Em 1997 as principais manchetes foram estas:

Clonagem deixa a ficção e amplia os limites da ciência

‘Tigres’ perdem as garras e os dentes

Governo vende para fazer caixa

Robô pesquisa em ritmo de samba

Fanáticos pegam carona em cometa

Dois exemplos de solidariedade

O adeus trágico da princesa do povo

Um brasileiro na lista dos ‘top ten’

Fim de carreira para um craque

Chega a vez dos independentes

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1997

Clonagem deixa a ficção e amplia os limites da ciência

Ela nasceu no final de uma tarde de verão, num vilarejo rural, e aparentemente era idêntica às milhares de outras ovelhas que passam seus dias balindo nos campos da Escócia. Mas Dolly era um clone. O primeiro clone de um mamífero adulto do mundo e a primeira tentativa humana bem sucedida de brincar de Deus. A ovelha gerada sem sexo entrou para a história e se tornou uma celebridade. Dolly virou assunto de bar e brinquedo de Natal. Fez teólogos e filósofos discutirem a essência do ser humano e os limites da ciência. Abriu caminho para um mundo tão surpreendente quanto o surgido na imaginação de Aldous Huxley, e semeou o medo real dos clones humanos.

Dolly passou seus primeiros meses de vida no anonimato. O mundo só soube de sua existência em 27 de fevereiro de 1997, quando a revista britânica "Nature", uma das bíblias da ciência mundial, estampou sua foto na capa. Até aquele dia, clonagem era assunto de ficção científica. Coube aos criadores de Dolly, o inglês especialista em reprodução lan Wilmut e sua equipe do Instituto Roslin, nas cercanias de Edimburgo, a façanha de romper as leis da natureza e tornar os clones um dos principais feitos da ciência neste século.

A ovelha com nome de cantora country encontrou lugar no primeiro time da ciência, num século que viu o homem chegar a Lua, ao desvendar os pilares da estrutura fundamental da matéria e da vida.

Dolly foi o primeiro mamífero clonado a partir do DNA extraído de uma célula não reprodutiva de um animal adulto. Ela é clone de uma ovelha de 6 anos, uma idade considerada avançada. O DNA de uma célula da mama da ovelha que Wilmut queria clonar foi isolado e implantado num óvulo de outra ovelha, cujo próprio núcleo (com o DNA dentro) havia sido retirado, o óvulo e o DNA foram fundidos com uma descarga elétrica. O ovo misto foi cultivado até começar a se dividir, originando um embrião. Este foi implantado no útero de uma terceira ovelha, usada como mãe de aluguel.

Wilmut fez 277 tentativas até conseguir o clone, na prática uma gêmea idêntica à ovelha dona do DNA. No início, desconfiou-se que Dolly não fosse um clone legítimo. Mas Wilmut e seus colegas voltaram ao laboratório e provaram que estavam certos. Mais do que isso uma legião de clones mostrou que a clonagem pode até dar lucro e, principalmente, causar polêmica, caso usada em seres humanos.

Hoje, não são poucos os especialistas que admitem a possibilidade de um clone humano ter nascido em algum laboratório de fertilização in vitro. O método que produziu Dolly, e que depois foi aperfeiçoado por outros cientistas, é parecido com as técnicas em uso em clínicas de bebês de proveta, e não há grande barreira técnica que impeça seu uso em seres humanos. Essa certeza fez muita gente temer a concretização do pesadelo exibido no filme "Meninos do Brasil", no qual um exército de clones nazistas tenta dominar o mundo.

No inicio, ninguém ousava admitir fazer um clone humano. Mas poucos meses depois do aparecimento de Dolly, Richard Seed, um dos pioneiros da reprodução assistida nos Estados Unidos, disse que clonaria bebês para casais interessados. Seed, que hoje já perdeu o prestígio, não foi levado a sério pela comunidade cientifica. Mas dificilmente demorará até que o primeiro bebê clonado seja apresentado. Mesmo porque, em 1998, sul coreanos revelaram ter clonado um embrião humano e deixado que vivesse por poucos dias, quando ainda era um aglomerado de células.

Ainda mais impacto do que a experiência sul-coreana causou o anúncio, em 1999, de que uma empresa de biotecnologia americana não só tinha criado um embrião clonado, meio humano, meio vaca, como pretendia usar seu método para fazer órgãos sob medida. A Advanced Cell Therapeutics (ACT) disse que fundiu óvulos de vaca (mais fáceis de obter do que os humanos) com o DNA extraído de células de pele da perna de um de seus cientistas. A ACT garantiu que não pretendia implantar os embriões em mulheres e que o objetivo era obter células para, no futuro, fazer fígados e outros órgãos a partir do próprio DNA de pessoas que precisassem de transplantes.

Menos polêmico do que a experiência da ACT e o uso da tecnologia de clonagem para obter grandes quantidades de células, sem que seja preciso formar embriões propriamente ditos. Se as pesquisas cumprirem o prometido, Dolly terá sido o primeiro passo para uma revolução nos transplantes. Até 2010, acreditam especialistas, será possível clonar órgãos humanos e produzir quase qualquer órgão por encomenda, sem risco de rejeição.

Um pequeno exército de clones já veio ao mundo. Embora a tecnologia esteja longe do ideal, empresas sonham em criar fábricas de animais clonados geneticamente modificados, que poderiam funcionar como farmácias vivas. Em 1997, o próprio Instituto Roslin apresentou Polly e Molly, ovelhas clonadas de células de feto e que tem genes humanos. Depois disso, nasceram nos EUA, Europa e Japão clones de ovelhas, camundongos e vacas. O Brasil tenta fazer seus próprios clones, no caso a partir de embriões de vacas (método mais simples do que a clonagem de adultos).

Os bezerros americanos Charlie e George, o alemão Uschi, a bezerra francesa Marguerite e um rebanho de 18 clones japoneses deram a pecuaristas a esperança de fazer rebanhos de primeira linha com cópias exatas de seus melhores animais. Há quem sonhe até mais alto e pense em trazer de volta à vida espécies extintas. Em outubro de 1999, uma equipe internacional desencavou um mamute de 23 mil anos na Sibéria e anunciou o plano de recuperar o DNA do animal para cloná-lo, usando uma elefanta como mãe de aluguel. Está em curso, na China e nos EUA, uma tentativa de salvar o panda da extinção com a clonagem.

A própria Dolly voltou as manchetes, ao dar a luz duas vezes. Os filhotes, quatro ao todo, foram concebidos por meios naturais, isto é, com a participação de um carneiro. Eles são normais, provaram que clones são férteis e, aparentemente, vivem bem. Mas já se sabe que os dias de glória de Dolly estão para acabar. Wilmut admitiu que sua ovelha parece envelhecer mais depressa do que o normal. Ela é cópia de um animal velho e ninguém é capaz de apostar quanto viverá.

A esperança pode estar em Second Chance, um bezerro branco e forte, clonado a partir das células de um touro que morreu de velho. O bezerro nasceu em agosto de 99, no Texas, e seus donos viram nele a chance de ter de volta o touro Chance, morto aos 21 anos, idade que, para bovinos, é equivalente a de uma pessoa de 88 anos. Chance, o mais velho animal a ser clonado, era um campeão e ganhava dinheiro para seus dono em exibições. Se Second Chance crescer saudável, mostrara que os clones não derrubaram só as leis do nascimento, mas também superaram a velhice.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

‘Tigres’ perdem as garras e os dentes

Tudo corria bem para os "Tigres Asiáticos" —apelido dos países do Sudeste Asiático, cuja economia vinha apresentando impressionante desempenho desde os anos 60. O sucesso, primeiramente, de Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura, seguido depois pelo de Tailândia, Indonésia, Malásia e, em seguida Filipinas e Vietnã, se refletia, principalmente, no aumento das exportações de bens de consumo para a América do Norte, Europa e o resto da Ásia, com ênfase em roupas, produtos eletrônicos em geral e computadores em particular. Os ingredientes mais importantes da bem-sucedida receita eram as elevadas taxas de poupança e investimento, mão-de-obra qualificada resultante da alfabetização em massa e salários baixos.

Em meados da década de 90, porém, os salários haviam aumentado muito, a ponto de prejudicar a competitividade. A China, com salários menores, logo entrou no páreo, abocanhou boa parte do mercado, e as exportações dos "Tigres" caíram. Com a globalização —a cada vez maior integração das economias nacionais, que se abrem à medida que caem as barreiras ao fluxo internacional de mercadorias e capitais—a situação se agravou: os crescentes déficits comerciais causaram a fuga de capitais externos, a especulação subiu,

o sistema bancário balançou e a economia entrou em crise. A partir de julho de 1997, os "Tigres" foram obrigados a desvalorizar as suas moedas.

Quem deu a partida, no dia 2, foi a Tailândia, que desvalorizou o baht 20% em relação ao dólar. No dia 8, o governo da Malásia precisou intervir para segurar o ringgit. Nove dias depois, Cingapura desvalorizou o seu dólar, e o peso filipino se desestabilizou. Em agosto, chegou a vez da rupia indonésia, e em outubro a do dólar de Taiwan. Nesse mesmo mês, como conseqüência, a bolsa de Hong Kong despencou, e em novembro o won coreano atingiu o seu pior nível de desvalorização. A crise, inclusive, já afetava a até então inexpugnável economia do Japão, onde aumentou o número de falências mesmo de grandes empresas.

Taiwan, Indonésia e Coréia do Sul precisaram recorrer ao Fundo Monetário Internacional, e por toda aquela parte da Ásia as economias foram fortemente abaladas. Fábricas diminuíram a produção ou foram fechadas, a quantidade de falências cresceu assustadoramente, bancos perderam bilhões de dólares em depósitos e a inflação disparou em alguns países. O desemprego virou uma triste realidade, com prejuízo maior para a mão-de-obra estrangeira os mais de três milhões de trabalhadores da Índia, Bangladesh e Mianmar (ex Birmânia), entre outros.

A crise asiática respingou no Brasil, que foi o país latino-americano mais afetado por ela. Para evitar a mesma fuga de recursos externos, o Governo elevou os juros para mais do dobro. Esse aumento, no entanto, acabou provocando uma forte desaceleração da economia brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Governo vende para fazer caixa

Apesar das críticas, dos protestos, das manifestações e das liminares na Justiça, 1997 acabou sendo o ano das privatizações no Brasil. O Governo Federal arrecadou mais de US$ 4 bilhões com a venda de várias de suas empresas, e, a partir daí, também se intensificaram as privatizações nos âmbitos estaduais. A reação mais rumorosa, proporcional ao tamanho da estatal, ocorreu contra a venda da Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo. Em um ato público realizado na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, o senador Darcy Ribeiro protestou contra a venda do que chamou de "a mãe das indústrias do Brasil". Nesse ano, além da Vale, encerrou-se a desestatização da RFFSA, a Rede Ferroviária Federal, e foi feita a primeira venda do setor financeiro, com a privatização do Banco Meridional do Brasil. Também foram privatizados , no mesmo período, grande parte do setor elétrico, o Banerj e o Metrô do Rio.

A onda de privatizações no Brasil começou na década de 80, quando houve a "reprivatização" de empresas que haviam sido absorvidas pelo Estado, na maioria por causa de problemas financeiros, pois o Governo não queria ampliar ainda mais a sua presença no setor produtivo. Em 1990, já como parte das reformas econômicas implementadas pelo país, foi criado o Programa Nacional de Desestatização (PDN) e, no ano seguinte, iniciou-se a desestatização do setor siderúrgico, com a venda da Usiminas. A partir de 1995, com o Governo Fernando Henrique Cardoso, o programa, a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ganhou prioridade e iniciou-se uma nova fase.

Agora, o objetivo era o de fazer caixa, visando ao financiamento do déficit público. Com a chamada—pelos opositores—"privatização desenfreada", os serviços públicos também começaram a ser transferidos para o setor privado. Dois anos depois, teve inicio o processo de privatização do setor de telecomunicações, com a licitação para as concessões de telefonia móvel para três áreas do território nacional, e a aprovação da Lei Geral de Telecomunicações, que possibilitaria, em 1998, a venda das 12 holdings criadas a partir da cisão do sistema Telebrás.

Todas essas transações foram facilitadas pelo ingresso no país de capitais dos fundos de investimentos, carteiras que reúnem pessoas físicas e jurídicas para aplicar o seu dinheiro em empresas por todo o planeta. Atingindo um crescimento vertiginoso, em 1997— por causa do aumento das transações eletrônicas, uma das pedras-de-toque da chamada globalização—cem fundos internacionais foram criados para aplicar dinheiro em mercados emergentes da América Latina, em especial no Brasil, um país que se voltava a ser atraente aos olhos dos investidores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Robô pesquisa em ritmo de samba

Sem ter como desviar a atenção humana dos problemas aqui na Terra, a Agencia Espacial Americana (Nasa) e seus milionários projetos caíram, por um bom tempo, numa espécie de ostracismo. No dia 4 de julho de 1997, no entanto, data da independência americana, os engenheiros da missão Mars Pathfinder, entre eles uma brasileira, puderam recuperar um pouco do prestígio da outrora gloriosa agência. Não eram os homenzinhos verdes que muita gente esperava, mas as imagens de Marte transmitidas ao vivo pela TV e pela Internet impressionaram pela nitidez. Vinte e um anos depois de as naves Viking pousarem no planeta e tirarem fotos em preto e branco, o ágil robô Sojourner trazia imagens tridimensionais de um solo arenoso, vermelho, e com estranhas formações rochosas, que logo receberam apelidos como Scubidu, Zé Colméia e Twin Peaks.

As rochas e montes que o Sojourner analisava (o nome do robô foi uma homenagem a Sojourner Truth, ativista negra que lutou pelo fim da escravidão durante a Guerra de Secessão) comprovaram que um dilúvio suficiente para encher dez rios Amazonas arrastou partes inteiras do solo marciano, há milhões de anos. Mesmo sem comprovar a existência de vida, as imagens do relevo, formado de planaltos entre montanhas de até 16 mil metros de altitude, foram visitadas por 100 milhões de pessoas, na página da Nasa na Internet, nos quatro primeiros dias da missão, avaliada em US$ 266 milhões.

O robô, pesando 10 quilos e do tamanho de um forno de microondas, foi a primeira máquina (pelo menos fabricada por terráqueos) a se locomover em solo marciano. A nave "Mars Pthfinder", depois rebatizada de "Carl Sagan", em homenagem ao astrônomo americano morto naquele ano, percorreu 190 milhões de quilômetros em sete meses. Após um mês de coleta do solo marciano, O robô deu por concluída a sua missão. Como ele era despertado por música, a brasileira Jaqueline Lyra, engenheira que participou do projeto, escolheu, para "acordá-lo", no dia 11 de julho, a música "Coisinha do pai", sucesso na voz de Beth Carvalho, nos anos 70, e que se tornou o primeiro samba interplanetário da história.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Fanáticos pegam carona em cometa

Poucas imagens foram tão espantosas, em 1997, quanto a expressão alucinada do professor de música Marshall Applewhite, com os olhos esbugalhados. O carismático líder da seita Heaven's Gate (Portal do Paraíso), uma espécie de pastor extraterrestre que acreditava ser a reencarnação de Jesus Cristo, deixou registrados, numa fita de vídeo, os detalhes da estranha viagem que ele e mais 38 membros da seita fariam. Quando a fita chegou as mãos de seu destinatário, um ex-participante da Portal do Paraíso, já era tarde. No dia 26 de março, a polícia invadiu a rica mansão dos fanáticos, em San Diego, na Califórnia, e verificou que os corpos já estavam em estado de putrefação. Segundo a mensagem deixada, todos tinham partido para uma nave espacial próxima ao cometa Hale-Bopp, visível aos terráqueos somente a cada 4.200 anos.

No maior suicídio coletivo no território dos Estados Unidos, os 18 homens e 21 mulheres encontrados em camas na mansão tinham entre 26 e 72 anos, estavam vestidos de preto e cobertos com um véu triangular roxo. Bolsas de viagem, devidamente arrumadas, estavam ao lado das camas. Os exames indicaram que as mortes foram provocadas pela ingestão de uma mistura de álcool com o barbitúrico fenobarbital, um coquetel que os suicidas não ingeriram simultaneamente, mas em pequenos grupos, ao longo de uma semana. Não havia marcas de violência nos corpos e todos usavam o mesmo corte de cabelo, tipo escovinha. Documentos encontrados com os mortos revelaram que vieram de vários lugares dos Estados Unidos e que a maioria tinha formação universitária.

Fundada na década de 70 por Applewhite e uma enfermeira conhecida por Bonnie Lu, a seita tinha seguidores por todo o país e misturava elementos cristãos e de ficção cientifica. Homossexual que rejeitava a homossexualidade, 65 anos e filho de um pastor protestante, o líder do Portal do Paraíso pregava uma imortalidade andrógina e um ideal de pureza sexual—tinha sido castrado há algum tempo. Em solidariedade ao líder, pelo menos 15 dos suicidas homens encontrados na mansão também haviam sido castrados. A prática, segundo alguns médicos, teria como finalidade tornar os seguidores mais dóceis, menos resistentes e mais submissos.

Os membros da seita mortos eram donos da empresa de informática High Source Web Design, faziam páginas na Internet para empresas e utilizavam a rede para divulgar sua estranha doutrina. provavelmente para garantir uma viagem sem contratempos até o cometa, eles tinham, em uma firma inglesa, um seguro contra abdução por extraterrestres.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Dois exemplos de solidariedade

Foi em 10 de setembro de 1946, num trem repleto de famintos e doentes, que Madre Teresa de Calcutá recebeu, segundo ela, "o chamado para renunciar a tudo e seguir o Cristo nos subúrbios, para servir entre os mais pobres dos pobres". Quarenta e sete anos depois, a alguns milhares de quilômetros da cidade indiana, núcleo do imenso trabalho de Madre Teresa em favor dos pobres, o brasileiro Herbert de Sousa, o Betinho, liderava uma das maiores campanhas de solidariedade em seu país, através da Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida. Quando os dois morreram, em 1997, deixaram não apenas significativos exemplos de amor ao próximo, mas a consciência de que, numa época de capital cada vez mais concentrado, o fim da miséria ainda é o grande desafio da Humanidade.

Madre Teresa de Calcutá morreu vítima de um infarto, aos 87 anos, no dia 5 de setembro, menos de um mês depois da morte de Betinho, que perdeu a batalha de onze anos contra o vírus da AIDS em 9 de agosto. Nascida na Albânia, a frágil figura de Madre Teresa, vestida sempre com o sari branco e azul, deixou sua Ordem das Missionárias da Caridade presente em mais de 100 países, inclusive o Brasil. A dedicação total aos pobres fazia com que entregasse à Ordem todo o dinheiro que Ihe chegava às mãos, como os US$ 192 mil do Prêmio Nobel da Paz, em 1979. Seu enterro, em 10 de setembro (exatos 51 anos depois da viagem de trem que mudou sua vida) foi digno de uma chefe de Estado, embora ela tivesse uma opinião definida em relação ao poder público: "Não me envolvo em questões sobre o que os governos devem ou não fazer".

Posição bem diferente da assumida pelo mineiro Betinho, que trabalhou no Governo João Goulart e teve intensa participação política. Depois do golpe, do exílio e da anistia, Betinho, hemofílico como os irmãos—o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, também mortos em conseqüência da AIDS—descobriu em 1986 ter o vírus HIV, adquirido em transfusão de sangue. Dirigiu o Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas, lutou pela reforma agrária, contra a venda de sangue, e liderou a campanha contra a fome, que mobilizou o país inteiro.

Seu velório, na Assembléia Legislativa do Rio, teve a presença de menores de rua, políticos, artistas, agricultores, religiosos, brasileiros de todas as raças, classes e ideologias. O "irmão do Henfil", que teve o corpo cremado, conseguira galvanizar um país que só costuma se unir em Copa do Mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

O adeus trágico da princesa do povo

O verão europeu de 1997 foi especialmente solar para a princesa Diana. Desde que se separara de seu marido, o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, ela não vivia momento tão feliz. Estava apaixonada pelo namorado, o milionário egípcio Dodi Al-Fayed, que conhecera pouco tempo antes, e já havia confidenciado a amigos a intenção de se retirar da vida pública, dedicando mais tempo aos filhos, os príncipes William e Harry. Mas no início da madrugada do dia 30 de agosto, os sonhos de uma vida normal terminaram de forma trágica, num acidente de carro em Paris. O Mercedes 280S que transportava Lady Di e Dodi perdeu a direção ao entrar a mais de 160 km/h no túnel de Alma, paralelo ao rio Sena. Bateu numa das paredes, em seguida numa pilastra e capotou várias vezes.

O motorista e Dodi morreram na hora. Diana, semiconsciente, foi retirada das ferragens e levada ainda com vida para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos—com o impacto da batida, seu cérebro chacoalhou na caixa craniana, o pulmão e o coração foram perfurados, várias costelas quebradas. O mais grave: o rompimento de uma veia pulmonar provocou uma hemorragia que os médicos não conseguiram estancar. As 4h da manhã, os médicos do hospital La Pitie Salpetriere declararam a morte, aos 36 anos, de Diana Spencer, a princesa que dera uma lufada de ar fresco na mofada monarquia britânica.

A consternação foi imensa. Imediatamente, procuraram-se culpados para o acidente. Os primeiros na lista foram os paparazzi, fotógrafos de celebridades que tinham na carismática e bela Diana um prato sempre saboroso para oferecer à imprensa sensacionalista. Naquele dia. eles estavam de prontidão na porta do luxuoso Hotel Ritz, propriedade da família de Dodi (também dona da célebre loja Harrod's, em Londres). Seguiram-na quando ela foi às compras à tarde, fizeram com que o casal desistisse de jantar fora e tiveram a persistência premiada quando Dodi e Diana saíram do hotel em direção ao apartamento dele. Os paparazzi que seguiam o Mercedes chegaram a ser indiciados pela polícia, como causadores da batida, mas não houve maiores conseqüências, exceto o fato de terem despertado um amplo debate sobre o direito a privacidade de figuras públicas.

Por ter se divorciado, Diana não tinha direito a um funeral com pompas reais. Mas a comoção popular foi tão grande que mesmo a rainha Elizabeth II, que não sentia afeição especial por ela, viu-se pressionada a fazer um pronunciamento oficial. No final, o funeral da princesa tornou-se uma cerimônia solene, assistida por cerca de 2.000 convidados na Abadia de Westminster pela multidão nas ruas e por cerca de 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo, através da televisão. O ponto alto foi o discurso do irmão, Charles Spencer. Na elegia a Diana, alfinetou a monarquia—"dotada de uma nobreza natural, não precisava de um título para expressar sua magia"—e arrancou palmas da multidão. Diana foi enterrada em Althorp, na propriedade dos Spencer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Um brasileiro na lista dos ‘top ten’

Já iam longe, para os brasileiros os tempos em que a paulista Maria Esther Bueno, ali pelo fim dos anos 50 e início dos 60, era uma das melhores do mundo (ainda não existia classificação oficial). Só em Wimbledon, ela ganhara três vezes. Desde então, o tenista mais bem colocado do Brasil havia sido Thomas Koch, um gaúcho que atingira a 243 posição do ranking em 1968: de lá para cá, o único destaque ficara para o inédito 4º lugar de Fernando Meligeni nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996.

Por isso o Brasil acordou em ansiosa expectativa naquele domingo, 8 de junho de 1991. Um magro e desengonçado tenista catarinense até então praticamente ignorado pela torcida e mesmo pela imprensa, iria disputar a grande final do Torneio de Roland Garros, em Paris, um dos mais famosos do Grand Slam— o conjunto dos quatro maiores campeonatos do tênis mundial. Gustavo Kuerten, o Guga— 20 anos de idade, 1,91m de altura e 76 quilos —lavou a alma dos brasileiros. Com a eficiente mão direita (ele tinha na ocasião o 17º saque mais veloz do planeta) e as bolas bem colocadas, que já Ihe haviam permitido derrotar outras feras no torneio, venceu por três sets a zero, o espanhol Sergi Bruguera, que já fora o 3° do mundo e conquistara o torneio em duas temporadas. Com esse resultado, Guga deu um salto espetacular no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais, subindo do 66° para o 15° lugar.

Apesar da surpresa o sucesso de Guga não era imprevisível. No esporte desde os 7 anos, estimulado pelo pai, tenista amador, e com inspiração no sueco Stefan Edberg e no americano Pete Sampras ele se dividia entre os estudos, o tênis e o surfe. Seu técnico de sempre, Larri Passos, assim que pôde o levou para se aperfeiçoar no exterior. Guga entrou em Roland Garros com uma ficha nada desprezível: fora o terceiro juvenil mais bem colocado no ranking em 1994, ano em que arrebatou o título de duplas ali mesmo. Em 1997, derrotara em torneios diferentes, o americano André Agassi e o sul-africano Wayne Ferreira, os dois colocados entre os melhores do mundo.

Guga também chegou lá. Ao superar o americano Michael Chang, o segundo do ranking, numa semifinal do torneio de Montreal, em 2 de agosto do mesmo ano ele passou a ocupar o 10° lugar. Pela primeira vez, um brasileiro estava entre os "top ten", os dez atletas que compõem a elite dos tenistas profissionais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Fim de carreira para um craque

Para muitos, ele é comparável a craques do nível de Pelé, Di Stefano e Puskas. Mas, se dentro do campo Diego Maradona foi capuz de fazer proezas com a bola, fora das quatro linhas a vida do argentino revelou-se um drama de final infeliz. Ele poderia ser lembrado apenas por lances geniais, como o gol feito na Copa do Mundo de 1986, vencida pela Argentina, em que driblou metade da seleção inglesa, inclusive o goleiro, antes de tocar a bola para o fundo da rede. Mas, em seu currículo, também vão contar três humilhantes casos de doping o último registrado em agosto de 1997, após o jogo entre seu time, o Boca Juniors, e o Argentinos Juniors, pelo campeonato argentino.

Diferentemente de 1991, quando o exame feito após o jogo de seu time no campeonato italiano, o Nápoli, detectou presença de cocaína, e de 1994, quando foi afastado da Copa do Mundo por utilizar a substancia efedrina, dessa vez não foi revelado o que Maradona ingeriu. Ele ainda chegou a atuar no campeonato, apoiado em uma liminar mas no dia 30 de outubro de 1997, quando completou 37 anos, anunciou pela quinta vez o fim da carreira.

Embora tenha admitido usar drogas desde 1982, os problemas para o craque argentino só começaram mesmo na década de 90. Após o doping na Itália, Maradona foi suspenso por 15 meses e, ainda em 1991, a polícia o deteve com drogas, em Buenos Aires. Julgado, iniciou um tratamento. Em 1994, o mesmo ano em que foi suspenso por mais 15 meses, após ser afastado da Copa do Mundo disparou uma espingarda de chumbinho contra jornalistas. Dois anos depois, sem condições físicas para disputar um campeonato, internou-se em uma clínica para viciados na Suíça.

Diante dos exames positivos, deu sempre a mesma desculpa: conspiração. No último caso, foi apoiado pelo amigo e empresário Guillermo Coppola, que já havia sido preso em outubro de 1996 por tráfico de drogas, além de ser suspeito de envolvimento com a Máfia. Finalmente, em 1999, em entrevista a edição argentina da revista "Rolling Stone", Maradona acabou admitindo que estava perdendo a luta contra as drogas. E desabafou: "Juro que quero acabar com isso. Como seria bom se descobrissem um remédio, uma injeção que acabasse com essa doença".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1997

Chega a vez dos independentes

Em 1997, Hollywood consagrou os independentes. Depois de décadas fazendo a alegria dos grandes estúdios, a poderosa e autocentrada Academia de Artes e Ciências Cinematográficas premiou um filme não realizado pelas majors da indústria de cinema americana.

"O paciente inglês", bancado pela produtora independente Miramax, levou na 69ª edição do Oscar nove das 12 estatuetas para as quais fora indicado, entre elas as de melhor filme, diretor, atriz coadjuvante (Juliette Binoche) e montagem, numa festa em que quatro dos candidatos a melhor filme do ano eram independentes (entre eles "Fargo", dos irmãos Coen, com sete indicações).

A história, adaptada do romance do canadense Michael Ondaatje—- vencedor, em 1992, do Booker Prize, o mais importante prêmio literário britânico—era daquelas difíceis de serem filmadas. Anthony Minghella diretor ainda desconhecido , rodou com o livro até se deparar com Sauf Zacntz, produtor de uma espécie em extinção: visionário, chegado a um desafio, ele topou produzir "O paciente inglês", um negócio de US$ 33 milhões. Para viabilizar a produção, pinçou, das várias tramas do livro, a história de amor entre dois exploradores estrangeiros no Saara, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. As filmagens no deserto, arrebatadoras, são um dos trunfos do filme.

Outro ponto alto foi a escolha do elenco, terreno no qual as relações entre Zacntz e o estúdio ao qual se associara se tornaram espinhosas. Zacntz não abriu mão de sua opção, a inglesa Kristin Scott Thomas. A 20th Century Fox, que insistia num nome mais mercadológico, cortou o investimento. O público, em compensação, foi poupado de ver Demi Moore no papel em que Kristin está tão à vontade como um camelo entre dunas de areia. É ela a inglesa que tem um romance com o conde Lazlo de Almasy (o paciente inglês do título, vivido por Ralph Fiennes). Juliette Binoche (e não Julia Roberts, como queria a Fox) é a enfermeira que cuida de Almasy depois que este sofre um acidente. A narrativa sofisticada, a mistura bem temperada de romance, guerra, traição e complicadas relações humanas, a fotografia luminosa e o elenco afiado fizeram um conjunto que conquistou público e crítica.

Fonte: O Globo - Texto integral