Em 1983 as principais manchetes foram estas:

O thatcherismo ganha o seu segundo mandato

EUA embarcam na guerra de Reagan

Um crime muito mal explicado

Grande mistério no ar comunista

A banalização da morte sobre rodas

Alfonsín vence o velho peronismo

Tambores vibram no Bundestag

A erupção não se deixa domar

Som tirado da luz chega para ficar

A liberdade presa numa obra-prima

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1983

O thatcherismo ganha o seu segundo mandato

Uma Dama de Ferro no comando de duas guerras. Esse foi o cenário da reeleição de Margaret Thatcher, em 1983, que com seu sopro de liberalismo comandava na economia a maior batalha desde a Segunda Guerra Mundial, e no frorrt externo tinha acabado de estraçalhar a Argentina na Guerra das Malvinas. Se na área externa a humilhante derrota argentina não deixava dúvidas sobre o acerto estratégico de Margaret Thatcher, internamente os primeiros momentos de ajuste não foram fáceis. Com o lema "O consenso não é outra coisa que a falta de princípios", a Dama de Ferro foi impondo sua política de confronto, mas teve que enfrentar com muita firmeza o poder dos sindicatos e a longa tradição trabalhista, que durante muitas décadas esteve no poder.

Margaret Thatcher venceu as eleições em um momento de desilusão econômica na qual estava mergulhada toda a Europa. Sua vitória em 1979 (reeleição em 83 e 87, além da eleição de John Major em 1991) trouxe aos desiludidos ingleses um novo modelo de governo. Nasceu com a crise da estagflação e sobreviveu num ambiente de incerteza econômica, ameaça sindical e radicalismo trabalhista. Com opção pela ortodoxia monetária em substituição ao keynesianismo, Thatcher passou a ter como principal alvo o combate a inflação em lugar da luta pelo pleno emprego.

Era a troca do sonho de uma economia mais justa pelo pragmatismo da economia de mercado. Esse novo modelo se impôs frontalmente ao que vinha sendo adotado desde 1945, quando a vitória de Clement Attlee conduziu a Inglaterra a um modelo econômico onde a política do consenso era predominante—não apenas na Inglaterra, mas em diversos países europeus, como Alemanha e Áustria, na esteira da Segunda Guerra.

No consenso, a busca eterna de soluções que conciliava o que hoje parece incompatível: sindicatos, Estado e empresariado. Era uma tentativa de acerto entre os interesses desses três setores representativos da sociedade em busca de pleno emprego, ampliação da intervenção do Estado na economia e política assistencialista. Esse modelo foi vitorioso até 1979, quando toda a Europa se viu mergulhada em uma profunda crise econômica. O Estado do bem-estar social, criado no pós-guerra, entrou em colapso nos anos 70 com a crise do petróleo e com toda a Europa mergulhando na estagflação.

O desamparo criado pela crescente taxa do desemprego e da inflação fez surgir no fim dessa década uma série de círculos intelectuais nos quais o pensamento liberal conheceu um vigoroso renascimento. Como ocorre nas grandes encruzilhadas, onde o pensamento oposto à realidade parece ser a resposta para os problemas, a economia de mercado surgiu como a grande libertadora das amarras trabalhistas que predominavam há três décadas. Esse movimento criou os fundamentos para as bases do thatcherismo, combatendo o keynesianismo e elegendo a política monetária corno o ícone das novas idéias econômicas.

Thatcher encarnou o símbolo do pensamento liberalizante. Sua política era a do confronto, da luta contra o corporativismo dos sindicatos, o atraso da industria e o gigantismo do Estado. Com a frase "Não existe sociedade, mas sim indivíduos", ela afirma um conceito mercadológico da sociedade.

Logo a Inglaterra conheceu os primeiros resultados dessa opção pelo confronto. Com a desmontagem da base industrial atrasada— nisto incluído o poderoso sindicato dos mineiros de carvão, que testou o poder da Dama de Ferro e saiu perdendo depois de um ano de greve—e a mudança na legislação trabalhista, que restringiu o direito de greve, Thatcher foi enfraquecendo as bases do trabalhismo e impondo seu modelo liberalizante.

Quando foi reeleita pela segunda vez (1987), Thatcher estava no auge da política neoliberal e representava a grande renovação do pensamento econômico. Seus princípios acabaram se espalhando pelo mundo e encontrando no presidente americano Ronald Reagan (1981 - 1989) seu principal seguidor. Mas a direita não ficou com a exclusividade do pensamento liberal. Até governantes de esquerda acabaram seguindo essa influência, como Felipe Gonzalez, na Espanha, com seu socialismo light, que incorporava privatizações e demissões. A própria França, após o modelo de nacionalização adotado por Mitterrand em 1981, reviu sua política socialista na direção das regras do mercado.

A Inglaterra aceitou o thatcherismo por 18 anos (1979-1997). Até que, em 1997, seu modelo econômico de sucesso às custas do sacrifício social foi rejeitado e os tories sofreram a derrota mais fragorosa de toda a sua história (o partido conservador saiu desta eleição como segundo partido inglês e sem qualquer representação na Escócia ou no País de Gales). Mas o partido trabalhista de Tony Blair recebeu uma Inglaterra com índices econômicos de fazer inveja a qualquer outro país da Europa: em 1996, 70% do capital proveniente dos Estados Unidos e Japão para investimentos na Comunidade Européia acabaram na Grã-Bretanha, o crescimento anual do PIB era de 3% ao ano, a taxa de inflação, de 2% ao ano e a taxa de desemprego, de 7,2%.

Na infra-estrutura, o amplo programa de privatizações desenvolvido sob o pulso forte de Thatcher mudou o perfil de empresas e serviços ingleses. Setores como telefonia, aviação e, recentemente, as ferrovias foram privatizados; 50 grupos empresariais foram envolvidos no processo e 950 mil empregos do setor público foram transferidos para o setor privado. Essa migração, junto com a mudança na legislação trabalhista que restringiu o direito de greve, fez minguar de 13 para sete milhões o número de trabalhadores filiados aos sindicatos. Havia ainda a intenção de privatizar o metrô de Londres e os correios, mas o prosseguimento das privatizações foi repudiado pelo programa de Tony Blair.

Os bons indicadores econômicos, entretanto, não conseguiram abafar o estrago social provocado pelo liberalismo econômico. Os índices eram desconcertantes. Em 1979, havia cinco milhões de britânicos (9%) na linha da pobreza, número que pulou para 14 milhões (25%) em 1995. No mesmo período, a renda média dos 10% dos assalariados no topo da pirâmide aumentou 62% enquanto a renda dos 10%, que estavam na base caiu 14%. Foram criados novos patamares de pobreza.

Foi quando o discurso neotrabalhista de Tony Blair convenceu os ingleses de que, com os nós econômicos desfeitos, era hora de correr atrás do prejuízo social. O thatcherismo foi superado pelo seu próprio sucesso. A economia funcionava bem, o sindicalismo radical tinha perdido espaço e o partido trabalhista adotara um discurso mais moderado.

Os conservadores perderam a batalha nas urnas, mas as bases do thatcherismo ainda são um consenso na Inglaterra. O que os socialistas de Tony Blair tem procurado e trabalhar para além desses limites. É o "capitalismo com face humana", a nova cara do pensamento liberal que deve predominar nesta virada de milênio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

EUA embarcam na guerra de Reagan

O governo socialista de Granada, ilha situada em área estratégica do Caribe, com um primeiro ministro, Maurice Bishop, apoiado por Cuba e pela União Soviética, era um incômodo para o presidente americano Ronald Reagan. Mas a situação se tornou ainda mais séria em outubro de 1983, quando Bishop foi deposto, e posteriormente morto, pelo golpe de estado de uma facção de esquerda radical do governo, liderada por Bernard Coard. O novo governo de Granada decretou lei marcial mas garantiu a segurança dos mil americanos que viviam na ilha, em sua maioria estudantes de medicina da universidade de St. George, capital da Ilha. No entanto, uma força militar americana de seis mil soldados, 21 navios de guerra, dois porta-aviões e um porta-helicópteros já estava em movimento.

Nem mesmo as seguidas advertências pessoais da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher convenceram Ronald Reagan a desistir de invadir a ex-colônia da Inglaterra. Mas o presidente americano tinha finalmente a chance não só de livrar o Caribe de um governo pró-URSS como também de lavar a honra militar americana, manchada de sangue pela morte de 241 fuzileiros navais num atentado em Beirute no mesmo mês de outubro. Naquele momento, a situação estratégica de Granada se tornava ainda mais delicada com a construção de um aeroporto no sul da ilha—financiado por países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)—que poderia ser usado como base de aviões soviéticos no caso de uma guerra.

A invasão de Granada foi uma vitória militar fulminante apesar dos erros cometidos pelos militares americanos, que bombardearam alvos civis, tendo inclusive matado os próprios compatriotas. No entanto, o Exército granadense, de mil e quinhentos homens, ofereceu pouca resistência e descobriu-se que a grande maioria dos oitocentos cubanos na ilha não eram conselheiros militares, como se acreditava, mas sim meros operários.

A ação de Reagan foi condenada pela ONU como "uma flagrante violação das leis internacionais". Foi também criticadíssima pela imprensa americana, que pela primeira vez havia sido proibida de acompanhar uma intervenção militar no exterior. Mas o povo americano aprovou com 58% de apoio registrados por pesquisas na época. Os americanos finalmente viam seu país mostrar o poderio militar depois de vergonhas como a derrota no Vietnã e fiascos como a tentativa de resgate aos reféns no incidente da embaixada no Irã. As tropas de ocupação permaneceram em Granada até a posse do primeiro-ministro Herbert Blaize, vencedor das eleições de dezembro de 1984.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

Um crime muito mal explicado

Líder atuante e muito popular da oposição ao Governo filipino, o senador Benigno Aquino foi preso em 1972, sob acusações forjadas de subversão e assassinato, e condenado à morte. O presidente-ditador Ferdinand Marcos, sem intenção de criar um mártir, comutou a sentença em prisão perpétua e, em 1980, permitiu que Aquino fosse para os Estados Unidos fazer uma cirurgia. O objetivo de Marcos era que Aquino ficasse por lá, livrando-se sem trauma de um incômodo adversário. Só que em 1983 o ex-senador de 50 anos de idade resolveu regressar, apesar das advertências de amigos (e até do próprio Marcos).

Determinado a ser alternativa entre a ditadura e o comunista nas próximas eleições, Aquino embarcou no dia 21 de agosto para as Filipinas, às 13h, logo ao descer do avião da China Airlines no aeroporto de Manila, levou um tiro na nuca e morreu a caminho do hospital. A versão oficial saiu dias depois: o disparo foi de Rolando Galman y Dawang, um "notório assassino e pistoleiro de aluguel", morto logo após cometer o crime pelos policiais que foram ao aeroporto prender Aquino. Para Marcos, Rolando estaria a soldo ou de sindicatos do crime ou dos comunistas.

As explicações das autoridades não foram satisfatórias, fazendo crer em um possível envolvimento de altos funcionários civis e militares. Vários aspectos do caso chamavam a atenção: como o assassino, que já funcionara como informante de políticos e militares, burlou a rígida vigilância vestido com uniforme de funcionário do aeroporto? Por que parentes dele e de sua amante desapareceram. Por quê não se investigou a declaração de um jornalista japonês, passageiro do avião de Aquino, de que Viu o político ser morto por um homem fardado?

Mesmos com a prisão de todos os militares que estavam no aeroporto e a abertura de um desacreditado inquérito, violentos protestos explodiram por todo o país, exigindo inclusive a renúncia de Marcos. Num deles, meio milhão de filipinos queimaram retratos do dirigente junto ao palácio presidencial de Malacañang. A guarda reagiu a tiros, matando 11 e ferindo 247.

Perto de dois milhões de pessoas—a maior multidão da história das Filipinas—compareceram ao funeral de Aquino, dia 31 de agosto, em Manila.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

Grande mistério no ar comunista

Até hoje não se sabe o que realmente aconteceu em 31 de agosto de 1983, quando dois caças da URSS derrubaram com mísseis o Boeing 747 da Korean Airlines que, inexplicavelmente fora da rota Nova York-Seul, sobrevoava a ilha de Sacalina, área militar. O Jumbo coreano foi atingido quando faltavam três minutos para sair do espaço aéreo soviético e caiu no mar do Japão com 269 passageiros e tripulantes. Todos morreram, inclusive um congressista americano, Larry McDonald.

Os americanos denunciaram imediatamente o ataque, mas os soviéticos demoraram cinco dias a reconhecer o seu envolvimento. Segundo um comunicado de Moscou, o avião só foi abatido depois de ignorar duas horas e meia de mensagens de rádio enviadas de terra e tiros de advertência dos caças. A URSS garantiu que se tratava de uma operação de espionagem, envolvendo ainda outro avião, e que uma das transmissões feitas para o Jumbo foi captada depois que este foi derrubado. Os EUA desafiaram os soviéticos a provar o que diziam. Nunca o fizeram.

O Aeroporto de Narita, próximo a Tóquio, no Japão, recebeu uma transmissão do comandante do Boeing, absolutamente calmo, 48 segundos depois de o piloto soviético ter informado a base que destruíra o avião. Washington acabou reconhecendo que um RC-135, versão militar do Boeing 707, usada para "vigilância eletrônica" (espionagem), esteve na área pouco antes da tragédia e que percorreu o mesmo caminho seguido pelo avião coreano, mas negou que se tratasse de algum tipo de operação secreta.

Nove meses depois, um artigo publicado sob pseudônimo numa revista inglesa, a "Defence Attache", apresentou a versão de que o Jumbo fazia parte de uma operação sincronizada com o ônibus espacial Challenger, o satélite Ferrer-2, a fragata Badger e o RC-135. Este, após voar em paralelo ao 747 por dez minutos, aproximou-se das defesas soviéticas e acionou seus radares, permitindo ao satélite registrar detalhes do alerta militar e de todo o incidente. Voltou a base e deixou ao Jumbo a missão de atrair os radares mais profundos, com a suposição de que um avião civil de passageiros não seria abatido. Ainda segundo a revista, os corpos de dez vítimas de identidade duvidosa jamais foram reclamados.

Os recursos eletrônicos—três sistemas independentes de navegação e um radar—do Boeing 747 tornam praticamente impossível um desvio acidental tão grosseiro: o avião, que fazia o vôo 007, estava 500 quilômetros fora da rota Nova York-Seul, numa área estratégica constantemente monitorada por EUA e Japão. Entre as várias dúvidas geradas pelo incidente, algumas persistem até hoje: por que os americanos, que denunciaram em detalhes toda a ação soviética, não avisaram o piloto do Jumbo sobre o desvio de rota? E por que os soviéticos, sabendo que o vôo comercial era camuflagem, não obrigaram o avião a descer, desperdiçando tamanho trunfo político?

É possível que as duas superpotências, para evitar maior exposição, tenham ocultado os dados necessários ao entendimento da tragédia. Os americanos puderam conhecer o sistema de comunicação e o funcionamento dos radares e da defesa antibalística no local, mas as minuciosas descrições feitas para acusar os soviéticos revelaram aos russos suas falhas e a exata capacidade de espionagem dos EUA na região do Pacifico. Só mesmo os 269 mortos não tiveram nada a ganhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

A banalização da morte sobre rodas

Em 23 de outubro de 1983, dois atentados coordenados, usando caminhões carregados de explosivos mataram 299 soldados das forças de paz instaladas em Beirute, Líbano. O primeiro atentado suicida de fundamentalistas muçulmanos matou 241 fuzileiros navais que dormiam nos alojamentos de uma base militar americana. Quase simultaneamente, outro caminhão com explosivos avançou sobre um quartel francês, causando a morte de mais 58 soldados.

O carro-bomba era uma modalidade de atentado político praticamente restrita aos conflitos na Irlanda do Norte até que em 1983 foi vulgarizada pelas facções terroristas que transformaram o Líbano num campo de batalha permanente. A primeira ação de grande porte aconteceu em janeiro, na cidade de Chtaura no Sul e matou 45 pessoas, na maioria palestinos e funcionários sírios. Em fevereiro, um automóvel com 120 quilos de dinamite explodiu em frente a sede da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em Beirute. matando 20 e ferindo 70.

Em abril, a embaixada dos Estados Unidos em Beirute ficou semi-destruída por 300 quilos de dinamite num ataque de caminhão bomba desfechado pelos xiitas do grupo iraniano Jihad Islâmico. Foram 40 vitimas fatais, 17 dos mortos eram americanos e entre eles estava o mais graduado analista da CIA para assuntos no Oriente Médio.

No mês seguinte, outro carro-bomba explodiu diante da residência do embaixador. O alvo seria o secretário de Estado americano, George Shultz, que estava no país negociando um acordo de paz com o presidente Amin Gemayel—negociação que ganhou caráter de urgência depois do atentado anterior. A explosão interrompeu o sono do secretário de Estado mas não deixou vítimas.

Uma nova organização, à Frente de Libertação do Líbano dos Estrangeiros, assumiu um atentado em setembro, que causou 25 mortes e deixou feridas mais de cem pessoas em Sidon. O objetivo era o prédio onde funcionava o comando militar palestino, mas os 120 quilos de dinamite explodiram uma hora antes da reunião marcada entre palestinos e esquerdistas libaneses e, como conseqüência, quase todas as vítimas foram civis, inclusive crianças, que passavam pelo local na hora.

O conflito no Líbano envolvia muçulmanos de varias tendências e cristãos libaneses, grupos palestinos que se odeiam tanto ou mais do que aos israelenses, integrantes do exército e do serviço secreto de Israel, grupos sempre prontos a se atacarem uns aos outros. Com a retirada das tropas americanas e israelenses, resultado do acordo firmado no final de 1983, as facções armadas libanesas partiram para um acirrado combate entre si.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

Alfonsín vence o velho peronismo

A ditadura militar argentina chegou ao fim de 1982 em completo descrédito. A seus fracassos econômicos, sociais e políticos juntou- se, no primeiro semestre, a acachapante derrota para os ingleses na Guerra das Malvinas. Foi a gota d’água que fez aparecerem de todos os lados, inclusive das casernas, manifestações pela mudança do regime. Finalmente, no da 30 de outubro de 1983, quase 18 milhões de argentinos puderam ir as urnas para escolher um novo Congresso, 22 governadores, parlamentares das províncias, prefeitos, vereadores e, o mais importante, eleger livre mente, depois de dez anos, o presidente da República. Raul Alfonsin, da União Cívica Radical, venceu Ítalo Luder, do peronista Partido Justicialista, por 52% a 40% dos votos.

Alfonsin—um advogado de 57 anos nascido em Chascomus, a 120 quilômetros de Buenos Aires, que quase fora militar e ingressara na política em 1952—iria herdar o poder em um país que enfrentava a pior crise de sua história, com inflação de 500% ao ano e 1,5 milhão de desempregados (15% da força de trabalho). Além disto, havia grande desconfiança na Justiça: milhares de famílias procuravam notícias de seus parentes, inclusive crianças, que morreram ou estavam desaparecidas em decorrência da "guerra suja" empreendida pelas Forças Armadas contra seus opositores.

Logo no início de seu mandato, Alfonsin apoiou a formação de uma comissão—liderada pelo escritor Ernesto Sabato—para investigar os casos de violação dos direitos humanos cometidos pelos governos militares. A Comissão constatou a existência de 340 campos de prisioneiros por onde passaram 8.960 pessoas que continuavam desaparecidas até a data de apresentação do relatório, num total estimado de 30 mil mortos entre 1976 e 1982.

Os comandantes das juntas foram presos em 1984 e os processos continuaram até a rebelião de militares (os cara-pintadas), em 1987, que levou o presidente a enviar ao Congresso uma lei de anistia aos oficiais subalternos e outra que limitava o número de processos.

Na tentativa de conter a inflação que já chegava a 1.000%, Alfonsin lançou o Plano Austral, um fracasso que o levou a encurtar seu mandato e a passar o cargo ao peronista Carlos Ménem seis meses antes do término de seu mandato, em julho de 1989.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

Tambores vibram no Bundestag

O chamado Partido dos Verdes, oficialmente Die Gruenen (Os Verdes, em alemão), era um aglomerado de movimentos ecológicos e anti-nucleares fundado em 1979, ano em que a Organização do Tratado do Atlântico Norte resolveu espalhar bases de mísseis por vários países da Europa para contrabalançar as instaladas pela União Soviética. Aliás, os verdes tinham como uma das principais metas tirar a Alemanha da Otan. Em 1981, quando o presidente americano Ronald Reagan anunciou que os EUA começariam a produzir bombas de neutrons e a Europa se alarmou com a possibilidade de uma guerra nuclear em seu solo, o prestígio dos verdes aumentou.

Eles conseguiram eleger mais de mil vereadores e 48 deputados estaduais em seis unidades da federação. Mas a grande vitória veio nas eleições nacionais de março de 1983: conquistaram 27 cadeiras no Parlamento federal, o Bundestag, com 5,6% do total de votos. No dia da posse, chegaram vestindo roupas de brim, tocando tambores africanos e carregando flores e vasos de plantas.

Sua líder era Petra Kelly, de 36 anos, enteada de um militar americano, que trazia experiência partidária dos Estados Unidos (trabalhara com os democratas) e do Partido Social Democrata alemão. Boa oradora, arrancava entusiasmados aplausos das platéias. Outro deputado verde de prestígio era o namorado de Petra, o general reformado Gert Bastian. No Bundestag os novos parlamentares lutavam por causas como a desnuclearizacao, o controle da poluição, a procura por formas alternativas e mais naturais de vida. No mundo todo surgiram associações similares, já sob a forma de partidos políticos.

Entretanto, a (falta de) estrutura dos verdes alemães, sua ojeriza por uma liderança formal e sua maneira caótica de tomar decisões os enfraquecia. Petra abandonou o movimento em 1987. Em 1990, eles não elegeram ninguém para o Parlamento nacional, principalmente porque cometeram o inexplicável equívoco político de se colocar contra a reunificação da Alemanha. Em 1992, por motivos até hoje não esclarecidos, Petra Kelly foi assassinada por Gert Bastian, que se matou em seguida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

A erupção não se deixa domar

Um dos mais ativos vulcões do mundo (e o mais ativo da Europa) o monte Etna estava em erupção continua há mais de um mês (desde 28 de março de 1983) quando o Governo italiano, temeroso de perder aldeias e plantações, decidiu interferir e patrocinar uma iniciativa inédita: o desvio de uma corrente de lava. Por US$ 200 mil contratou o engenheiro sueco Rolf Lennart Abersten e o incumbiu de dirigir a Operação Etna. Ao custo total de US$ 5 milhões, várias explosões destruiriam uma parede de magma endurecido e desviariam a corrente para uma antiga cratera, através de um canal artificial previamente escavado.

Abersten comandou a instalação de 55 cargas cada uma com 10kg de dinamite, acondicionadas em tubos refrigerados a água para manter os explosivos a temperatura constante de apenas 25 graus centígrados, enquanto a lava gerava ate 800 graus externamente. O Etna, porém, não se deixou domar. Em 13 de maio, dia marcado para as explosões, transbordamentos de lava entupiram a maioria dos tubos e só foi possível detonar 22 das 55 cargas. A parede, de 14m de comprimento, 4m de altura e 3m de largura, ficou parcialmente destruída e só 10% da lava foram desviados.

Caprichosamente, o Etna arrefeceu uma semana depois e todos desistiram de fazer mais explosões. Ganhou força a opinião de ecologistas e vulcanólogos, que foram contra as explosões e consideram o Etna um vulcão bom: geralmente avisa que vai entrar em erupção e sua lava desce muito lentamente, no máximo a 20m/h, dando tempo as pessoas de escapar. Com 3.340m de altura, ele já havia entrado em erupção centenas de vezes e era um dos mais estudados pelos especialistas.

A maioria dos sicilianos, inclusive os habitantes de Nicolosi, povoado destruído em 1669 por outra erupção, também discordou da obra de canalização. Apesar do risco, a mesma lava que em 1979 matou nove pessoas e destruiu plantações foi também responsável pelo fósforo e o potássio que fertilizavam a terra produtora das laranjas. uvas, pêras e maçãs mais saborosas da Itália. Além disto, o vulcão tornou-se um ponto turístico da região. Após dois meses a erupção do Etna terminou sem interferência humana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

Som tirado da luz chega para ficar

Quando a holandesa Philips e a japonesa Sony lançaram no mercado americano o compact disc (CD) de alta fidelidade, em 1983, a novidade já badalada pela mídia, foi rapidamente absorvida. No final do ano, um milhão de cópias haviam sido vendidas. Desde abril de 1979, falava-se publicamente do assunto depois que a Philips anunciou o lançamento do primeiro compact disc experimental—um disco plástico gravado e lido por sistema ótico. "As quatro estações" de Vivaldi foram gravadas numa única face de um disco a laser de apenas 11,5 cm de diâmetro. A pureza cristalina do som—com distorção harmônica de apenas 0,05%O—, aliado a sua maior durabilidade e a capacidade de armazenar muito mais músicas animaram os produtores, mas a própria fabrica holandesa previa que a novidade só ganharia o mercado em dez anos. Apesar disto, em outubro de 1980, associou-se a Sony para levar ao público o protótipo do novo disco laser na Feira de Áudio de Tóquio.

Em 1982, depois de eliminar alguns problemas técnicos e de reduzir custos, a Sony informou ter gravado outra obra clássica, o "Concerto para piano op. 16", de Grieg, no novo diâmetro de 12cm. Os japoneses puderam naquele mesmo ano ter acesso ao produto, embora inicialmente o lançamento não tenha atraído grande atenção das gravadoras. Para recuperar o investimento feito, elas teriam de avançar sobre o mercado do LP de vinil, sua base de sustentação. A mudança de postura aconteceu especialmente a partir de 1984, quando os preços dos CDplayers ficaram mais acessíveis e os empresários do setor começaram a apostar no fim progressivo do vinil . O aparelho, lançado por US$ 1 mil, dois anos depois podia ser comprado por US$ 180. O preço do disco caíra de US$ 20 para US$ 12. Hoje o mercado mundial tem discos de US$ 5 e aparelhos de US$ 100.

A produção de CDs ultrapassou a dos discos de vinil em 87, mas a nova tecnologia só chegou ao Brasil no final da década. Aqui, o consumidor conheceu antes o produto importado, depois o da Microservice. Lasers-clubes proliferaram até fecharem um a um, quando o preço de compra alcançou o do aluguel.

Em 1987 cientistas descobriram nos CDs um meio barato e confiável para a armazenagem de grande quantidade de dados científicos e criaram o CD-ROM (read only memory) usado em computadores. Um ano depois, dois engenheiros de som puseram em dúvida a longevidade dos CDs. Suas pesquisas mostraram que, dependendo do uso, o som perdia qualidade após cinco anos e indicava que dados armazenados também poderiam ser perdidos após esse tempo. A notícia, no entanto, não parece ter afetado o mercado do disco a laser, que continuou vendendo como nunca. Muitos países do mundo se quer fabricam mais os LPs analógicos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1983

A liberdade presa numa obra-prima

Ainda se ouvia a "Marcha Sollemne Brasileira", versão estilizada do Hino Nacional que abre e fecha o filme, quando a platéia de Cannes começou a aplaudir. A projeção terminou e quase cinco minutos depois as cerca de três mil pessoas que lotavam o Palais du Festival ainda aplaudiam e gritavam "bravo" para "Memórias do cárcere" filme de Nelson Pereira dos Santos que abria a Quinzena dos Realizadores do Festival de 1984. A adaptação da obra-prima do escritor Graciliano Ramos foi realizada em 1983, com grande orcamento e um elenco de 120 atores e mais dois mil figurantes. A recepção em Cannes foi a consagração do filme e da magistral atuação do ator Carlos Vereza.

Em "Memorais do cárcere", só lançado após sua morte, Graciliano Ramos relata os dez meses em que esteve preso sem nenhuma acusação formal, entre 1935 e 1936, por sua pretensa atuação na Intentona Comunista. Carlos Vereza foi a extremos para encarnar a luta cotidiana de Graciliano para manter a dignidade nos terrenos minados dos cárceres onde foi jogado. "Os dois terminaram por se transformar numa só pessoa na minha memória", comentou Ricardo Ramos, filho do escritor. O ator leu toda a obra de Graciliano, foi a Alagoas visitar sua cidade natal, Palmeira dos índios, e conversou em São Paulo com Dona Heloísa, viuva do escritor. Como "Memórias" foi filmado em ordem cronológica Vereza foi emagrecendo junto com o Graciliano da tela: submeteu-se a um regime rigoroso, perdendo 11 quilos, e passou a fumar três maços de cigarros por dia, justificando a frase dita durante os testes, e que decidiu o papel a seu favor, "Eu sou Ramos".

O resultado da parceria entre escritor, diretor e ator foi um filme profundamente brasileiro mas com dimensão universal, aclamado como obra-prima e premiado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica e no festival soviético de Tashkent. "Estou feliz", disse Nelson em Cannes. "Consegui fazer um filme no qual me libertei totalmente."

Fonte: O Globo - Texto integral