Em 1986 as principais manchetes foram estas:

Acidente em Tchernóbil revela o horror nuclear

Uma Europa unida e sem fronteiras

A dona-de-casa derrota Marcos

O alvo Kadafi escapa ileso

A mais improvável operação ilegal

Uma pedra no caminho da Nasa

E o boxe ganha uma nova lenda

A 'mão de Deus' ajuda a Argentina

Velho morcego, novos quadrinhos

Biografia corrigida escandaliza ONU

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1986

Acidente em Tchernóbil revela o horror nuclear

O mundo já tinha vivido 41 anos de pesadelo nuclear, sem saber que estava sonhando com a assombração errada. A velha paranóia coletiva era que algum general americano ou russo apertasse o primeiro botão, e ai em poucos minutos o planeta virasse uma grande Hiroshima. Mas a nuvem radioativa que rapidamente se espalhou por 12 países da Europa no dia 26 de abril de 1986 não tinha nada a ver com guerra. A nuvem invisível e mortal era, por assim dizer, pacifica. O desastre de Tchernóbil, três anos antes da queda do Muro de Berlim, veio mostrar ao mundo que o pesadelo nuclear e a ameaça de destruição em massa não eram mais um monopólio da Guerra Fria.

Mesmo assim, a cortina de ferro ajudou a tornar o acidente ainda mais macabro. A explosão do reator 4 da central nuclear de Tchernóbil só foi divulgada pelo Governo da então URSS 48 horas depois que a radiação começou a se espalhar pela atmosfera. E esse lapso só não foi mais longo porque a contaminação acionou os alarmes de outra usina nuclear na Suécia, a quase dois mil quilômetros de Kiev, em cuja periferia esta Tchernóbil.

A explosão do reator, causada por superaquecimento do urânio após uma pane no sistema de refrigeração, foi só o começo da tragédia. Enquanto o fogo consumia a usina, iniciou-se uma guerra de propaganda ideológica pela mídia e pelos meios diplomáticos. Quanto mais os jornais e TVs ocidentais culpavam o regime comunista pela tragédia (falava-se em centenas de mortos instantaneamente), mais o Governo soviético bloqueava informações e subestimava o acidente (admitindo só dois mortos). A polemica retardou a cooperação internacional para socorro as vitimas e para o combate ao incêndio radioativo, que só foi extinto uma semana depois.

Tchernóbil não era uma bomba e sua explosão não foi obra de nenhum general, mas sua herança é comparável a de Hiroshima. Nos primeiros dez anos, a radiação matou pelo menos dez mil pessoas. Com o tempo, leucemia, câncer de tireóide e malformação genética devem fazer mais de cem mil vitimas. De imediato, o raio de contaminação alcançou milhares de quilômetros, condenando alimentos produzidos em vários países, sobretudo no leste da Europa. O prejuízo econômico foi projetado em mais de US$ 250 bilhões.

A catástrofe de Tchernóbil, a maior já provocada pelo homem em tempos de paz, coincidiu com o inicio da abertura politica na URSS. Não ha relação de causa e efeito entre uma coisa e outra, mas a glasnost de Mikhail Gorbatchov acabou forçando o inicio de uma abertura também no hermético clube da energia nuclear. As tais 48 horas para a divulgação do acidente foram, na verdade, um recorde para o regime soviético, que em outras épocas teria varrido o fato para debaixo do tapete por muito mais tempo. Como escreveu Paulo Francis na época, "a URSS abriu Tchernóbil aos técnicos estrangeiros como nada era aberto no pais desde que Kruchov denunciou espetacularmente Stálin em fevereiro de 1956".

Numa época em que o mundo ainda não sabia se podia acreditar no pacifismo de Gorbatchov, o líder soviético surpreendeu mais uma vez ao propor, 18 dias após o acidente, que Estados Unidos e URSS se unissem para garantir o acesso as informações das usinas nucleares de todo o mundo. A iniciativa de Gorbatchov praticamente obrigou a Agencia Internacional de Energia Atômica a iniciar a quebra do sigilo de um setor historicamente alérgico a transparência. O novo inventario do risco nuclear velo mostrar que, se algo deveria tirar o sono da Humanidade, os reatores sucateados e malprotegidos pareciam uma razão mais consistente do que as bombas.

No terreno da simbologia e do imaginário coletivo, e neste período, meados dos 80, que a ideai de Apocalipse se desloca da hipótese de guerra para os cenários de catástrofe ambiental. E um tipo de ameaça mais sutil e difícil de se assimilar, pois já não se trata de o homem refrear seus impulsos destrutivos, mas de rever seus impulsos construtivos. Tchernóbil e vários outros desastres ambientais são efeitos colaterais dos avanços industriais, econômicos e científicos formidáveis que marcaram o século XX. São o lado feio do progresso, o anticlímax da cruzada pela afirmação humana sobre a Terra.

Oito meses após o acidente na Ucrânia, uma comissão chancelada pelas Nações tinidas e presidida pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, divulgou o histórico documento de alerta "Nosso futuro comum". Naquele momento, a perspectiva de colapso ambiental planetário passava definitivamente do terreno da crença e do romantismo para a agenda politica internacional.

O Relatório Brundtland, como ficou conhecido, deu legitimidade a teorias como a do efeito estufa, segundo a qual uma capa de dióxido de carbono faz aumentar gradual e desastrosamente a temperatura na Terra. Até então, pouca gente queria creditar que aquilo não fosse mais uma lenda moderna, dessas que rendem bons roteiros em Hollywood. Mas dali em diante, o homem foi obrigado a ver o petróleo—logo ele, que levou o século nas costas—como um dos vilões do futuro.

Tchernóbil foi o acontecimento decisivo de uma década que parece ter sido programada para fazer soar o alarme da degeneração ambiental. Outro dos maiores acidentes ambientais da História ocorreu dois anos antes: uma nuvem do gás isocianato de metila (usado na produção de agrotóxicos) vazou de uma fabrica da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, matando cerca de 2.500 pessoas. Mais de duzentas mil outras seriam contaminadas, ficando cegas ou com distúrbios neurológicos.

Fechando a década, em 89, o petroleiro "Exxon Valdez" despejou 50 mil toneladas de óleo cru na costa do Alasca, no maior acidente ecológico dos EUA. Os anos 80 assistiram a explosão das megacidades, a destruição da Amazônia em ritmo sem precedentes e ao assassinato de Chico Mendes (1988).

No jargão popular, a década de Tchernóbil representaria a água no chope do espirito desbravador do homem. Mas a reconciliação com a natureza (ainda que um tanto forcada) teve para uma corrente de pensadores, como o francês Felix Guattari, o significado filosófico de afirmação do planeta e de todos os seres como um organismo único e indivisível. Alinhado aos que viam nisso apenas um neo-romantismo, o ensaísta Luc Ferry perguntava ao conterrâneo Guattari se a comunhão homem/natureza não podia excluir os vírus.

Mas nenhum postulado resumira tao bem o fracasso ambiental do século XX como a herança do lixo atômico, gerado pelas centrais nucleares: mais de 130 mil toneladas de carga letal, que emitira radioatividade pacificamente por milhares de anos, e da qual a Humanidade não sabe como se livrar. Tchernóbil foi apenas a ponta visível do desastre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986

Uma Europa unida e sem fronteiras

O verdadeiro embrião do Tratado de Maastricht foi o chamado "European Single Act", (Ata Única Européia), assinado em 1986, que fez uma ampla reforma de um tratado assinado em 1957 na capital italiana. Para se chegar, porém, ao documento formalizado em 1991 na cidade holandesa de Maastricht, a união européia percorreu um longo caminho que teve no Tratado de Roma o primeiro passo para transformar a Europa numa só grande e poderosa nação. Por seu intermédio, foi criado o Mercado Comum Europeu (MCE), ou Comunidade Econômica Européia (CEE), integrado a principio por Alemanha, Franca, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Quinze anos depois, aderiram Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca; em 1981, foi a vez da Grécia; e, finalmente. em 1985, de Portugal e Espanha.

Contudo, a idéia de união entre os passes europeus sempre esbarrou em divergências. Em 1974, por exemplo, a Holanda ameaçou boicotar a unidade econômica, se ela n3O fosse acompanhada de unidade politica. Dez anos depois, houve problemas porque a Franca, a Itália e a Alemanha exigiam que a Espanha reduzisse sua produção de vinho, para evitar que o excesso de oferta baixasse os preços. E a Espanha, por sua vez, queria permissão para pescar em águas de outros países.

Superadas as questões relativas a vinhos e peixes, viria a surgir, em 1985, um anteprojeto de tratado para criar uma união politica européia, apresentado, em Paris, pela Franca e pela então Alemanha Ocidental. Britânicos, dinamarqueses, belgas, holandeses e luxemburgueses não gostaram de não terem sido consultados. Apesar dos descontentamentos, o documento seria aprovado, no ano seguinte, com o nome de "Single European Act", quando a CEE era presidida pelo francês Jacques Delors. ex-ministro das Finanças de seu pais.

As linhas gerais da Ata Única já estavam previstas no "Livro Branco", publicado após o encontro de 1985: "Eliminação das fronteiras físicas", "Eliminação das fronteiras técnicas" e "Eliminação das fronteiras fiscais". Seis anos depois, com o Tratado de Maastricht, estabeleceu-se a união politica, econômica e monetária. No plano individual, foi criado o status de cidadão europeu, e qualquer pessoa que tenha nascido em um dos países do grupo pode viver, trabalhar, votar e ser votado em qualquer outra das nações da comunidade.

Em 1995, a união, que contava com 12 países, foi ampliada, com a entrada da Finlândia, da Áustria e da Noruega. Concluído o processo de integração econômica, uma moeda única viria substituir a unidade de calculo até então utilizada nas transações econômicas. Prevista para 1997, a moeda, batizada de "euro", só passaria a vigorar em 1999, mas as notas da nova unidade monetária só deverão circular a partir de 1º de janeiro de 2002.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986

A dona-de-casa derrota Marcos

Dois presidentes da República se empossaram nas Filipinas, em 25 de fevereiro de 1986. As 11h, Corazón "Cory" Aquino, 53 anos, prestava juramento como primeira mandatária do pais, num clube dos arredores da Manila, perante um juiz da Suprema Corte. Ao meio-dia, um adoentado Ferdinand Marcos, 68 anos, montava uma patética cerimonia de nova investidura no cargo, no palácio presidencial de Malacañang, perante os correligionários remanescentes. As imagens da emissora de TV que cobria o evento logo sumiram, porque forcas rebeldes sabotaram a torre de transmissão. Estava chegando ao fim um governo ditatorial de mais de 20 anos.

A credibilidade do regime de Marcos vinha caindo desde o assassinato do marido de Corazón, o líder oposicionista Benigno Aquino, em agosto de 1983, aparentemente por militares leais ao ditador. A partir dai, a oposição filipina se uniu, a opinião pública interna e externa passou a desaprovar o Governo, os antigos aliados americanos não se mostravam dispostos a apoiar Marcos, a guerrilha comunista se fortalecia, e foram convocadas eleições para 7 de fevereiro de 1986. Contra o presidente, mais uma vez candidato a reeleição, lançou-se o nome poderoso de Corazón Aquino. Até a morte do marido, ela era uma discreta dona-de-casa preocupada em criar os cinco filhos e que, então, prometera prosseguir sua tarefa politica.

Valendo-se de resultados claramente fraudados—como o próprio presidente americano Ronald Reagan reconheceu—a Assembléia Nacional, no dia 16, proclamava Ferdinand Marcos vencedor das eleições. Corazón fomentou então uma campanha de desobediência civil, e o povo se levantou. No dia 22, o presidente recebeu um duro e definitivo golpe. Os generais Juan Ponce Enrille, ministro da Defesa, e Fidel Ramos, chefe do Estado-Maior das Forcas Armadas, se rebelaram e tomaram duas bases militares. Fuzileiros fieis a Marcos foram enviados, em dez carros blindados, para desaloja-los. Em impressionante e comovente demonstração de solidariedade, uma multidão se colocou diante dos rebeldes, para protege-los. Depois de tratadas com orações, flores e balas de hortelã, as tropas recuaram, e Marcos não conseguiu mais nenhum apoio militar.

Na noite do dia 25, ele cedeu. Protegidos pela escuridão, quatro helicópteros da Forca Aérea Americana, num ultimo gesto de cortesia com o aliado vencido, levaram Marcos, sua família e auxiliares rumo ao Havaí.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986

O alvo Kadafi escapa ileso

Americanos e líbios andavam as turras já ha algum tempo, com os Estados Unidos, a exemplo de outros países, acusando o coronel Muamar Kadafi, ditador da Líbia desde 1969, de incentivar e patrocinar o terrorismo mundo afora. Em fins de marco de 1986, no mais grave incidente entre eles até então, aviões americanos afundaram uma canhoneira Líbia e danificaram a base naval de Surt. No dia 5 de abril, um atentado a bomba numa discoteca de Berlim Ocidental matou duas pessoas, uma delas um militar dos Estados Unidos. A inteligência americana afirmou ser vingança da Líbia, e O presidente Ronald Reagan decidiu-se por uma retaliação mais violenta, que incluiria, se possível a morte de Kadafi.

No dia 13 de abril, a Comunidade Econômica Européia, cedendo claramente a pressões dos Estados Unidos, suspendeu a venda de armas a Líbia e restringiu a movimentação de seus cidadãos e diplomatas no continente. Mas ainda era pouco. Os americanos queriam dar uma lição exemplar aos líbios e eliminar seu líder. Desde 1976, porem, a lei americana proibia o assassinato de lideres estrangeiros, em quaisquer circunstancias... mas nada havia contra um ataque aéreo que "acidentalmente" matasse Kadafi.

Na noite do dia 14, decolaram de Lakenheath, base aérea inglesa usada pelos Estados Unidos, 18 bombardeiros F-III de longo alcance. Passaram ao largo do litoral da Franca, Espanha (que não permitiram que os aparelhos cruzassem seu espaço aéreo) e Portugal, contornaram Gibraltar e entraram no Mediterrâneo. Na altura do litoral da Líbia, receberam o reforço de 15 cacas A-6 e A-7, dos porta-aviões "Coral Sea" e "América". Os 33 aviões se dividiram em cinco grupos, para um ataque a três alvos na capital, Trípoli, que incluíam um quartel, o porto e o complexo militar onde Kadafi trabalhava e morava com a família, e mais dois em Bengazi: um aeroporto e uma base de mísseis.

As 2h, teve inicio o ataque. Foram 25 minutos de um intenso bombardeio, como não se via desde a Guerra do Vietnã, e sem "precisão cirúrgica". Em Trípoli, prédios residenciais e casas foram destruídos, e até embaixadas, como as da Franca e a da Suíça, tiveram a sua cota de estragos. Terminada a operação, havia no solo cerca de 40 mortos e cem feridos. Kadafi, porem, continuava vivo. Ele perdera a filha adotiva de 15 meses de idade, e dois de seus filhos menores ficaram feridos com alguma gravidade. Um F-III não retornou a base; foi derrubado pelo fogo antiaéreo, e seus dois tripulantes dados como desaparecidos.

Apenas Grã-Bretanha, Israel e Canada aprovaram expressamente o bombardeio. Na Europa, a maioria dos países protestou com veemência, temendo um recrudescimento do terrorismo, que não tardou a acontecer.

Dias depois do ataque, um americano e três ingleses, reféns de guerrilheiros no Líbano, foram executados. Bombas começaram a explodir em Londres, Paris e Viena. E os cidadãos da Europa Ocidental e, em particular, dos Estados Unidos, passaram a ser alvos preferenciais de terroristas no mundo inteiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986 

A mais improvável operação ilegal

O que poderia ligar o Ira aos guerrilheiros anti-sandinistas da Nicarágua? Em 1986, descobriu-se que havia um improvável elo, dentro de uma engenhosa trama capaz de causar inveja aos melhores autores de histórias de espionagem e intriga internacional. Tudo começou em novembro, após uma revista de Beirute revelar que a libertação de reféns americanos, aprisionados na cidade por terroristas pró-iranianos, era feita a medida que chegavam ao Ira armas vendidas pelo Governo americano, numa operação montada pelo tenente-coronel Oliver North, assessor do Conselho de Segurança Nacional.

Foi um deus-nos-acuda. Obrigado a se explicar, o presidente Ronald Reagan admitiu, depois de varias negativas, que, com o auxilio de funcionários israelenses, mantinha ha 18 meses "iniciativas diplomáticas secretas" com o regime do aiatolá Khomeini e que o envio de "pequena quantidade de armas defensivas e pecas de reposição" visava objetivos mais que louváveis: tentar uma reaproximação com o Ira, por fim a guerra entre este pais e o Iraque, eliminar o terrorismo patrocinado pelo Estado islâmico e, finalmente, conseguir libertar os reféns americanos.

O "Irãgate", como alguns chamaram o caso, representava um flagrante d es respeito ao embargo de venda de armas aos iranianos, decretado pelo próprio Governo americano quando da invasão da embaixada em Teerã, em 1979.

Semanas depois, outra bomba, ainda mais explosiva. O secretario de Justiça, Edwin Meese denunciou que funcionários americanos envolvidos na venda, North a frente, usaram os cerca de US$ 30 milhões de lucro da operação com o Ira para ajudar os "contras", rebeldes direitistas que enfrentavam o Governo na Nicarágua. Outra violação: desde 1984 a Emenda Boland proibia qualquer remessa de dinheiro ou equipamentos para os "contras". Numa tentativa de amenizar o escândalo, Reagan anunciou uma completa revisão do Conselho de Segurança Nacional, voltou a insistir que não havia sido informado, "na sua totalidade", de uma das ações, e exonerou North. Por sua vez, o chefe de North no CSN, o almirante John Poindexter, demitiu-se.

Investigações realizadas por comissões do Congresso e da presidência e pelo promotor especial Lawrence Walsh concluíram que membros da CIA, da Casa Branca—inclusive o vice-presidente George Bush—e outros do CSN teriam participado das operações. Para tentar esclarecer o caso, o Congresso americano passou um ano realizando audiências publicas, com transmissão pela TV, enquanto eram revelados para o mundo alguns dos indecorosos fatos que valeram a Oliver North o apelido de o "chefe dos piratas". Apesar disso, o tenente-coronel virou quase um ídolo pop.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986 

Uma pedra no caminho da Nasa

Um acidente fatal com o ônibus espacial Challenger, apenas 73 segundos depois de ser lançado, chocou a opinião publica americana e colocou na berlinda a Nasa, agencia espacial americana, acusada de privilegiar o cronograma em detrimento da segurança dos astronautas. A maior tragédia do programa espacial americano, acontecida em 28 de janeiro de 1986, fez sete mortes e provocou atrasos na realização das futuras missões, que seriam retomadas dois anos depois, mas em projetos exclusivamente militares e científicos.

Depois de seis adiamentos, o lançamento do vôo 51-L, comandado por Francis Scobee e com seis tripulantes a bordo (o físico Ronald McNair, o piloto Michael Smith, os engenheiros Gregory Jarvis, Ellison Onizuka e Judith Resnik e a professora Christa McAuliffe), foi realizado sob baixas temperaturas e uma forte comoção nacional. Sem chamar a atenção do publico ha tempos o programa espacial passou a mobilizar a mídia quando escalou para o nono vôo da nave uma cidadã comum, uma professora de estudos sociais, escolhida entre 11.416 candidatos de todo o pais.

Sharon Christa McAuliffe, 37 anos, lecionava numa escola secundaria de Concord, New Hampshire. Era casada com o advogado Steven e mãe de Scott 9 anos e Caroline, 6. Ela deveria ministrar duas aulas de 15 minutos cada, diretamente do espaço, para 2,5 milhões de alunos, através de um circuito fechado de TV. Mas o sonho de se tornar uma pioneira no espaço foi literalmente pelos ares segundos depois de a nave ser consumida por uma bola de fogo alaranjada sobre a plataforma de lançamento, em Cabo Canaveral, na Flórida. O acidente com a 25ªª missão do space shuttle gerou uma imensa consternação no pais.

Em março do mesmo ano, a cabine do ônibus espacial, a parte mais segura e resistente da nave foi localizada no fundo do oceano por uma equipe de mergulhadores, a 60 quilômetros do local do lançamento. O estado dos corpos dos astronautas irreconhecíveis, não foi divulgado pela imprensa a pedido das famílias das vitimas. Dos sete tripulantes apenas três foram identificados: Onizuka, Smith e o comandante Scobee.

Depois de cinco meses, a comissão de investigação, nomeada pelo presidente Ronald Reagan, concluiu que a catástrofe poderia ter sido evitada. A comissão, da qual fazia parte o astronauta Neil Armstrong, apontou como causa da explosão uma falha no anel de vedação do tanque de combustível do foguete propulsor. O problema, agravado pelo mau tempo na hora do lançamento, provocou o incêndio no tanque principal.

A Nasa foi condenada pela tragédia. Outras conseqüências foram o veto a participação de cidadãos comuns nos vôos, já no ano seguinte a demissão de antigos quadros e o redimensionamento da agencia espacial. O Governo indenizou as famílias das vitimas em US$ 750 mil, soma que foi aumentada por quantias não reveladas pela Morton Thiokol, fabricante dos foguetes auxiliares.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986 

E o boxe ganha uma nova lenda

Foi num sábado, 22 de novembro de 1986, no ringue do Las Vegas Hilton, que Mike Tyson entrou para a galeria dos maiores pesos-pesados de todos os tempos. Bastou aquela luta para que ele fosse imediatamente comparado aos mitológicos Joe Louis e Rocky Marciano e a lenda viva Cassius (Muhammad Ali) Clay: aos 2m35s do segundo assalto, após uma saraivada de socos, ele desfechou um potente gancho de direita na ponta do queixo do campeão mundial Trevor Berbick e ganhou o cinturão do Conselho Mundial de Boxe. O jamaicano Berbick, de 33 anos saiu da luta atordoado. "Não entendi nada. Na realidade, não boxeei. A única coisa que fiz foi suportar, por algum tempo, a pressão de Tyson", disse.

Era a 28ª luta de Mike Tyson como profissional. Em todas saíra vitorioso, sendo 26 por nocaute. Em 15 desses combates, o adversário foi para a lona no primeiro round. Começava uma nova lenda no boxe: aos 20 anos de idade, ele se tornou o mais jovem campeão de pesos-pesados de todos os tempos, superando Floyd Patterson, que conquistara o titulo em 1956, com 21 anos. Com 1,82m de altura e 100 kg de peso, Tyson não era nem tao alto nem mais pesado do que a media dos campeões da mais nobre entre as categorias do pugilismo. Mas seu estilo demolidor, a velocidade dos golpes, a massa muscular invejável que a falta de pescoço acentuava e a ferocidade com que atacava faziam com que seus oponentes parecessem anões indefesos.

Nascido no Brooklyn, em Nova York, Tyson foi criado entre marginais e viveu de pequenos furtos. Era, no entanto, segundo ele próprio, "medroso e quase efeminado". Até que um dia Ihe roubaram um passarinho de estimação: partiu para cima do ladrão e quase o matou. Depois de uma serie de roubos e arruaças, foi parar num reformatório. Sua vida mudou quando o apresentaram a Cus D'Amato, o ex-treinador de Patterson que prometeu fazer dele um campeão. D'Amato morreu um ano antes da luta contra Berbick.

Tendo a seu lado um empresário extravagante e picareta, Don King, Tyson surgiu como um fenômeno do ringue, mas continuou com a cabeça delinqüente. Sua incontida agressividade o faria cair em desgraça nos anos seguintes—primeiro, foi acusado de estuprar uma jovem, e por isso passou três anos na prisão mais tarde, arrancaria a dentadas um pedaço da orelha de Evander Holyfield, com quem disputava o titulo de pesos-pesados em 1997 e, em 1999, voltaria por três meses e meio a prisão por ter agredido dois motoristas numa discussão de transito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986 

A 'mão de Deus' ajuda a Argentina

Maradona mandou no mundial de futebol de 1986, realizado no México, apesar dos trágicos terremotos que haviam atingido o pais no ano anterior. (A Colômbia, escolhida inicialmente, desistira de sediar a Copa devido aos graves problemas econômicos do pais.)

A idéia de repetir a conquista de 70 acalentava os sonhos brasileiros. Por que não ser tetra onde fomos tri? O clima era de otimismo, e Telê Santana foi mantido a frente do time. Afinal avaliavam os dirigentes, não fora culpa do técnico o azar contra a Itália, em 1982.

O Brasil começou jogando na lendária Guadalajara e venceu a Espanha por 1 x 0. Classificou-se antecipadamente, vencendo a Argélia pelo mesmo placar, mas deixou evidentes os defeitos do time. Depois de vencer a Irlanda do Norte por 3 x 0, a Seleção Brasileira despachou a Polônia por 4 x 0 e parecia ter encontrado o equilíbrio entre arte e resultado.

Mas, ao enfrentar a Franca, nas quartas-de-final, o Brasil viu adiado o sonho. A seleção teve as melhores chances (Zico perdeu até um pênalti), mas deixou o jogo terminar empatado em 1 x 1. Na prorrogação, não houve gol. Nos pênaltis, Sócrates perdeu o primeiro, e Stopyra fez 1 x O para a França; Alemão e Amoroso marcaram; Zico e Bellone também; Branco ídem, Platini chutou fora: 3 x 3. Mas Julio César chutou na trave, e Fernandez marcou: Franca 4, Brasil 3. Era o fim de um jogo dramático. O Brasil, de novo, em quinto. Chorando, Zico declarou que a sua geração não nascera para ser campeã do mundo.

Já a campanha da Argentina foi uma linha reta até a taça. Primeira no grupo em que enfrentou Coréia do Sul (3 x 1), Itália (1 x 1) e Bulgária (2 x 0), derrotou o Uruguai por 1 x O e classificou-se para enfrentar a Inglaterra nas quartas-de-final. Maradona fez dois gols antológicos: um de placa, depois de driblar até o goleiro, Peter Shilton; e o segundo, de mão. Ele subiu com Shilton e deu um soco na bola. O arbitro tunisiano Ali Benaceur não viu. Depois do jogo, Maradona disse que a "mão de Deus" pusera a bola na rede.

Nas semifinais, a Bélgica caiu diante de mais dois gols de Maradona, aliados a uma brilhante atuação de Burruchaga. E, na final, contra a Alemanha, a Argentina levou o titulo por 3 x 2, depois de abrir vantagem de dois gols, e ver os alemães empatarem. Um passe milimétrico de Maradona a Burruchaga garantiu o segundo titulo argentino.

Na competição, o jogo de resultados, burocrático, começou a substituir o futebol técnico. O próprio Brasil trocara seu meio-de-campo: Falcão e Cerezo por Alemão e Elzo. A estonteante Dinamarca acabou eliminada pela eficiência espanhola, nas oitavas-de-final, depois de mostrar um futebol bonito e vencer Escócia, Uruguai e Alemanha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986 

Velho morcego, novos quadrinhos

Em março de 1986 o primeiro numero de "Batman—O Cavaleiro das Trevas" ("Batman —The Dark Knight"), escrito e desenhado por Frank Miller, invadiu as lojas de quadrinhos americanas. A minissérie em quatro episódios se passava num mundo futuro, em que a sociedade americana se tornara politicamente correta ao cubo e banira os super-heróis. Batman era apenas uma lembrança distante numa Gotham City assolada pela violência urbana de uma gangue de jovens hiperviolentos, os mutantes. Até Bruce Wayne resolver largar a aposentadoria, envergar de novo a capa e enfrentar os novos vilões, os antigos arquiinimigos, a sociedade decadente, a policia e o Governo, a idade avançada, e até um antigo aliado o Super-Homem.

Frank Miller criou um gibi gótico e sombrio e levou Batman para perto de suas origens de personagem vingativo, obcecado e assustador. O texto e o traço—este com finalização de Klaus Janson e Lynn Varley—de Frank Miller resultaram uma ousadia editorial que virou sucesso imediato entre o publico e nos anos seguintes uma grande influencia para artistas e executivos do mercado dos quadrinhos. O estilo e a narrativa de "O Cavaleiro das Trevas"—lançado no Brasil em 1987— ainda fizeram a cabeça de cineastas como Paul Verhoeven, em "Robocop" (1987), e Tim Burton, em "Batman" (1989).

A minissérie foi também a consagração do sistema de distribuição direta e exclusiva para as lojas especializadas em quadrinhos, um esquema que começou de forma modesta no inicio dos anos 80 e foi crescendo até se tornar um grande negócio em 1985-1986. Os lojistas especializados faziam encomendas com conhecimento de causa, expunham e divulgavam bem o produto, garantindo melhores vendas e um melhor controle de tiragem para as editoras. "O Cavaleiro das Trevas" não teria o mesmo sucesso de vendas se não fossem as comic shops (lojas de quadrinhos) e estas não teriam se estabelecido definitivamente sem o grande best-seller em quadrinhos de 1986.

O casamento de novo conceito editorial com nova forma de distribuição revitalizou as revistas em quadrinhos americanas e criou um boom do gibi que dura até hoje. O primeiro filhote de "Batman" surgiu ainda em 1986. "Watchmen", minissérie em 12 episódios, escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, seguiu a trilha dos quadrinhos adultos e estilizados aberta por Miller, consolidando um ano marco para os comic books.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1986

Biografia corrigida escandaliza ONU

Durante os dez anos em que serviu como secretário-geral das Nações Unidas, de 1972 a 1982, o austríaco Kurt Waldheim ficou sob o foco da imprensa internacional, tendo o nome citado quase diariamente nas primeiras paginas dos jornais e nos noticiários de TV. Sua imagem era a de um pacifista que tentou, dentro das limitações de uma instituição com mais prestigio do que poder, cumprir honestamente o objetivo da paz mundial. Bastou, no entanto , que se candidatasse a presidente da Áustria, pelo direitista Partido do Povo, em 1986, para ter o passado de ex-oficial da SS desenterrado. Ganhou a eleição assim mesmo.

Acusado de criminoso de guerra, Waldheim negou ter participado de ações militares ou de interrogatórios e que se limitou a servir de tradutor de sua unidade. O Congresso Judaico Mundial, no entanto, o denunciou por ter exercido a função de oficial de informações na Iugoslávia e de ter participado do envio de 42 mil judeus gregos para o campo de concentração de Auschwitz. Em 1948, seu nome foi incluído pelo Governo iugoslavo numa lista de procurados por massacres. Ele respondeu que todos os oficiais alemães que estavam naquele pais faziam parte da relação.

A medida que novas denuncias surgiam, Waldheim, sempre insistindo em sua posição de subalterno, reagia dizendo que, como todos os oficiais, sabia das atrocidades que eram cometidas, mas que nada podia fazer. Uma das acusações mais serias foi a de ter recebido a maior condecoração militar da Croácia, pró-nazista, por bravura em combate, em meio a uma sangrenta repressão aos guerrilheiros comunistas liderados pelo futuro presidente iugoslavo Josip Broz Tito. Rebateu-a afirmando que todo o pessoal da 77ª divisão das SS, mesmo os que exerciam funções burocráticas, como ele, ganhou a medalha.

Para piorar mais a situação, em sua defesa saiu um ex-chefe do Exercito nazista, Herbert Warnstoff: "Ele era apenas uma pequena peça de um sistema extremamente complexo. Sua tarefa era, principalmente, a de nos relatar movimentos de tropas inimigas".

Waldheim concordou em ter sua vida vasculhada por uma comissão de historiadores de vários países. Depois de cinco meses de investigações, a comissão concluiu que ele era mais do que um oficial de segunda ordem, mas que não cometera crimes de guerra e nem teria tido poder para influir diretamente no curso dos acontecimentos. Seu maior erro foi ter omitido de sua biografia o passado de oficial nazista, uma informação que não seria menosprezada pela ONU e que, certamente, teria impedido sua ascensão na organização.

Fonte: O Globo - Texto integral