Em 1975 as principais manchetes foram estas:

Pupilo de Franco esquece as lições

Terror comunista no Camboja

Vai-se de Saigon o último americano

Devastação na ‘Suíça do Oriente’

Do colonialismo à guerra civil

Uma descoberta de cair o queixo

Recorde no salto triplo dura dez anos

Fratura exposta no poder militar

Uma obra-prima violenta e proibida

Um indivíduo contra o sistema

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1975

Pupilo de Franco esquece as lições

O dia 21 de agosto de 1948 marcou profundamente o destino da Espanha. Dois luxuosos iates se aproximaram da Baía de Biscaia, na altura de San Sebastian, no Norte do país. De um deles desceu o conde de Barcelona, Juan de Bourbon, filho de Afonso XIII, o Rei que se exilara em 1931 quando o povo espanhol votou pela república. O conde subiu no outro, onde estava o generalíssimo Francisco Franco, que tomara o poder a Unha em 1936 e o manteria, qual touro domesticado, até morrer, em 1975. No encontro, os dois fizeram uma grandiosa aposta no futuro: a de preparar o filho de don Juan, Juan Carlos, então com 10 anos, para ser o futuro Rei da Espanha. Franco, que em 1947 fora declarado chefe de Estado vitalício e previra a restauração da monarquia, montava o cenário para mais um movimento calculado. Juan de Bourbon, pretendente ao trono, não podia rejeitar o minueto do caudillo.

Duas semanas depois o menino—nascido no exílio em Roma, no dia 5 de janeiro de 1938 —pisaria pela primeira vez em solo espanhol, desembarcando de um trem em Madri. Começava a trajetória do príncipe Juan Carlos Alfonso Victor Maria de Bourbon y Bourbon para guiar o país rumo a modernidade.

Durante quase 30 anos, essa trajetória seguiu o manual rigidamente planejado por Franco, o homem que decidira, depois de vencer a sangrenta Guerra Civil {1936 - 39), banir a qualquer custo a incerteza da vida espanhola. Franco gostava de certezas e seguiu a carreira das armas. Começou pela Academia Militar de Toledo, em 1907, uma vertiginosa ascensão que o levaria a major aos 23 anos, comandante da Legião Estrangeira aos 30 e general aos 34 —o mais jovem da Europa então.

Depois de esmagar o levante dos mineiros das Astúrias, em 1934, Franco foi promovido a chefe do Estado-Maior no Governo centrista do presidente Alcalá Zamora. A república fora proclamada três anos antes, com a vitória dos partidos republicanos. A situação econômica e social era difícil. Havia pobreza e baixos salários. Em Madri, trabalhadores adotaram o socialismo. Em Barcelona, muitos se tornaram anarquistas. Em 1936, os partidos de esquerda formaram a Frente Popular e derrotaram conservadores e liberais em eleições nacionais.

Cinco meses depois, estourou a revolta das guarnições militares de Madri e das capitais provinciais contra o Governo central. De Las Palmas, para onde fora num exílio branco, Franco apoiou o movimento e voou para o Marrocos, sendo recebido como comandante das tropas coloniais espanholas. Era o início da Guerra Civil. O levante encontrou resistência inesperada na população e em setores das Forças Armadas. Os rebeldes—uma aliança de falangistas (adeptos espanhóis do fascismo) e monarquistas—passaram a controlar o Norte e o Oeste do país. Os republicanos sustentavam-se no Sul e no Leste.

A única chance de vitória para os nacionalistas, como se autodenominaram falangistas e monarquistas, era o transporte das tropas de Franco para a metrópole. Como a Marinha se mantivera fiel ao regime, isso era impossível. Franco jogou então uma cartada decisiva. Mandou emissários a Hitler e a Mussolini. Os líderes da Alemanha nazista e da Itália fascista aceitaram a empreitada e iniciaram uma ponte aérea. A frente de 23 mil legionários e mouros Franco lançou um ataque que o levou aos subúrbios de Madri.

O conflito espanhol se tornou uma espécie de ensaio da Segunda Guerra Mundial. Soldados italianos e pilotos alemães lutaram ao lado dos nacionalistas. A União Soviética apoiou os republicanos e enviou conselheiros militares e armas. França e Grã-Bretanha mantiveram-se neutras por temor a Hitler. A guerra foi atroz. Estima-se que tenha causado até 1 milhão de mortes, 700 mil feridos e um custo para o país de US$ 40 bilhões. Um dos momentos mais cruéis foi o bombardeio da cidade de Guernica pela Luftwaffe, a Força Aérea alemã, aliada dos nacionalistas de Franco. A carnificina foi imortalizada por Picasso no célebre mural Guernica.

O país mergulhou na ditadura de Franco, que baniu os partidos políticos, a exceção da Falange. Ele demonstrou toda a sua habilidade política durante a Segunda Guerra Mundial, em que a despeito de sua divida pessoal com Hitler e Mussolini, manteve o país ostensivamente neutro, apesar das pressões para que colaborasse com o esforço militar do Eixo.

Sob a ditadura, a Espanha fez alguns progressos econômicos, mas foi mantida à margem da ONU até 1955. Grande parte da infra-estrutura do país fora destruída e Franco foi buscar ajuda no exterior. Os EUA consideravam o país vital para a defesa da Europa contra o comunismo e começaram a dar assistência econômica e militar, em troca de permissão para estabelecer bases militares no país.

Em 1947, num plebiscito controlado, Franco fez aprovar a Lei de Sucessão, criando um conselho que deveria transferir o poder a um Rei ou regente quando de sua morte. E aqui a história volta a Juan Carlos, treinado para suceder o ditador. Em 1973, Franco começou a ceder seu controle absoluto sobre o Governo espanhol e nomeou um primeiro-ministro.

Até a morte de Franco foi cadenciada, sem surpresas. Ela se deu no dia 21 de novembro de 1975, uma quinta-feira, depois de 35 dias de agonia durante os quais o ritual da sucessão foi exaustivamente planejado. Na manhã ensolarada do sábado, aos 37 anos, o príncipe Juan Carlos foi coroado nas Cortes Rei de Espanha. O país voltava à monarquia, 44 anos depois.

A partir de então, o homem treinado por Franco mostrou sua verdadeira face e começou a gestar uma frágil democracia, que mal se equilibrava sobre os problemas econômicos e a incerteza política. A distensão começou a tomar forma prática no primeiro gabinete de Adolfo Suarez, indicado em 1976. Pouco menos de um ano depois da coroação do Rei, as Cortes (o parlamento) aprovaram a Lei de Reforma Política, legalizando os partidos políticos (inclusive o comunista) e estabelecendo sufrágio universal.

Em 15 de junho de 1977, e por inspiração direta de Juan Carlos I, foram realizadas as primeiras eleições livres desde 1936, saindo vitoriosa a União de Centro-Democrática (UCD), de Adolfo Suarez. No ano seguinte, todos os partidos políticos chegaram a um acordo para assegurar a passagem nas Cortes de uma nova Constituição que consolidasse a democracia e pudesse abrir caminho para o país sair da crise econômica. Foi o Pacto de Moncloa.

Mas o Governo de Adolfo Suarez, formado em grande parte por conservadores, não resistiu aos ventos da mudança política e caiu. O maior teste foi a tentativa de golpe liderada pelo coronel da Guarda Civil Tejero Molina, em 1981. Sob seu comando, militares tomaram de assalto as Cortes e fizeram os deputados reféns. A firme intervenção do Rei e a oposição da sociedade civil frustraram a insurreição.

Nas eleições de 1982, os espanhóis mostraram que desejavam uma ruptura de gerações e votaram amplamente no Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). O novo presidente do Governo espanhol passou a ser então um político jovem, que iniciaria uma nova fase no caminho para a modernização política e econômica do país: Felipe González. Em seu primeiro Governo, a Espanha foi admitida na Otan e, a 1º de janeiro de 1986, na União Européia (UF). González seria reeleito em 1989 e 1993. Mas a liderança socialista se desgastou com escândalos de corrupção e elevação do desemprego e, nas eleições de março de 1996, o Partido Popular de José Maria Aznar, de centro direita, assumiu o poder. Juan Carlos I, o homem educado por Franco para ser Rei, continua sendo o símbolo e o fiador da jovem democracia espanhola, fazendo cumprir a Constituição e vinculando definitivamente a legitimidade monárquica a soberania popular.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Terror comunista no Camboja

A derrota americana no Vietnã do Sul diante das tropas guerrilheiras vietcongues no final de abril de 1975, quase ofuscou outro grande acontecimento, ocorrido duas semanas antes, no território vizinho do Camboja: a tomada do poder pelos revolucionários do Khmer Vermelho, que implantaram no país uma das mais sangrentas ditaduras comunistas do século XX: três anos depois da vitória, observadores ocidentais contabilizavam dois milhões de cambojanos mortos em expurgos políticos ou de fome—um quarto da população.

Até os anos 60 o Camboja era considerado uma ilha de paz no conturbado Sudeste asiático. Tinha 600 mil habitantes. Sob o regime autocrático do príncipe Norodom Sihanouk, um governante liberal, o país conseguiu manter-se neutro, apesar de tão próximo, cultura] e geograficamente, do conturbado Vietnã— os dois e o Laos formavam a antiga Indochina Sihanouk franqueou o território cambojano ao refúgio de guerrilheiros vietcongues e a civis do país vizinho que fugiam dos horrores da guerra. Os refugiados vietnamitas—camponeses, na maioria—elevaram, em poucos anos, a população de Phnom Penh, capital do Camboja, para 2,5 milhões de habitantes.

Um golpe de Estado—com o apoio dos EUA e do Vietnã do Sul—depôs o Governo de Sihanouk em março de 70. No exílio, ele formou o Governo Real de União Nacional do Camboja, em parceria com o Khmer Vermelho. A miséria social desfigurava a capital cambojana, tomada por famintos e doentes. No interior os bombardeios constantes dos americanos tornavam impossível a sobrevivência.

A entrada das tropas revolucionarias do Khmer Vermelho em Phnom Penh, em 17 de abril de 1975, encontrou pouca resistência. O que se seguiu, porém, assombrou o mundo. Embora Sihanouk tenha sido declarado chefe de Estado, o comando do país ficou nas mãos do Khmer Vermelho. Em 76, seu líder máximo, Pol Pot, assumiu o poder como primeiro ministro, após a renúncia de Sihanouk. O ditador decretou o retorno forçado da população aos campos, em termos parecidos com a ruralização imposta por Stálin aos soviéticos. A capital tornou-se uma cidade-fantasma.

Por mais de 20 anos, o mundo soube das atrocidades narradas pelos refugiados cambojanos que conseguiam chegar a Tailândia. O sanguinário Pol Pot fugiu quando as tropas vietnamitas ocuparam o Camboja, em 1979, e só reapareceu em 1997. Condenado a prisão perpétua (domiciliar) por genocídio, morreu no ano seguinte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Vai-se de Saigon o último americano

No dia 30 de abril de 1945, terminava a Guerra do Vietnã, o conflito que proporcionou a maior potência mundial, os Estados Unidos, a grande derrota de sua História. Enquanto os cidadãos americanos eram retirados do prédio da Embaixada do país em Saigon—por ordem do presidente Gerald Ford—a capital, tomada pelos guerrilheiros vietcongues, passava a se chamar Cidade de Ho Chi Minh.

O desfecho da guerra começara a ser traçado em 1973, com os acordos firmados em Paris pelos negociadores dos Estados Unidos Henry Kissinger, e do Vietnã do Norte, Le Duc Tho, que dividiram o Prêmio Nobel da Paz. Em janeiro daquele ano, o presidente Richard Nixon suspendera todos os ataques contra o Vietnã do Norte, gesto que consolidava a sua política de retirada e vietnamização do conflito. Dois anos depois, a maioria dos americanos já havia abandonado Saigon.

O presidente sul-vietnamita, Nguyen Van Thieu, apelou aos termos daquele mesmo tratado, em busca de uma nova ajuda dos Estados Unidos, mas o invasor estava saturado: o Congresso americano suspendera qualquer envio de tropas e recursos financeiros No dia 21 de abril de 1975 Thieu renunciou e o Vietnã do Sul se tornou um país a deriva.

O avanço dos vietcongues sobre Saigon foi vertiginoso na última semana de abril: ataques por terra e ar deixavam claro que a vitória final estava próxima. Em 29 de abrii, ocuparam Da Nang, a segunda cidade do Vietnã do Sul, e seguiram para a capital, Saigon. No dia seguinte, o presidente Ford ordenou o fechamento da embaixada americana. Os cidadãos americanos que estivessem em Saigon deviam ser embarcados para locais seguros no Mar da China, em helicópteros que se atropelavam em pousos e decolagens no terraço do prédio da embaixada.

Os revolucionários comunistas estavam próximos da cidade e o embarque precisava ser rápido. Mas, além dos americanos, milhares de sul-vietnamitas foram para a embaixada na tentativa de embarcar nos helicópteros. Desesperados por se verem abandonados a própria sorte, saquearam e destruíram o prédio da embaixada.

Ao final de uma década de conflito, haviam morrido cerca de um milhão de guerrilheiros, 200 mil sul-vietnamitas, 56 mil americanos e um milhão de civis. Um numero não calculado de pessoas ficaram mutiladas ou sofreram as seqüelas do uso de armas químicas pelos EUA, como as bombas de napalm e o desfolhante agente laranja.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Devastação na ‘Suíça do Oriente’

Beirute era a mais bela e cosmopolita capital do mundo árabe até que, em 13 de abril de 1975, 24 palestinos foram massacrados por cristãos num subúrbio da cidade. O episódio foi o sinal que todos esperavam para iniciar um confronto armado que evoluiu para uma das mais destruidoras guerras civis do século, responsável pela ruína econômica do Líbano (um paraíso Fiscal celebrado como "a Suíça do Oriente") e a devastação de sua capital.

De um lado do conflito estavam muçulmanos, palestinos e esquerdistas. De outro, os milicianos do Partido Falangista, de direita, formado por cristãos maronitas e católicos ortodoxos. O conflito cristão muçulmano era antigo e contribuiu de modo definitivo para a guerra, mas foi o fator econômico que desestabilizou o precário equilíbrio de forças.

Em 1920, quando os franceses ampliaram as fronteiras do Líbano em prejuízo da Síria (a França controlava os dois países), grande número de muçulmanos ficou em território libanês sob domínio de uma maioria cristã. O crescimento da população muçulmana alterou a composição religiosa do país sem que mudasse o Pacto Nacional, um acordo verbal instituído em 1946—quando o Líbano se tornou totalmente independente—pelo qual os principais cargos políticos e militares seriam divididos entre as diversas comunidades religiosas. O presidente, por exemplo, era um cristão maronita e o primeiro-ministro, muçulmano da corrente sunita No parlamento (o país era a única democracia parlamentar em todo o mundo Árabe), todas as comunidades confessionais estavam representadas.

A situação se agravou em 1970, quando a guerra civil na Jordânia provocou a expulsão de dezenas de milhares de palestinos Estes se somaram aos que já haviam buscado refúgio no Líbano com a independência de Israel, em 1948, totalizando uma nova população de 300 mil pessoas. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), grupo terrorista baseado no sul do Líbano, de onde desferia ataques constantes contra Israel, estava também no centro do debate. Os cristãos queriam que ela fosse expulsa. Os muçulmanos, que ganhasse apoio do governo. A guerra já existia, velada, quando o conflito armado começou, abastecido por armas modernas que os aliados de um e outro lado faziam chegar ao país. Nos seis primeiros meses, pelo menos três mil pessoas morreram. Beirute ficou irreconhecível.

Quando tudo levava a crer que os muçulmanos ganhariam a guerra, a Síria, sua aliada, mudou de lado e apoiou os falangistas, temendo uma intervenção israelense. O governo de Damasco enviou 20 mil soldados para pontos estratégicos do Líbano enquanto Israel bloqueava a costa do país e treinava as milícias falangistas. A aliança improvável pesou a favor dos falangistas e, em outubro de 1976, foi feito um acordo de paz, determinando a volta das facções às posições anteriores a 1975.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Do colonialismo à guerra civil

Após quatro séculos de dominação, Portugal aceitou conceder a independência de Angola, com a assinatura do Acordo de Alvor, em janeiro de 1975. Representantes dos três grupos nacionalistas do país—o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União pela Libertação Total de Angola (Unita)—participaram do encontro e aceitaram formar um Governo de transição até as eleições. previstas para o dia 11 de novembro daquele ano.

Não deu certo. O conflito entre as três correntes foi se tornando mais violento até que, em julho, o MPLA, apoiado pelo Governo português, expulsou de Angola a FNLA, liderada por Holden Roberto, e a dissidência desta, Unita, formada em 1965 por Jonas Savimbi. Na data estabelecida no acordo, assumiu a presidência Agostinho Neto, poeta e Líder do MPLA. Organização marxista empenhada desde 1956 na luta anticolonialista.

No mesmo dia, as duas outras forças revolucionárias proclamaram a República Popular Democrática de Angola e a guerrilha continuou. Com bases no vizinho Zaire, tropas chefiadas por Holden Roherto, apoiadas pelos Estados Unidos e por forças mercenárias, atacavam o norte de Angola, enquanto o sul era invadido pela Unita, patrocinada por África do Sul e China. Duas semanas após a independência, eram contabilizados 40 mil mortos e um milhão de desabrigados. A maioria dos brancos—cerca de 460 mil—deixara o país.

A FNLA foi dissolvida no final dos anos 70, mas a Unita manteve a guerrilha. Com a morte de Agostinho Neto, em 1979, José Eduardo dos Santos, também do MPLA, assumiu a presidência. A luta esteve perto de terminar quando Santos e Savimbi assinaram um acordo de paz em 1991, convocando eleições para o ano seguinte. Mas a Unita não aceitou o resultado do pleito e reiniciou o combate.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Uma descoberta de cair o queixo

Um exército de seis mil homens que nunca combateram foi sepultado há mais de dois mil anos perto de Xian, antiga capital da dinastia Qin, a quase 900 quilômetros de Pequim. Feitos de terracota (argila cozida), em tamanho natural, os soldados foram encontrados por lavradores que cavavam um poço, em 1974. As estátuas ocupavam uma área de 60 quilômetros quadrados, ao redor do mausoléu do imperador Qin Shi Huang, o primeiro imperador da China, iniciador da Grande Muralha e unificador do país, morto no ano 206 a.C. A maior descoberta arqueológica do século XX foi apresentada ao mundo em 1975.

Não apenas a quantidade de peças é surpreendente. Os detalhes também: cada soldado tem o rosto diferente dos demais—embora quase todos olhem para o Leste, uma referência à conquista das seis províncias orientais feita por Qin. Fantástico também é o fato de as armas (arcos, flechas, lanças e espadas) desse exército estarem intactas, afiadas e brilhantes. Por ironia, os ladrões de tumbas acabaram sendo responsáveis pela conservação das estátuas: depois de saquear o mausoléu, puseram fogo na construção, que ruiu, enterrando as figuras. O alto nível artístico das obras mostrou que sem a Era Quin não poderia ter havido o esplendor da dinastia Tang (618-907), considerada o ponto máximo da arte clássica chinesa.

Na sepultura—que, construída por 700 mil prisioneiros, levou 36 anos para ser terminada —havia dispositivos engenhosos como o que mantinha em movimento miniaturas de todos os rios do país, correndo para um pequeno oceano. Para proteger o local de saques, as portas foram fechadas assim que os carregadores do esquife do imperador entraram no mausoléu. Uma montanha de 15 andares os soterrou.

Qin (pronuncia-se Chin), que deu nome ao país, governou dos 13 aos 49 anos. Conta a lenda que seus exércitos verdadeiros não puderam protegê-lo da própria covardia. Como temia ser assassinado, mandara construir vários palácios: cada noite dormia em um. Mas, depois de escapar de um atentado, teria morrido de mal súbito.

O imperador foi um tirano que mandou matar opositores e queimar livros. Mas também criou o primeiro código de justiça da China e padronizou pesos e medidas— as carroças, por exemplo, tinham rodas com bitola idêntica, que se encaixavam nos sulcos de todas as estradas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Recorde no salto triplo dura dez anos

Na pista de prova do Estádio Universitário da Cidade do México, nos Jogos Pan-americanos de 1975, o brasileiro João Carlos de Oliveira, de 21 anos, preparava-se para sua segunda tentativa no salto triplo. Passavam alguns segundos das 16h33m do dia 15 de outubro quando o atleta disparou em passadas largas e cadenciadas, e saltou, aproveitando ao máximo a impulsão que o fez pedalar no ar até voltar ao solo, numa queda perfeita. Ao fim da prova, nem o equipamento de medição fora capaz de registrar o feito: 17,89m, recorde mundial, 45cm acima da marca anterior, do soviético Vladimir Swanesev. Pelo seu desempenho nos treinos, João nem era o primeiro nome da equipe brasileira. A altitude da Cidade do México (2.240m) favorece bons desempenhos, mas raríssimas vezes um recorde mundial fora batido com tamanha vantagem. Só dez anos depois a marca seria quebrada, pelo americano William Banks, com 17,97m.

O desconhecido cabo do Exército, de Pindamonhangaba, interior de São Paulo, escrevia seu nome na História. Recebido como herói, João do Pulo, como passou a ser chamado, desfilou em carro aberto em São Paulo e no Rio. O garoto pobre, que perdera a mãe aos 7 anos, cresceu com uma alimentação que estava longe de ser ideal para um atleta: arroz, feijão, fubá e verduras. Teve empregos esporádicos, como o de lavador de carros, enquanto estudava. "Descoberto" numa prova colegial, passou, em 1972, a disputar competições oficiais de salto triplo, em que era favorecido pelo físico leve: 1,86m e pouco mais de 70 quilos. No ano seguinte, entrou para o Exército.

Depois do México, João nunca mais saltou tão longe, mas foi tri-campeão mundial, bi-campeão pan-americano e oito vezes campeão brasileiro, embora lamentasse não ter conseguido o ouro nas Olimpíadas de Montreal, em 1976: ficou com a medalha de bronze.

Sua carreira foi interrompida em dezembro de 1981 por um acidente de carro que Ihe esmagou a perna direita, amputada nove meses depois. O ex-recordista passou a viver da pensão do Exército—como sargento reformado —e de ajudas eventuais da Confederação Brasileira de Atletismo ou de empresas de material esportivo. Em 1986, elegeu-se deputado estadual (PFL). Amargo e desgostoso, passou a beber muito e, com cirrose hepática, morreu em 29 de maio de 1999, em São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Fratura exposta no poder militar

Intimado a "prestar esclarecimentos", o diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, Vladmir Herzog, fora levado no dia 25 de outubro de 1975 ao Doi-Codi (Departamento Oficial de Investigação, subordinado ao comando do II Exército, de São Paulo). Pouco depois, o órgão divulgava sua versão para a morte do jornalista, enforcado dentro de uma cela: suicídio. O caso abriu uma crise no Governo Ernesto Geisel, que planejava a abertura (lenta, gradual e segura) do regime e representou o começo da extinção da prática de tortura e assassinato de opositores do regime militar, que vigorava desde 1968.

Logo após a morte de Herzog, o Presidente Geisel foi a São Paulo para dizer ao comandante do II Exército, general Ednardo D'Avila Mello, que não toleraria mais nenhuma morte naquelas circunstâncias. A repercussão do caso foi enorme. Ficava exposta aos olhos do país a cisão no poder militar ditatorial. Manifestações populares, principalmente de estudantes paulistas, começam a eclodir, como não ocorria desde 1968. Mais de oito mil pessoas participaram de um culto ecumênico na Catedral da Sé, em São Paulo, no dia 31 de outubro, concelebrado pelo cardeal d. Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo James Wright. O fato mobilizou não apenas importantes setores da oposição, mas até o conservador empresariado paulista, representado, por exemplo, por José Midlin, então diretor da TV Cultura.

Nas altas esferas do poder ditatorial, estava claro que tratava-se de um golpe dentro do golpe, pela insubordinação à autoridade do presidente Geisel. Os setores mais radicais da linha dura seguiam, então, ordens do general Silvio Frota, aspirante preterido a Presidência da República. Frota jamais escondeu sua insubmissão ao Presidente, usando como munição o fato de ter esmagado, poucos anos antes, as tentativas de guerrilha urbana e rural registradas no Brasil.

Pressionado, o II Exército reconheceu que Vladimir Herzog morrera nas dependências do Doi-Codi de São Paulo. Mas no dia 17 de janeiro de 1976, fato semelhante ocorria: a morte do operário Manoel Fiel Filho, após interrogatórios policiais no mesmo local. A reação de Ernesto Geisel não demorou: dois dias depois, demitiu o comandante do II Exército, nomeando para o seu lugar o general Dilermando Monteiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Uma obra-prima violenta e proibida

Dar um presente de Natal para um amigo inteligente não exigiu muita procura em 1975. Em dezembro, a tempo de pegar as festas de fim de ano, a editora Artenova publicava o novo volume de contos de um exímio contador de histórias: "Feliz Ano Novo", do mineiro José Rubem Fonseca, um livro cuja apreensão, pela Justiça, transformou-se num símbolo da época de arbitrariedade e intolerância na qual o Brasil estava mergulhado.

Advogado que nunca exerceu de fato a profissão, ex-delegado de polícia e ex-boxeador, Rubem Fonseca, nascido em 1925, em Juiz de Fora, lançou-se no cenário literário nacional aos 38 anos, com a publicação de seu primeiro livro, "Os prisioneiros" (1963). O reconhecimento consolidou-se alguns anos depois, com os contos de "Lucia McCartney" (1968), cuja adaptação para o cinema teve sua colaboração no roteiro, e o primeiro romance, "O caso Morel" (1973). Nos cinco contos de "Feliz Ano Novo", um best-seller nacional, o escritor consagrava um estilo: linguagem seca, cortante, cinematográfica, para contar histórias de personagens urbanos, muitas vezes do submundo, envolvidos em situações de extrema violência: o milionário que sai a noite caçando vítimas para atropelar, os ladrões que descem a favela e invadem uma festa de reveillon, o jovem aniversariante que come, com as quatro tias, o corpo da amante assassinada.

Um ano depois do lançamento, quando o livro já tinha vendido 30 mil exemplares e uma quarta edição estava prestes a ser distribuída às livrarias, "Feliz Ano Novo" foi proibido pelo ministro da Justiça de Geisel, Armando Falcão, com uma alegação muito comum na época: a de atentar contra a moral e os bons costumes. Um senador da Arena, o partido do Governo, chegou a dizer que se tratava de "pornografia pura", e pregou a prisão do autor. Como de hábito, Rubem Fonseca não falou a imprensa—"tudo o que eu tenho a dizer esta nos meus livros"—era o máximo que dele arrancavam os jornalistas, e mesmo isso a duras penas. No caso de "Feliz Ano Novo", o que ele tinha a dizer parecia estar sobretudo no último conto, na entrevista em que se pergunta a um escritor-personagem se ele é pornográfico. "Sou, os meus livros estão cheios de miseráveis sem dentes", responde.

Rubem Fonseca não falou, mas agiu. Moveu uma ação contra a União por perdas materiais e danos morais. Num primeiro julgamento, em 1980, o juiz manteve a proibição mas fez uma ressalva: o livro, segundo ele, não agredia os bons costumes, mas incitava a violência. Enquanto os leitores brasileiros faziam fila com amigos que tinham um exemplar, o livro era publicado na Espanha e na França. Seria liberado no Brasil em 1985, mas reeditado apenas quatro anos depois, quando o autor ganhou a ação na Justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1975

Um indivíduo contra o sistema

Michael Douglas é hoje um veterano ator que fica bem como poucos naqueles papéis de sério e respeitável executivo. Mas quando o filho de Kirk Douglas estreou à vera na carreira de executivo cinematográfico, em 1975, era um jovem rebelde, cheio de idéias da contracultura que queria ver transpostas para a tela. Tanto que sua primeira incursão como produtor—em parceria com Saul Zacntz—rendeu um marco dos anos 70, "Um estranho no ninho" ("One flew over the cuckoo's nest"), adaptação do romance contestatório de Ken Kesey, que já tinha sido transformada em peça teatral por Dale Wasserman.

Jack Nicholson e Randle Patrick McMurphy, um condenado que tenta se livrar de trabalhos forçados na prisão passando-se por louco. Um típico espirito livre daquela época de fins do movimento hippie, Randle vai para um manicômio e contamina os loucos de verdade com seu comportamento de maluco-beleza, virando o agente catalisador de uma quase rebelião entre os internos. Mas descobre, como tantos na época, que era impossível mudar por dentro o sistema. Este reage, pesadamente, na forma da enfermeira linha-dura Mildred Ratched (Louise Fletcher).

Com um produtor estreante e um tema delicado e polêmico, "Um estranho no ninho" manteve seu esquema de cinema de risco até na escolha do diretor. O tcheco Milos Forman tinha apenas seis anos de Estados Unidos e meros dois filmes americanos no currículo (sendo que um deles era um dos episódios de "Visions of eight", documentário de vários diretores sobre as Olimpíadas de 1972) quando recebeu a tarefa de transformar—com um orçamento de US$ 3 milhões—o livro de Ken Kesey em película. O resultado foi um sucesso muito acima do esperado. "Um estranho no ninho" faturou US$ 112 milhões no mercado americano e virou sucesso internacional.

O drama levou os cinco prêmios mais cobiçados do Oscar: os de filme, diretor, ator (Nicholson), atriz (Fletcher) e roteiro (adaptado por Lawrence Hauben e Bo Goldman), repetindo pela primeira vez a façanha da comédia de Frank Capra "Aconteceu naquela noite", de 1934. Recebeu ainda indicações nas categorias fotografia, montagem, música e ator coadjuvante (Brad Dourif). A premiada atuação de Nicholson o pôs no patamar de super-astro, no qual se mantêm firme até hoje. Douglas voltaria a faturar com o cinema de protesto em 1979, com "Síndrome da China".

 

Fonte: O Globo - Texto integral