai pintor e mãe pianista, ambos de talento, conheceu gente como Tolstói, Tchecov, Gorki, Rilke, Einstein, Rachmaninoff e Scriabin. Seu primeiro livro de versos, "Um gêmeo nas nuvens", e de 1914. Em 1917 publicou "Alem das barreiras", de forte influencia simbolista, mas foi a partir de 1922, com "Minha irm3, a vida", "Grave doença" e "Ano 1905", que se consagrou. Quase chegou a ser uma vitima dos expurgos culturais que ocorriam na Rússia, mas seu aparente alheamento das freqüentes turbulências políticas o salvou. O próprio Stálin teria ordenado em certa ocasião, não sem algum desprezo: "Não toquem nesse habitante das nuvens".

Bóris Pasternak, por via das duvidas, preferiu não pagar para ver. De 1934 a 1943, não publicou um livro sequer. Vivia de traduções, pois conhecia bem inglês, alemão, francês, espanhol e georgiano. Verteu para o russo várias obras de Shakespeare, Goethe, Verlaine, Rilke e Byron, entre outros clássicos. Dois livros de poemas seus, de 1943 e 1945, foram desprezados pela critica oficial. Em compensação, por cinco vezes seguidas, de 1946 e 1950, foi indicado para o Prêmio Nobel. "Dr. Jivago", o único romance do poeta, começou a ser escrito logo depois de terminada a Segunda Guerra Concluído em 1955, ninguém quis publicá-lo na URSS. Uma cópia do manuscrito foi parar com o editor Feltrinelli, de Milão.

As autoridades soviéticas bem que tentaram impedir, em 1957, a edição italiana e outras, sem sucesso. Pasternak passou a ser um "traidor" e foi expulso da União dos Escritores. Para não ser desterrado, forcaram-no a renunciar ao Nobel, em atitude inédita, e se recolher a um exílio interno em Peredelkino, perto de Moscou, onde morreria de câncer em maio de 1960. Apesar da discrição da noticia da morte nos jornais soviéticos uma multidão, composta principalmente de universitários, compareceu ao enterro.

A versão cinematográfica do romance tornou Pasternak ainda mais conhecido. Realizada por David Lean em 1965, tinha no elenco Omar Sharif, Julie Christie Geraldine Chaplin e Alec Guinness. Na URSS, "Dr. Jivago" só foi publicado em 1988, depois da reabilitação de Pasternak pela União dos Escritores. Desde então não saiu mais da lista de best-sellers por lá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Uma droga que mutila crianças

Teoricamente, era a maravilha das maravilhas. O novo sedativo criado pelo laboratório alemão Chemie Grunenthal no inicio de 1954 prometia abalar o mundo medico. Potente, de ação rápida e sem efeito colateral, a talidomida acalmava qualquer ansiedade, proporcionava um sono perfeito e era especialmente indicada para eliminar as incômodas náuseas da gravidez. Quando o Contergan—seu nome comercial na Alemanha—foi lançado, em 1956, o sucesso foi imediato em 51 países. A talidomida acabou mesmo abalando o mundo medico, mas não como se pensava.

O medicamento logo se tornou o mais vendido do laboratório, levando seu diretor comercial, Heinrich Muckter, a descartar o argumento de que deveria ter havido mais tempo de testes: "A pílula, além de produzir um sono garantido, aumenta salários". Lucros e salários cresceram, de fato, mas muitas famílias perderam o sono por conta do remédio.

Uma seria suspeita obscureceu o brilho das festas de fim de ano em 1958. Médicos alemães e ingleses relatavam na época que estava ocorrendo uma "epidemia" de casos de focomelia em varias regiões do planeta. Focomelia que se poderia traduzir como "membros de foca", e o nome cientifico da atrofia dos membros, em geral os superiores: braços curtos, mãos coladas ao tronco, falta de dedos. O quadro se agravava com o suicídio de alguns dos pais de crianças deformadas e, em alguns casos, com o sacrifício das crianças.

Logo, com a ajuda de cientistas americanos e australianos, ficou provada a relação entre a incidência de focomelia e o consumo de talidomida: ingerida nos dois primeiros meses de gravidez, a droga afetava o desenvolvimento dos ossos longos dos fetos. Não foi fácil, no entanto, convencer o laboratório Grunenthal e as autoridades medicas. Finalmente, em 1961, todos os governos proibiram sua fabricação e venda. O numero de "filhos da talidomida" era aterrador: 2.500 na Alemanha Ocidental, 430 na Grã-Bretanha, 200 no Japão e cinco mil pelo resto do mundo. Acredita-se, porem, que o total tenha chegado a 20 mil.

No Brasil—onde o medicamento teve os nomes comerciais de Sedalis, Sedalis 100, Sedin e Slip, entre outros—o número oficial e de 280 crianças atingidas. Ha quem aposte em mais de 500. E continua crescendo. Explica-se: o remédio voltou a ser fabricado em 1965 para tratamento da hanseníase dessa vez sob rigoroso controle. Mesmo assim, dai ate 1995 foram registradas 44 novas vitimas da droga.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Galbraith critica o livre mercado

Discípulo do inglês John Maynard Keynes, o economista John Kenneth Galbraith—nascido no Canada em 1908 e radicado nos EUA desde os anos 30—começou a se tornar um nome popular em 1957 com a repercussão de seu livro "A sociedade afluente" ("The afluent society"), que condenava a crença no mercado auto regulador como estratégia de combate a miséria. Pelo contrario: era o próprio mercado que a criava, como subproduto de grupos afluentes. Só a ação governamental poderia criar uma sociedade mais justa. pregava o economista. Em seu livro, Galbraith defendia uma política econômica com menos ênfase na produtividade e mais atenção aos serviços públicos. E fazia isso escrevendo numa linguagem que se pretendia acessível ao grande publico não versado em teorias econômicas.

"A sociedade afluente" permaneceu entre os primeiros lugares da lista de livros mais vendidos nos Estados Unidos por quase um ano. Galbraith—que durante a Segunda Guerra Mundial trabalhou para o Governo americano, como diretor do departamento de controle de preços, e em meados dos anos 50 foi investigado pelo FBI e classificado num relatório como não-comunista mas "egocêntrico e esnobe"—se tornou uma figura publica como um tipo de economista diferente do que se conhecia ate então: acessível, com idéias de esquerda e bem-humorado. Nos anos 60 e 70, o economista reforçou essa imagem com livros, palestras e entrevistas em que condenava a Guerra do Vietnã e defendia ajuda econômica para o Terceiro Mundo. Pesquisas realizadas nas universidades americanas no final da década de 60 revelaram que Galbraith era uma das personalidades mais admiradas pelos estudantes, ao lado de figuras como o guerrilheiro Che Guevara e o cantor Bob Dylan.

A carreira longa e prolífica de John Kenneth Galbraith incluiu uma cadeira de professor emérito de Economia na Universidade de Harvard; um posto de embaixador dos EUA na Índia; a função de roteirista e apresentador da serie de TV "A era da incerteza", um documentário em 13 capítulos para a BBC; e a autoria de romances sobre intrigas financeiras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Apertem os cintos: o mundo encolheu

A era do jato como o avião de passageiros por excelência foi inaugurada oficialmente no dia 4 de outubro de 1958, quando dois quadrimotores Comet IV, de fabricação britânica da Corporação Britânica de Linhas Aéreas Ultramarinas (Boac), transportaram passageiros de Londres a Nova York e de Nova York a Londres, cruzando-se sobre o Atlântico no meio do caminho. As viagens levaram seis horas e vinte minutos, em vôos muito mais silenciosos e confortáveis do que os viajantes intercontinentais estavam habituados. Logo o vocabulário internacional incorporava a expressão jet set, referencia aos ricos que podiam se dar ao luxo de viajar para um outro continente apenas para passar o fim de semana.

O vôo dos Comet IV não foi a estreia do jato no ramo de transporte de passageiros. A novidade era a nobreza do trajeto. Desde 1952, com o Comet I, os britânicos faziam vôos comerciais em aviões a jato para a África e a Ásia. Em 1954, o Comet I fora abandonado por motivos de segurança, mas seu sucessor, aprimorado, logo tomou seu lugar.

Os Comet, como todos os jatos, eram derivados da tecnologia de aviação desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial e aplicada, depois de 1945, a aviação comercial. Só então o transporte aéreo de passageiros começou a se tornar um dos negócios mais lucrativos do mundo. Entre 1947 e 1969, o numero de pessoas transportadas por aviões comerciais a cada ano iria passar de 21 milhões para 350 milhões. De inicio, os fabricantes americanos de aviões, como a Boeing e a Douglas, resistiram aos jatos: alegavam que não tinham viabilidade comercial devido a seu consumo guloso de combustível. Mas o sucesso do pioneiro Comet I provocara mudanças nessa mentalidade: a Douglas lançou o DC-8 no mesmo ano do primeiro vôo transatlântico do Comet IV e a Boeing compareceu em 1954 com o 707, um quadrimotor de grande autonomia que haveria de conquistar in questionável hegemonia nas décadas seguintes.

Em 1959, o então presidente americano Dwight Eisenhower inaugurou a pratica do avião presidencial exclusivo, o Air Force One. Numa viagem histórica, visitou 11 países em apenas 18 dias, fazendo inestimável propaganda dos jatos. Em meados dos anos 60, os aviões de fabricação americana já tinham revertido a liderança inicial dos seus concorrentes ingleses e dominavam amplamente todos os mercados do mundo capitalista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

Desastre mata craques ingleses

Uma decolagem desastrada na pista coberta de neve do aeroporto de Munique, na Alemanha, em 6 de fevereiro, matou a maior parte do time de futebol do Manchester United, o melhor da Inglaterra aquela altura, que acabara de se classificar para as semifinais da Copa Européia de clubes. Em sua segunda tentativa de decolar, o avião Ambassador perdeu o controle na pista escorregadia Depois de se chocar com uma cerca e colidir contra um prédio do aeroporto, o avião inglês partiu-se em dois. O acidente resultou em 23 mortes. Alem de nove jornalistas e dois dirigentes, oito jogadores morreram, entre eles quatro nomes da seleção inglesa: Roger Byrne, Tommy Taylor, David Pegg e Bill Whelan. Os outros jogadores vitimados foram Eddie Colman Mark Jones, Geoff Bent, e, após algum tempo de internação, Duncan Edwards. O mais velho deles era o capitão Roger Byrne, de 28 anos.

O técnico do time, Matt Busby, considerado o maior responsável por seu sucesso—a equipe era conhecida entre os fãs da Inglaterra pelo apelido de "Busby Babes" (os garotos de Busby)—ficou ferido, mas sobreviveu. Outro que esteve no acidente e escapou foi o jogador Bobby Charlton, que mais tarde, em 1966, integraria a seleção inglesa campeã do mundo. Nos dois dias seguintes a tragédia sucessivas edições especiais dos maiores jornais ingleses se esgotaram, disputadas pelo publico que buscava informações sobre o acidente e os craques nele envolvidos. A rainha Elizabeth II fez um pronunciamento no qual se dizia "profundamente emocionada" e o Governo inglês recebeu mensagens de condolências de vários chefes de estado.

O acidente com os jogadores do Manchester United lembrou aos europeus a tragédia ocorrida em 1949 com o Torino, time campeão da Itália, que perdeu 17 jogadores quando o avião que os transportava teve um defeito no altímetro e colidiu com a torre de uma igreja. Vários outros acidentes aéreos envolvendo times de futebol ocorreram desde então. Em julho de 1960, oito jogadores da seleção dinamarquesa morreram num desastre. Em agosto de 1980, todo o time do Praktkor Tashkent, da URSS, morreu na queda de um Tupolev. Em dezembro de 1987, mais um time inteiro desapareceu, o Alianza de Lima, do Peru, cujo avião caiu no Pacifico. Em junho de 1989, a queda de um avião DC-8 matou 23 jogadores do Suriname. Em abril de 1993, 17 jogadores da seleção de Zâmbia morreram quando o avião militar que os transportava caiu no mar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1958

O novo santo do mundo da moda

As curvas femininas ganharam em 1958 uma embalagem geométrica: o trapézio, tema da coleção que Yves Saint-Laurent criou para a Maison Dior, de Paris, marcando de modo sensacional sua estreia no mundo da moda. O trapézio, ao moldar criativos vestidos que iam ganhando volume a partir dos ombros, revelou ao mundo o talento de um jovem de 23 anos que inventaria sem parar na arte de vestir as mulheres. Saint-Laurent criou blusas transparentes, disseminou o uso da calça comprida, propôs o smoking feminino e fez uma coleção inteira inspirada nas camponesas russas. Também buscava seus motivos nas artes plásticas: uma de suas coleções mais festejadas tomaria emprestado da pop art o modo de vestir dos anos 60.

Yves Saint-Laurent tinha o que os franceses chamam l'air du temps: farejava as tendências e deixava fluir seu talento nato. Filho de uma família de franceses ricos, nasceu em Orã, na Argélia, em 1936, e aos 4 anos já desenhava vestidos de bonecas. Começou a estudar moda em Paris aos 18 anos e, depois de ganhar um concurso, chamou a atenção do diretor da revista "Vogue", que o recomendou a Christian Dior, a mais famosa casa de moda do mundo. Em um ano já era um dos assistentes de Dior. Quando o estilista morreu repentinamente, em 1957, o garoto de 21 anos foi nomeado seu sucessor.

A lua-de-mel durou pouco. Saint-Laurent foi convocado para o Exercito e, vitimado por uma crise nervosa, foi parar num hospital militar. Dois meses depois, quando o dispensaram, descobriu que seu posto na Dior tinha sido ocupado por outro. Foi quando o patrocínio de um milionário americano e a parceria, nos negócios e na vida privada, de Pierre Berge (o gênio administrativo por trás da conta bancaria da sociedade), Ihe permitiram criar sua própria Maison, em 1962. No auge do sucesso, havia mais de cem lojas YSL espalhadas pelo mundo, vendendo dezenas de produtos, de óculos a perfumes e cosméticos, rendendo mais de US$ 200 milhões por ano.

Fonte: O Globo - Texto integral