Em 1955 as principais manchetes foram estas:

Sinatra ensina o século a cantar... e viver

Bloco soviético dá resposta à OTAN

Os paradoxos do cientista do século

Lugar no ônibus, vaga na história

Vladimir Nabokov inventa ninfeta

Junto com a saia, sobe o mito MM
A morte lhe cai bem

Herbert Marcuse antecipou 1968

Um uivo em São Francisco: Beat !
Começam os 50 anos em cinco

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1955

Sinatra ensina o século a cantar... e viver

O dia 9 de julho de 1955 marcou o Grande Cisma na musica do século. O adocicado mambo de Perez Prado, "Cerejeira rosa", caía do numero 1 nas paradas de sucessos americanas e entrava em seu lugar o primeiro megahit do rock'n'roll, "Rock around the clock", com Bill Haley & His Comets. A fúria do rock vinha decretar o fim das canções de amor, que Frank Sinatra tanto amava e das quais era o intérprete maior. Tudo indicava que seu tempo havia passado: os Sinatra do futuro seriam Elvis, Lennon, Bowie, Bono.

Mas o velho Frank ainda tinha muita garra e muita paixão. Iniciava 1955 com 39 anos (completaria 40 no dia 12 de dezembro). Sua voz estava no apogeu. Como Billie Holiday—amiga e inspirarão— ele vivia cada palavra de suas tristes canções, injetava uma gota de sangue em cada nota. E sangue fora derramado literalmente durante sua infeliz paixão pela estrela de cinema Ava Gardner. Numa noite de novembro de 1953, o compositor Jimmy Van Heusen encontrou Sinatra caído no elevador de seu apartamento na Rua 57 com os pulsos cortados. Van Heusen havia sido uma espécie de cupido para o romance de Frank e Ava, mas se arrependeu. Depois de uma briga colossal em que os dois quebraram todos os móveis do apartamento, Van Heusen, recém-saido de um infarto, rompeu com Sinatra. E mandou que procurasse um psicanalista se tinha algum amor a vida. Um Sinatra deprimido e cansado foi deitar-se no diva do Dr. Ralph Greenson, o terapeuta de nove entre dez estrelas de Hollywood (entre elas, Marilyn Monroe).

A dor de cotovelo sempre rendeu boas canções. Segundo a biógrafa não-autorizada de Sinatra, Kitty Kelley' no polêmico "His way" (1986), "o trauma que Frank sofreu por causa de Ava penetrou na sua música, dando uma nova pungência a letras que falavam de perda e solidão. Os números que cantava nos clubes noturnos refletiam a melancolia profunda que ele sentia na época. Carregada de forca e emoção como nunca, sua voz ressoava com dor profunda e turbulenta agonia ao cantar 'I'm a fool to want you', fazendo cada palavra parecer um grito de angústia diante de sua paixão por Ava". Um dos clássicos da torch song (canção de fossa), "I'm a fool to want you", que começou como uma adaptação do Andantino da "Terceira sinfonia" de Brahms, teve o próprio Sinatra como co-autor e entrou para a História como o prefixo musical de uma das love stories mais infelizes do século.

Como Picasso e Miles Davis, Sinatra atravessou varias fases estilísticas. Houve os anos com a orquestra de Tommy Dorsey (194042), o período Columbia (1943-52)os anos Capitol (1953-61) e a fase crepuscular de sua própria gravadora, a Reprise. Fãs e críticos demonstram uma preferencia acentuada pela fase da Capitol. Nela, Sinatra se serviu do talento de arranjadores como Nelson Riddle e Billy May. Riddle resumiu seus 25 anos de trabalho com Sinatra como uma parceria tranqüila. "Ele tem todo o instinto de um músico", disse.

Dizem que a verdade às vezes está no erro. Um momento que ilustra todo o rigor de Sinatra em seu artesanato vocal ocorre num false start, um tropeço na gravação de "(How little it matters) How little we know", em 1956. Sinatra interrompe a gravação e comenta: "Você não pode blefar com as notas, você tem de canta-las". E prossegue, com uma interpretação perfeita, dialogando admiravelmente com a orquestra, num equilíbrio de forma e conteúdo que se tornaria a marca registrada dos anos da Capitol. Entre as obras-primas dessa época estão "l've got the world on a string"—com Sinatra manipulando o mundo como uma marionete—e "Learnin' the blues", maravilhosa lição de como sair da depressão para a vida, valendo-se da magia da música.

Cinema e canção estavam irreversivelmente entrelaçados a essa altura da carreira de Sinatra. Em 1953, ele lançou a versão vocal de "From here to eternity", o tema do filme "A um passo da eternidade", em que faz o papel de um soldado rebelde no Havaí as vésperas do ataque japonês a Pearl Harbor. Na pele de Maggio, contracenando com Montgomery Clift e Burt Lancaster, Frank receberia o Oscar de melhor ator coadjuvante em cerimônia no teatro Pantages, em Hollywood, no dia 25 de março de 1954. Frank seguia o caminho inverso em "Young at heart", uma canção de sucesso que alcançou o sétimo lugar nas paradas em 1954 e acabou dando origem a um filme, colocando-o ao lado da também anfíbia (cantora/atriz) Doris Day.

Em setembro de 1955, morria tragicamente o ator James Dean, símbolo do "rebelde sem causa" (quatro anos antes, Albert Camus lançara seu ensaiomanifesto "L'homme revolté", publicado nos Estados Unidos como "The rebel".) Sinatra, de certa forma—e apesar de todos os seus vínculos com o establishment e a máfia—tinha tudo a ver com o modelo do existencialista rebelde. Os cacoetes e trejeitos que Marlon Brando, James Dean e Paul Newman tinham adquirido nas aulas do Actor's Studio de Lee Strasberg eram, para Sinatra, coisa natural, aprendida nas calçadas da vida.

Em 1955, ele estrelava com Marlon Brando e Jean Sinimons "Guys and dolls" ("Eles e elas"). Frank tinha uma bronca particular com Brando, gue considerava "o ator mais superestimado do mundo". Encarava ainda outra comedia romântica, "Armadilha amorosa", com Debbie Reynolds. Mas foi em "The man with the golden arm" ("O homem do braço de ouro") que Sinatra encontrou talvez o maior papel da sua carreira: a história de Frankie Machine, jogador e viciado, cujo sonho de se tornar um grande baterista de jazz e destruído pela droga, mas que acaba se redimindo graças ao amor da deusa loura Kim Novak. O papel Ihe valeu a indicação para o Oscar de melhor ator. "Estou na praça," disse ele na época, "mas não chamo isso de uma volta. Não me afastei, eu estava aqui o tempo todo."

Vale um flash foru~ard na carreira de "gala" de Frank: no ano seguinte, em 1956, ele vai formar o triângulo amoroso de "High society" ("Alta sociedade"), com Grace Kelly e Bing Crosby, sempre na sua, carente e romântico, pedindo para ser adotado por mulheres com superdosagem de instinto materno.

Foi uma boa safra para Frank Sinatra, a de 1955. A essa altura ele já havia alcançado todas as glorias. Mais do que cantor, ator e celebridade , tinha marcado o século com o seu estilo de vida. Uma das peças mais inteligentes do jornalismo e o perfil publicado em 1966 na revista "Esquire" por Gay Talese: "Frank Sinatra tem um resfriado". Até seu resfriado virava matéria importante. Um livro recente, "The way you wear your hat—Frank Sinatra and the lost art of livin'", de Bill Zehme, já lançado no Brasil, analisa como nos detalhes, até mesmo no jeito de usar um chapéu. Sinatra influenciou seu tempo políticos guerreiros. santos, aventureiros, esportistas serão lembrados para o título de Homem do Século. Muita gente vai preferir um artista, alguém que tenha alegrado os corações com a beleza de uma canção. Muitos vão votar em Sinatra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Bloco soviético dá resposta à OTAN

Em 14 de maio de 1955 foi assinado na capital polonesa o Pacto de Varsóvia, um acordo de cooperação militar entre os países comunistas que mexeu com os nervos expostos da Guerra Fria. O pacto foi a resposta comunista ao fato de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)—aliança militar que desde 1949 assegurava a defesa coletiva do bloco capitalista, capitaneado pelos Estados Unidos, em caso de agressão soviética—ter aceitado como membro a Alemanha Ocidental. Tratava-se de uma reação em cadeia, pois a criação da Otan tinha sido motivada pelo expansionismo da União Soviética no Leste europeu, com a propagação do regime comunista aos países por ela libertados na Segunda Guerra.

O Pacto de Varsóvia envolvia oito países: Albânia, Bulgária, Checoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Polônia, Romênia e URSS. O acordo pregava um comando militar unificado (nas mãos da URSS) e a manutenção de tropas soviéticas nos territórios de todos os países, o que aumentava o poder de barganha dos soviéticos na Guerra Fria Apesar da ameaça óbvia ao Ocidente, a única ação militar levada a cabo pelo Pacto de Varsóvia foi contra um de seus integrantes: a Checoslováquia (hoje dois países, República Tcheca e Eslováquia), cujo governo liberal, em 1968, propôs uma série de reformas que não agradaram Moscou. As tropas do Pacto entraram na capital Tcheca em agosto, esmagando o movimento conhecido como Primavera de Praga. O único país que não participou da invasão foi a Romênia, por não concordar com a medida extrema (a Albânia estava se retirando da aliança naquele ano, depois de ter rompido relações diplomáticas com a URSS em 1961).

O tratado foi renovado em abril de 1985 por mais 20 anos, mas caducou bem antes do prazo. O colapso dos regimes comunistas na Europa e a fusão das duas Alemanhas num só país capitalista decretaram o fim do Pacto de Varsóvia, oficialmente extinto no dia 1º de julho de 1991. Seus antigos membros—entre eles a Rússia, herdeira do legado militar da União Soviética—assim como os vários países que conquistaram independência com o fim da URSS fazem hoje parte da Parceria para a Paz, programa estabelecido pelo antigo inimigo, a Otan, para estreitar os laços com a Europa Central e do Leste.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Os paradoxos do cientista do século

Dezoito de abril de 1955. Os jornais berravam, com pequenas variações, a mesma manchete: "Morreu o cientista do século!". Albert Einstein partia deixando uma revolução no pensamento humano e levando os paradoxos que o perseguiram pela vida: o pensador solitário celebrado como cidadão do mundo; o pacifista ardente cuja intuição genial resultou na bomba atômica; o homem que buscava o absoluto e encontrou a relatividade.

A figura de olhos tristes e sorriso travesso, marcada na memória popular por cabelos brancos desgrenhados e língua irreverente a mostra, morreu aos 76 anos. Cinqüenta anos antes, trabalhava como avaliador de patentes na Suíça, quando publicou os trabalhos teóricos que, somados a um outro publicado em 1916, mudariam para sempre sua vida—e nossa visão do mundo. A Teoria da Relatividade revolucionou as noções de espaço, tempo e gravitação e anunciou a equivalência entre massa e energia. Este último conceito significa que uma partícula ínfima de matéria pode ser convertida numa enorme quantidade de energia—o princípio da bomba atômica.

O pacifismo foi uma das batalhas que o humanista Einstein perdeu. No fim da década de 20, ele, judeu que até então pouco se lembrava dessa condição, passou a usar seu renome para denunciar a onda anti-semita na Europa e levantar fundos para a causa do sionismo. Com a ascensão dos nazistas na Alemanha, refugiou-se em Princeton, nos Estados Unidos. Ali tomou aquela que considerava a mais dolorosa decisão de sua vida: escreveu ao presidente Franklin Roosevelt instando-o a investir na criação da bomba atômica, antes que os nazistas o fizessem. Foi atendido. Finda a Segunda Guerra, lançou-se numa campanha infrutífera pelo desarmamento.

Outra das batalhas que perdeu, talvez a maior, foi a busca de uma relação matemática entre o eletromagnetismo e a gravitação. Seria O ponto de partida para uma lei geral de governo do universo, dos elétrons às estrelas— a chamada Teoria do Campo Unificado. Nessa cruzada, afastou-se de seus pares, cada vez mais tomados pela teoria quântica, segundo a qual no nível subatômico reina o "principio da incerteza": nada pode ser predito com precisão. Por duas vezes, publicou textos que foram mal-recebidos. Na segunda, em 1950, acusou o golpe. Passou a declarar-se "um estranho no mundo". Morreu em Princeton, do rompimento de um aneurisma na aorta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Lugar no ônibus, vaga na história

Pode um assento no ônibus assegurar o lugar de alguém na História? No caso de Rosa Parks, sim. Em 1º de dezembro de 1955, em Montgomery, no estado americano do Alabama, essa mulher de 42 anos recusou-se a ceder seu lugar a um homem. Hoje, em tempos politicamente corretos, Rosa seria chamada de afro-americana. Na época, era negra mesmo. O homem que ela deixou em pé era branco. Rosa Parks foi presa por desobedecer às leis que estabeleciam a distinção racial, mas a repercussão do caso deu origem a um boicote aos ônibus coordenado pelo reverendo Martin Luther King (1929-1968). O protesto durou 381 dias e terminou com uma decisão histórica da Suprema Corte, declarando inconstitucionais todas as formas de segregação nos ônibus.

O detalhe é que naquele dia. voltando para casa depois de um dia de trabalho, Rosa se sentou na área do ônibus destinada aos negros. Mas uma lei local determinava que, se não houvesse assentos vagos entre os reservados aos brancos (na frente do veículo), estes podiam ocupar o lugar de um negro. O movimento civil que Rosa Parks detonou é um dos mais importantes na história da luta contra o racismo nos Estados Unidos.

Montgomery foi palco das manifestações mais dramáticas. Os 48 mil negros da cidade —cerca de 75% da população—aderiram em peso ao boicote. Nas igrejas, hinos religiosos foram convertidos em "canções de liberdade".

As reivindicações eram relativamente modestas: eles queriam ser tratados com cortesia sem a obrigação de ceder lugar aos brancos, e pediam a contratação de motoristas negros. As autoridades não os atenderam.

A reação nada teve de pacífica. Houve casos de constrangimento policial e bombas explodiram em casas de líderes negros. A batalha, no entanto, seria ganha e marcaria o nascimento de uma liderança negra fundamental. O pastor batista Martin Luther King, na época com 26 anos, faria história a partir dali, até ser derrotado pela violência que ele repudiava como instrumento de luta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Vladimir Nabokov inventa ninfeta

No fim dos anos 40, os originais de um romance cumpriam sua via-crúcis pelas editoras americanas, colhendo rejeição atrás de rejeição. Até aí, nada de mais. Considerado porno- gráfico nos Estados Unidos, o livro acabou publicado em 1955 por uma editora parisiense especializada em baixaria e, aí sim, a história fica chocante. O nome do livro é "Lolita", de Vladimir Nabokov. Pouco depois de sair ficava claro, segundo o juízo quase unânime da crítica, tratar-se de uma das obras mais criativas, rigorosas, inovadoras e tocantes do século—um exemplo de "arte pela arte". Credo de seu autor: "Estilo e estrutura são a essência (...); grandes idéias não passam de lixo".

"Lolita" narra a paixão de um sofisticado imigrante europeu de meia-idade por sua enteada, uma pré-adolescente. O curioso é que a menina, de 12 anos, se mostra muito mais diabólica do que seu assediador em matéria de sexo. Os dois percorrem a América numa história de transgressão construída sem termos obscenos e com grande requinte literário. Nabokov enriqueceu os dicionários de várias línguas com a palavra "ninfeta", que inventou para designar Lolita. A história já teve duas adaptações para o cinema.

Nabokov não era nenhum iniciante. Russo de origem aristocrática, nascido em São Petersburgo em 1899, fugiu da Revolução Russa com a família em 1919. Como exilado, passou pela Alemanha, Inglaterra e França e começou a escrever—em russo, o que limitava o alcance de seus textos. São dessa fase os romances "Mashenka", "A defesa" e "O presente".

Em 1940, Nabokov emigrou para os Estados Unidos e, depois de um período árduo de estudos, trocou o russo pelo inglês em sua ficção. O curioso é que, talvez por seu distanciamento de estrangeiro , escrevia em inglês com uma propriedade e um brilho que poucos americanos poderiam desafiar. Produziu então "A vida real de Sebastian Knight" (1941) e Bend sinister" ("Dobrar a esquerda", 1947), sem qualquer sucesso comercial. Naturalizado americano desde 1945, Nabokov sobrevivia dando aulas de russo, inglês e tênis; sua mulher, Vera Slonim, era tradutora. A partir de 1948, tornou-se professor de russo e literatura européia na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, onde permaneceria por dez anos.

Depois de "Lolita", Vladimir Nabokov abandonou a sala de aula para se dedicar a literatura e as borboletas (publicou 18 trabalhos científicos de entomologia). Outros romances incluem "Gargalhada na escuridão", "Somos todos arlequins" e "Ada'. Em 1959, mudou-se para um hotel na Suíça, onde ficaria até morrer, em Montreux, em 2 de julho de 1977.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Junto com a saia, sobe o mito MM

A cena faz parte de qualquer antologia do cinema. Marilyn Monroe e Tom Eweli passeiam pela calçada e conversam despreocupadamente numa noite quente de verão. De repente, o metrô passa e o vento que sobe pelo respiradouro na calçada levanta a saia de Marilyn, expondo suas pernas para o mundo todo e acabando com seu casamento com o jogador de beisebol Joe Di Maggio, que estava nas filmagens e não gostou nada do que viu. E o momento mais marcante de "O pecado mora ao lado", produção de 1955, dirigida por Billy Wilder, que tratava de infidelidade conjugal num momento de extremo moralismo na sociedade americana.. Após o estrondoso sucesso do filme e o elogio da crítica, o maior símbolo sexual do cinema deixaria sua produtora, a Fox, para passar um ano estudando arte dramática no Actor's Studio, de Nova York, de onde tinham saído nomes como Marlon Brando e Montgomery Cliff.

Um dos primeiros filmes rodados em CinemaScope, técnica que projetava uma imagem mais larga, "O pecado mora ao lado" custou US$ 2 milhões e rendeu o triplo. Extraído de uma peça de grande sucesso na Broadway, de autoria de George Axelrod, também co-autor do roteiro ao lado de Billy Wilder, a trama fala do momento em que as esposas e filhos dos homens de Manhattan viajam de férias e deixam seus maridos em casa, repletos de desejos ocultos e reprimidos.

Tom Ewell, um ator de comédias inexpressivas, faz o papel de Richard Schermann um editor de livros cheio de imaginação, que se vê às voltas com uma vizinha ingênua, de voz sussurrante e vestido colado ao corpo. O título original em inglês, "The seven year itch", é uma referência à estranha coceira que—segundo uma crença muito difundida na época —perseguiria os maridos após sete anos de casamento. Esse é exatamente o caso de Shermann. O filme apresenta uma rebuscada metáfora para o adultério, muito mais sugerido do que realizado na trama.

Marilyn Monroe já era conhecida por filmes como "Os homens preferem as louras" e "Tormentas de paixão", mas foi a parceria com Billy Wilder que consolidou de vez sua explosiva mistura de sedução e ingenuidade como uma marca registrada. Ela voltaria a trabalhar com o diretor naquele que, para muitos, é seu melhor trabalho, a comédia "Quanto mais quente melhor", com Jack LemnTon e Tony Curtis, em 1959.

"O pecado mora ao lado" tem outros momentos marcantes além da saia voadora, como a cena inicial dos índios infiéis de Manhattan; a participação do zelador vivido por Robert Strauss, que sempre aparece na hora errada; e a doentia imaginação do personagem de Ewell, que vê traição por todos os cantos. Com tanto bom humor e um símbolo sexual de primeira grandeza, a pergunta feita pelo personagem de Marilyn durante a famosa cena do metrô pode ser aplicada ao filme, uma das maiores bilheterias da Fox nos anos 50: "Não e uma delicia?".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

A morte lhe cai bem

Hollywood tinha acabado de estender o tapete vermelho para James Dean, abrindo-lhe um caminho de fama e estrelato, quando um acidente de carro o matou. No dia 30 de setembro de 1955, exatamente às 17h59, segundo a detalhista perícia policial, o Porsche Spider prateado de Jimmy chocou-se contra outro carro na estrada de Salinas, perto de Paso Robles, na Califórnia. James Dean morreu na hora, e, de acordo com Humphrey Bogart, um de seus ídolos, "no momento certo". "Se tivesse vivido, não teria conseguido fazer jus à imagem e à lenda criadas pela publicidade", disse o astro de "Casablanca". Vivo, James Dean era um artista promissor. Morto aos 24 anos, virou um mito idolatrado com minúcias mórbidas: até as ferragens de seu carro foram postas em exibição, enquanto sua imagem era vendida em uma série de produtos.

Até aquela tarde trágica, o público só o tinha visto brilhar nas telas em "Vidas amargas" ('East of Eden"), adaptação do romance de John Steinbeck em que Dean vive um jovem torturado. O diretor Elia Kazan tinha trazido o ator do Actor's Studio, escola nova-iorquina de onde saíram. entre outros, Paul Newman e Marlon Brando. Até então, Dean tinha feito alguns papéis na Broadway e umas poucas pontas no cinema. Mas seu carisma na tela era tão grande que, antes mesmo de "Vidas Amargas" ser lançado, o chefão do estúdio, Jack Warner, já fechava com ele um contrato de sete anos.

James Dean só teve tempo de cumprir sete meses, trabalhando em mais dois filmes: "Juventude transviada" ("Rebel without a cause") e "Assim caminha a Humanidade" ("Giant"). O primeiro foi lançado um mês após sua morte e causou comoção, não só pela perda recente, mas pelo papel que Ihe cabia: o do adolescente revoltado Jim Stark, gue premonitoriamente libera sua frustração em corridas de carros. O papel contribuiu para transformá-lo em símbolo da juventude dos anos 50. O segundo, lançado um ano depois, mostrava no fim o personagem de Dean envelhecido, como o ator jamais seria.

As pessoas mais próximas já tinham previsto isso. "É belo demais para suportar o envelhecimento. Desaparecerá antes", profetizara Kazan. Nascido James Byron (homenagem da mãe ao poeta romântico inglês) Dean em Marion, pequena cidade de Indiana, ele ficou órfão de mãe aos nove anos e foi educado pelos tios, até que decidiu tentar a sorte em Nova York. Reservado e agressivo, vestia-se sempre com jeans e casaco de couro. Bissexual num tempo em que não existia a idéia de "assumir", não ligou para o que os outros iriam dizer quando fez cena pública de ciúme no casamento da atriz Pier Angeli, que o abandonara. James Dean foi um jovem igual a tantos outros, mas é um mito como poucos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Herbert Marcuse antecipou 1968

Poucos livros acadêmicos terão tido tanto impacto sobre a vida de multidões quanto "Eros e civilização", publicado pelo filósofo alemão Herbert Marcuse, um judeu que fugira da Alemanha em 1934 e que, na época, era professor em Berkeley, nos Estados Unidos. É verdade que a bomba não explodiu imediatamente. Seria preciso aguardar até a segunda metade dos anos 60 para que o complexo 'Eros e civilização", com sua mistura de Marx, Freud e Hegel, fosse transformado no livro de cabeceira de uma geração: aquela que tentou fazer uma revolução comportamental a partir das universidades. Marcuse emprestou credibilidade intelectual a geração 68. E a geração 68 deu a Marcuse uma projeção que ele, até aquele momento, não tinha.

Mais tarde acusado de ingênuo e utópico "Eros e civilização" faz uma hábil releitura de Marx e Freud em que o pensamento de um joga novas luzes sobre o do outro. A repressão sexual, assim, estaria na raíz da repressão política, uma não podendo ser compreendida— ou eliminada, como desejavam o autor e seus seguidores—sem a companhia da outra. Nada a ver com o marxismo como ele fora aplicado na União Soviética, é claro: embora Herbert Marcuse fosse visto como comunista nos Estados Unidos, era acusado pelos comunistas de contra-revolucionário. Era evidente que os anos 50 não estavam preparados para compreendê-lo. Já os 60...

De filósofo a ativista político, quando suas idéias entraram na moda, Marcuse foi um dos maiores estimuladores das ocupações pacíficas promovidas por estudantes em lugares públicos, como forma de resistência ao poder —"resistência até o ponto da subversão", segundo suas palavras. Acabou se tornando o último espécime de uma linhagem extinta: a do teórico que põe a mão na massa para, politicamente, tentar provar suas teses. Marcuse não queria mudar a filosofia. Queria mudar o mundo. As duas últimas décadas do século, mais cínicas e pragmáticas, já não teriam lugar para essa espécie de pensador. Morreu em 1979, aos 81 anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Um uivo em São Francisco: Beat !

Numa noite fria de novembro de 1955, as paredes da Six Gallery, em São Francisco, norte da Califórnia, ecoaram a voz de um poeta franzino de Nova Jersey, Allen Ginsberg, 29 anos, que por trás de seus óculos lia em público pela primeira vez um longo poema composto numa única tarde. O nome do texto era "Howl" ("Uivo") e, poucos anos depois, o simples fato de ter estado presente aquele recital na Six Gallery bastaria para emprestar a qualquer pessoa uma aura de lenda.

Não era para menos "Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome histéricos nus/ arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa", assim começava "Uivo", concentrando tudo o que constituía o movimento literário existencial conhecido como Beat. Ginsberg soltava para o país ouvir—e, em pouco tempo, o mundo inteiro—um uivo que era contra o conformismo da sociedade americana nos anos 50 e a favor de uma corajosa antecipação de experimentações comportamentais que só se tornariam disseminadas entre os jovens mais de dez anos depois—drogas, sexo livre, nomadismo, busca de novo sentido para a existência em crenças orientais ou indígenas, recusa em bloco da sociedade industrial e sua lógica competitiva.

Ginsberg não seria o nome mais famoso da turma Beat. Depois que o caminho foi aberto por "Uivo"—objeto de uma ruidosa batalha judicial antes de ter sua veiculação assegurada pela Suprema Corte—esse posto estava destinado a Jack Kerouac, que dois anos depois lançaria "On the road" ("Na estrada"), um romance autobiográfico. A prosa de Kerouac atingiu milhões em pouco tempo e o tornou um dos autores mais cultuados pelos hippies dos anos 60. No entanto, era Ginsberg—que compunha o grupo com Kerouac, William Burroughs, Gregory Corso e Gary Snyder, entre outros—com seus versos urgentes, sujos e, ao mesmo tempo, irretocáveis, o mais cintilante talento literário daquele bando.

"América eu Ihe dei tudo e agora não sou nada. / América dois dólares vinte e sete centavos 17 de janeiro, 1956. / América não agüento mais minha própria mente", escreveu Ginsberg depois de "Uivo", no poema "América''. Em pouco tempo, como todos os rebeldes, os beats teriam sido devidamente assimilados, suas roupas imitadas, suas viagens refeitas por seguidores em busca de uma glória de segunda mão. Mas Ginsberg continuaria escrevendo grande poesia—e defendendo causas radicais, contraculturais, ecológicas, gays etc. —até morrer, em 1997.

 

 

 

 

 

 

 

 

1955

Começam os 50 anos em cinco

A vida política brasileira vinha de uma série de tumultos, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e o ataque de coração que impediu Café Filho de completar o mandato, quando Juscelino Kubitschek de Oliveira, 53 anos, venceu as eleições de 1955. A aliança PSD-PTB e o apoio dos comunistas deram a Juscelino mais de um terço dos votos, vitória desafiada por rumores de golpismo e manchetes virulentas na imprensa conservadora.

Era um mineiro simpático de sorriso largo, médico de formação e democrata por convicção. Assim que tomou posse, em janeiro de 1956, suspendeu o estado de sítio e a censura e deu início a uma era de euforia desenvolvimentista inédita no Brasil. Nenhum outro presidente foi a tantas inaugurações de obras como ele, que conferia pessoalmente a realização dos objetivos detalhados em seu Plano de Metas, sintetizado no slogan "50 anos em 5".

Dividido em cinco áreas, o plano deu certo em três: energia, transporte e indústria de base. Os investimentos em educação e agricultura foram insuficientes. As trinta metas originais somou-se mais uma: a construção de Brasília. A nova capital surgiu no tempo recorde de três anos e dez meses e foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Junto com ela foi construído um "cruzeiro de estradas" ligando a capital a todas as regiões do país—rotas que seriam usadas pelos milhares de automóveis que Willys, Volkswagen, Vemag, Simca e Toyota começavam a fabricar aqui.

O surto foi sustentado pelo capital estrangeiro. Vieram inflação e aumento da dívida externa, que praticamente duplicou. Depois de passar a presidência a Jânio Quadros, JK elegeu-se senador por Goiás, em 1962, mas teve o mandato cassado pelo movimento militar de 1964. Exilado, voltou ao Brasil nos anos 70 para formar uma frente pela democratização com o ex-inimigo que mais bradara contra sua posse, Carlos Lacerda. Morreu em 1976 num acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, sobre o qual circularam rumores, nunca confirmados, de que teria sido provocado.

Fonte: O Globo - Texto integral