Em 1974 as principais manchetes foram estas:

Watergate, Vietnã... E Nixon renuncia

Kissinger sela a paz impossível

Cronista do Gulag perde sua pátria

Espião derruba chanceler alemão

A triste volta do peronismo
Portugal recupera alma democrática

Um confronto de rivais históricos

Buraco negro, fábrica de mundos
As aventuras de uma menina rica
Carrossel encanta mas não leva

Clique sobre a manchete para conhecer os detalhes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Watergate, Vietnã... E Nixon renuncia

As duas cenas de helicóptero separadas apenas por alguns meses estão registradas para sempre na memória americana. Na manha de 9 de agosto de 1974, nos jardins da Casa Branca, Richard Nixon fez a sua habitual saudação dupla com o V da vitória, embarcou no helicóptero e partiu para sempre da presidência. Ele anunciara sua renuncia no dia anterior, derrotado pelo escândalo Watergate.

Em 29 de abril de 1975, os helicópteros pousaram no telhado da embaixada dos Estados Unidos em Saigon para resgatar os últimos americanos e uns poucos vietnamitas na véspera da vitória comunista. Sem a guerra do Vietnã, Nixon talvez não tivesse embarcado em Watergate.

Watergate começou com a crescente irritação e paranóia de Nixon com os protestos contra a guerra do Vietnã e os vazamentos de informações sobre suas iniciativas políticas. Uma sensação de cerco tomou conta da Casa Branca e o presidente ordenou o monitoramento, espionagem e golpes sujos contra seus adversários reais e imaginários. Com a publicação em 1971 pelo jornal "The New York Times" dos "Papeis do Pentágono"—documentos secretos com a história do envolvimento americano no Vietnã—a Casa Branca criou uma unidade secreta de investigação, chama da de "os bombeiros", para tapar os vazamentos de informação.

Nixon suspeitava de sua própria equipe de governo e instalou equipamentos de escuta no Salão Oval da Casa Branca para que mais tarde os assessores não pudessem alegar discordância das decisões. John Kennedy e Lyndon Johnson também gravavam conversas, mas para Nixon foi fatal.

No começo de 1972, os "bombeiros" foram transferidos para o comitê de reeleição de Nixon. Em 27 de maio, cinco patetas a mando de assessores do presidente republicano foram pilhados ao arrombar e grampear o escritório do Partido Democrata no edifício Watergate, em Washington. Nixon desqualificou o episódio como um "arrombamento de terceira categoria". Deu em uma renuncia de humilhação infinita para o presidente e para o pais. Foi uma humilhação nacional, mas no escândalo Watergate o sistema funcionou.

As reportagens da imprensa, especialmente as investigações dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal "Washington Post", mantiveram o caso a tona. A partir da prisão dos cinco patetas diretamente implicados no escândalo, a Justiça apertou o cerco em torno dos mandantes. Nixon e assessores foram se enredando no acobertamento do escândalo. E, finalmente, o Congresso cumpriu o seu papel ao convocar uma comissão de inquérito no Senado e proceder na Câmara com o impeachment de um presidente que subvertera a Constituição.

O escândalo Watergate se arrastou por três anos, mas o desfecho foi rápido e fulminante. Em maio de 1974, a Comissão de Justiça da Câmara iniciou as investigações para o impeachment. Em 20 de maio, o juiz John Sirica ordenou que Nixon entregasse ao promotor especial Leon Jaworski as fitas com as gravações das conversas no Salão Oval da Casa Branca. Nixon se recusou a obedecer e em 24 de julho o Supremo Tribunal decidiu por unanimidade que o presidente entregasse as transcrições das gravações.

O pais acompanhava eletrizado os debates na Câmara. As sessões eram transmitidas pelas redes de televisão Nixon fora reeleito em 1972 com espetaculares 60% dos votos. Ele era o herói da "maioria silenciosa", assustada com os protestos contra a guerra do Vietnã e o clima de 1968 no pais. Mas quem subvertera a ordem e os bons costumes fora Richard Nixon. Dois anos após o triunfo eleitoral, dois terços dos americanos eram a favor do impeachment do presidente.

Entre 27 e 30 julho, a Comissão de Justiça da Câmara recomendou três artigos de impeachment. O primeiro por abuso, obstrução e manipulação do FBI, da CIA e do Serviço da Receita Federal. O segundo por manter uma unidade de investigação secreta e ilegal na Casa Branca e o terceiro por acobertamento a partir do próprio Salão Oval. Foi um desempenho legislativo memorável pelo espirito bipartidário e isenção Os artigos foram aprovados por todos os 21 deputados democratas e sete dos 16 republicanos.

Em 5 de agosto, o presidente entregou as transcrições de três fitas que o implicavam claramente no acobertamento do escândalo. Com as revelações, ate ardorosos partidários no navio parlamentar abandonaram o rato. Não havia mais duvidas de que o impeachment seria também aprovado pela maioria do plenário da Câmara e os necessários dois terços do Senado.

Em 8 de agosto, Nixon anunciou sua renuncia. Disse que não tinha mais "uma base política suficientemente sólida". Ele estava de novo acobertando os fatos. Barry Goldwater, candidato republicano à presidência em 1964 e ex-amigo do peito de Nixon, explicou com todas as letras por que o presidente estava acabado: "Nixon foi o indivíduo mais desonesto que eu já conheci. Ele mentiu para sua mulher, sua família, seus amigos, seu próprio partido, o povo americano e o mundo".

Após a renuncia, ate sua morte em 1994, Nixon trabalhou de forma infatigável pela reabilitação. Já esta sendo tratado com mais condescendência do que nos anos 70, em parte por suas conquistas em política externa e domestica. O fervoroso anticomunista teve visão estratégica para buscar a conciliação com a União Soviética e a China. Dentro de casa, ele foi de uma sensibilidade para questões sociais e raciais de fazer inveja a muitos presidentes democratas.

Richard Nixon foi o político dos mil truques, mas não adianta. Ele disse "não sou um escroque" e a opinião publica americana respondeu que daquele homem não comprava um carro usado.

Watergate foi carga pesada para um pais que em poucos anos fora dividido pela guerra do Vietnã e testemunhara o assassinato dos irmãos Kennedy, John e Bob, e de Martin Luther King.

Com Watergate, aumentou o cinismo em relação à classe política e o presidente perdeu sua aura majestosa. Os americanos se acostumaram com lideres mentirosos. No final dos anos 90, escândalos em Washington, e claro, repetiram-se como farsa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Kissinger sela a paz impossível

Quando eclodiu a Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, o então secretario de Estado americano, Henry Kissinger, resolveu ignorar sua ascendência judaica e apresentou-se como negociador de interesses aparentemente inconciliáveis. Seu primeiro feito foi convencer o governo israelense a aceitar o cessar-fogo. Um mês depois, ele iniciava um périplo de viagens ao Oriente Médio que só terminou em maio de 1974, quando, depois de permanecer 28 dias seguidos visitando sete países da região, obteve o plano de paz que árabes e judeus vinham postergando desde a criação do estado de Israel, em 1948

Hábil negociador, Kissinger dividiu as conversas em etapas. Sua prioridade era o reatamento das relações entre Cairo e Washington, feito obtido em novembro de 1973, quando, ao longo de nove dias, passou por Marrocos, Tunísia, Arábia Saudita, Ira e Egito. Os árabes tinham introduzido a questão do petróleo no centro do conflito e foi pensando nele que Kissinger visitou a região em dezembro, aproveitando o ensejo para uma nova rodada de negociações com Israel. Em janeiro, la estava ele de novo, tentando fazer com que Egito e Israel "compreendessem melhor as respectivas posições", levando o primeiro a reduzir seus efetivos ao absolutamente indispensável na região do Canal de Suez e o segundo a recuar em 30 quilômetros as tropas que ali mantinha.

Restava ainda o problema na explosiva fronteira entre Israel e a Síria, onde as colinas de Cola ardiam em chamas. Foi para resolve-lo que Kissinger fez sua sexta e ultima viagem ao Oriente Médio, negociando ao longo de 28 dias com os sete países envolvidos na questão árabe, chegando a fazer 11 visitas a Damasco e 14 a Israel. No auge das negociações, um atentado terrorista a escola do kibbutz de Maalot pôs quase tudo a perder, em 15 de maio, quando Kissinger abandonou a função de mediador e apresentou sugestões tanto ao presidente Hafez Al Assad, da Síria, como ao governo israelense. O acordo foi enfim anunciado no dia 29 de maio—coincidentemente, no aniversario de Kissinger: Israel devolveria quase 500 quilômetros quadrados do território que conquistara na Guerra dos Seis Dias, alem da cidade de Quneitra.

Kissinger saiu consagrado das negociações, mas, se por fim conseguia fixar uma fronteira negociada entre o Estado de Israel e os países árabes que o cercavam, adiava mais uma vez uma decisão sobre a explosiva questão palestina. A OLP, que nesse ano obteve permissão para participar dos debates na ONU sobre o Oriente Médio e foi reconhecida pelos países árabes como única representante do povo palestino, estava cada vez mais disposta a fazer valer o que acreditava ser seu direito: ter um Estado na região.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Cronista do Gulag perde sua pátria

Num momento em que a União Soviética começava a se aproximar mais do mundo ocidental, uma medida típica da época dos expurgos stalinistas foi tomada em fevereiro de 1974. O escritor russo Alexander Soljenitsyn, Prêmio Nobel de Literatura em 1970, teve os direitos de cidadania cassados e foi expulso do pais, junto com a mulher, a sogra e os três filhos. A decisão foi tomada por causa do lançamento, em dezembro do ano anterior, do livro "O arquipélago Gulag", no qual o escritor relata uma situação deplorável que conheceu de perto: o cruel sistema de campos de trabalhos forçados na União Soviética, descrito através dos depoimentos de mais de 600 prisioneiros.

Alexander Soljenitsyn passou oito anos num desses campos, após ter criticado Stálin em cartas que enviara a um amigo, em 1945. O ex-capitão do Exercito Vermelho que lutou na Segunda Guerra Mundial, teve um câncer após trabalhar em minas e fundições no período de confinamento. Conseguiu se curar e, em 1956, três anos após a morte de Stálin, conseguiu a liberdade. Quando recebeu o Nobel, premiação que foi considerada uma afronta ao comunismo pelas autoridades soviéticas, já era conhecido mundialmente. Após o lançamento de "Um dia na vida de Ivan Denisovich", que também fala de prisioneiros, o escritor passou a ser considerado um dos principais críticos do regime soviético. Proibidas em seu pais, as obras de Soljenitsyn eram publicadas clandestinamente no exterior. Os funcionários da burocracia soviética costumavam se referir a ele como um contra-revolucionário, "um escrevinhador reacionário".

Após intensa campanha de propaganda para forca-lo a sair voluntariamente do pais, agentes da KGB, a policia secreta soviética, retiraram o escritor de seu apartamento, em Moscou. Sem ter idéia do que estava acontecendo, Soljenitsyn foi levado a uma delegacia e depois a um avião, com destino a Frankfurt, na Alemanha, de onde seguiu para o exílio na casa de campo de um amigo, o escritor alemão Heinrich Boll, na região montanhosa de Langenbroich.

A expulsão repercutiu muito mal no exterior, inclusive entre os partidos comunistas europeus, mas acabou dando mais notoriedade a Alexander Soljenitsyn, que começou a fazer conferencias no mundo inteiro, narrando as atrocidades do sistema comunista. Só em 1974 Soljenitsyn receberia das mãos do Rei da Suécia, Carlos Gustavo, o prêmio maior da literatura: em 1970, não fora receber o prêmio, com medo de que não o deixassem voltar a seu pais. O escritor mudou-se com a família nos Estados Unidos, onde se tornou um critico do american way of life. Ele voltaria a seu pais natal em 1994, quatro anos depois de ter seus direitos civis restaurados por Mikhail Gorbatchov.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Espião derruba chanceler alemão

Ao renunciar, em 6 de maio de 1974, ao cargo de chanceler da Alemanha Ocidental, Willy Brandt tomou a decisão óbvia diante das evidencias: ter um espião comunista como assessor político naquela época era demais para um chefe de Governo. Ao ser detido, em abril Gunter Guillaume confessara ser oficial do Exercito alemão oriental e Brandt, primeiro chanceler social-democrata do pais em 25 anos de pós-guerra, deixou o poder para seu sucessor, o ministro da Defesa Helmut Schmidt. Aparentemente porem, a descoberta do espião foi mais um pretexto para Brandt se retirar do cenário. Veteranos líderes de seu partido diziam que o chanceler só se manteria no cargo se conseguisse controlar a renitente inflação que incomodava a economia do pais— tarefa que se revelou impossível.

Willy Brandt foi um dos poucos políticos alemães que começaram a luta contra o nazismo antes mesmo de Hitler subir ao poder. Nascido Karl Herbert Frahm em 18 de dezembro de 1913, em Lubeck, na costa do Báltico, aos 17 anos era militante da Juventude Socialista. Com a ascensão dos nazistas, fugiu para a Noruega e depois para a Suécia trabalhando como jornalista. Em 1945, voltou, já com o novo nome que adotara. Ingressou no Partido Social Democrata, elegeu-se deputado e obteve um cargo de direção no partido. Ao assumir a prefeitura de Berlim Ocidental em 1957, assistiu, indignado e impotente, a construção do muro que dividia a cidade em duas. Vários confrontos e bate-bocas com os soviéticos fizeram crescer sua fama de intransigente campeão da democracia.

"Nosso Willy", como os compatriotas o chamavam, um amante de bons vinhos, boas roupas e mulheres, tornou-se ministro das Relações Exteriores em 1966, numa coalizão com os democratas cristãos. Em 1969, com a vitoria social-crmocrata nas eleições, foi escolhido chanceler. Apoiou a participação da Alemanha Ocidental na Otan e no Mercado Comum Europeu. Sua Ostpolitik — abertura para o Leste, compreendendo a assinatura de tratados e acordos com países comunistas, inclusive e principalmente a Alemanha Oriental —Ihe deu o Prêmio Nobel da Paz em 1971. Após a renuncia, continuou a atuar na política internacional, interessado no desenvolvimento do Terceiro Mundo e na redução das tensões políticas na Europa Central, ate sua morte, de câncer, em 8 de outubro de 1992.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

A triste volta do peronismo

Cercado por graves crises políticas e econômicas, tomando medidas que ora desagradavam ao operariado, ora as classes rural e media, o presidente argentino Alejandro Lanusse, empossado em 1971, decidira iniciar negociações para a volta do exilado Juan Domingo Perón ao pais. Ele acreditava que a simples presença do velho presidente, deposto pelos militares em 1955, acalmaria os ânimos. Em novembro de 1972, Perón, aos 76 anos, fez uma visita triunfal a Argentina, e em março do ano seguinte seu ainda poderoso Partido Justicialista elegeu o inexpressivo Hector Campora para a presidência da Republica. Era o primeiro indicio da volta do peronismo, que alçaria Isabelita Perón ao invejável posto de primeira mulher a se tornar presidente da Republica no Ocidente.

Campora renunciou em julho de 1973 para permitir a candidatura de Perón, que, tendo sua mulher, Isabel, como vice presidente, ganhou as eleições em setembro, com quase 62% dos votos. Dedicou-se então a resolver a luta interna no partido entre montoneros (esquerdistas) e anticomunistas, e implantar uma política econômica que agradasse a classe trabalhadora. Não teve tempo. Morreu em 1° de julho de 1974 e Isabelita o substituiu.

Seu nome era Maria Estela Martinez de Perón, nascida em 1933, em La Rioja. Estudou bale fez parte do corpo de baile do Teatro Nacional Cervantes e excursionava com um conjunto de tango e musica espanhola quando conheceu o exilado Perón no Panamá, em 1956. Logo aceitou ser sua secretaria particular e, em 1961, sua mulher. Mesmo antes da volta a Argentina, Isabelita vinha cumprindo missões políticas para o marido.

Inexperiente, tentou se escorar—sem sucesso—no prestigio mítico de Perón e sua primeira mulher, Evita. Contava com o apoio do secretario Jose López Rega, um velho amigo do casal, chamado "EI Brujo" por suas habilidades como astrólogo. Aconselhada por ele, favoreceu setores direitistas e perseguiu sindicatos. Mas atentados de esquerda e de direita se multiplicavam. Em marco de 1976, Um golpe militar derrubou Isabelita. O poder foi assumido por uma junta de extrema direita chefiada pelo general Jorge Rafael Videla. Era o inicio da "guerra suja" no pais, responsável por milhares de mortos e "desaparecidos".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Portugal recupera alma democrática

Nos primeiros minutos do dia 25 de abril de 1974. a radio Renascença de Lisboa tocou uma musica ate aquele momento incluída no index de canções malvistas pelo governo do primeiro-ministro Marcelo Caetano. "Grândola, Vila Morena". do folclore do Alentejo, falava de uma "terra da liberdade", onde "o povo e quem mais ordena". Sua veiculação, na voz do popular cantor Jose Affonso, foi a senha para que os militares marxistas do Movimento das Forcas Armadas (MFA) tomassem quartéis, academias militares e pontos estratégicos do pais, como aeroportos e emissoras de radio e TV. dando inicio A Revolução dos Cravos.

O nome veio dos cravos que os revoltosos usavam na lapela para se identificar, idéia encampada pela população—naquela primavera européia, os portugueses festejavam o fim de quase cinco décadas de ditadura colocando as flores nos canos dos fuzis dos soldados. Os revoltosos, liderados por um grupo de 200 capitães e majores tinham como principal motivação a oposição a guerra nas colônias africanas, que se perpetuava ha 13 anos com custos pesados para o pais.

A manutenção das colônias, ultimo baluarte do império português, fazia parte do programa de Antônio de Oliveira Salazar, professor de Coimbra que instituíra nos anos 20 o regime fascista batizado de Estado Novo. Quando as colônias começaram a se insurgir, em 1961, Salazar, vendo ameaçado seu projeto de resgate do passado glorioso, enviou tropas para a África. Marcelo Caetano, que o sucedeu em 1968, manteve-as la, numa guerra cuja falta de perspectiva inquietava os jovens militares. A semente da revolução foi regada com as idéias do general Antônio de Spínola. No livro "Portugal e o futuro", o general (que se tornaria o primeiro presidente pós-revolução) defendia a autonomia para as colônias.

A revolução libertou presos políticos, permitiu a volta de exilados e nacionalizou bancos e empresas, provocando o êxodo de empresários para o Brasil—destino também de Marcelo Caetano —e para a África. Os setores militares conservadores ainda tentaram um malogrado golpe, liderado pelo mesmo Spínola, contrariado com a orientação comunista do movimento. Mas o poder permaneceu com os oficiais marxistas do MFA.

No final, entre a esquerda radical e a direita retrógrada, os portugueses optaram pelo centro—nas primeiras eleições parlamentares, em abril de 1976, elegeram o socialista Mario Soares como primeiro-ministro e, dois meses depois, o general Ramalho Eanes como presidente. Mas os objetivos da revolução tinham sido cumpridos: Portugal foi democratizado e deu-se inicio a um lento—e ainda em curso—projeto de desenvolvimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Um confronto de rivais históricos

A Grécia não tinha o cacife necessário para patrocinar o golpe de estado que o jornalista Nikos Giorgiades Sampson liderou em Chipre em meados de julho de 1974, afastando do poder o arcebispo Makarios III—ate então, o único presidente da pequena ilha no mar Egeu, que conquistara em 1960 a independência da Inglaterra. A Turquia, distante apenas 70 quilômetros de Chipre e com a qual a Grécia mantinha uma velha rivalidade, não toleraria a presença tao próxima de um Governo que, alem de pró-helenico. tinha a frente um homem perigoso: Sampson se tornara uma lenda nacional pela coragem quase suicida demonstrada na luta de guerrilha, durante o processo de libertação do Chipre. A resposta turca veio em cinco dias e foi fulminante.

Na manha de 20 de julho, a Turquia mobilizou 40 mil homens de suas Forcas Armadas e atacou o Chipre com 35 navios, 300 tanques e 150 aviões. Em dois dias a ilha foi dominada pela Turquia, cujo efetivo militar, o quarto maior da OTAN era famoso pela crueldade. O governo de Atenas chegou a falar grosso nos foros criados pela comunidade internacional para resolver a crise mas não passou disso.

A reação da Grécia foi abortada por varias razoes. A de maior peso era a queda dos governantes militares, no poder ha sete anos, articulada pela comunidade internacional simultaneamente a deposição de Sampson no Chipre. O conservador Constantine Karamanlis, que voltou do exílio para formar um governo de unidade nacional tinha a dura missão de consolidar a democracia na Grécia. Tratou a questão cipriota com a indignação de um chefe de Estado preocupado com o destino de um pais no qual viviam 600 mil descendentes de gregos: anunciou o desligamento da Grécia da OTAN. E foi só.

Os turcos voltaram a atacar em agosto. guando ficou claro o objetivo da ação militar: criar a chamada "Linha de Atila", uma divisão da ilha em duas regiões, sendo o Norte, mais próximo a Turquia, destinado a minoria turca do pais. Em fevereiro do ano seguinte foi instituído o Estado Federado Turco do Norte de Chipre—jamais reconhecido internacionalmente—e 200 mil cipriotas gregos se viram forcados a migrar para a outra parte da ilha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Buraco negro, fábrica de mundos

E apenas uma teoria, ainda não comprovada, mas a mais fascinante dos últimos 40 anos na cosmologia e na física: se estiver certa, estará explicado o começo de tudo. Ou melhor, estará explicado que não houve começo e, portanto, não haverá fim.

Corria o ano de 1974. Físicos teóricos e cosmólogos andavam ocupados. Alguns estudavam os buracos negros, corpos que teoricamente existem no universo e que se caracterizam por uma forca gravitacional tao grande que atraem para seu interior tudo o que passe pelas proximidades, ao mesmo tempo impedindo a saída de qualquer coisa que tenham engolido—inclusive a luz. Outros cientistas estudavam a origem de tudo partindo da teoria mais aceita, a de que o universo nasceu do Big Bang, a grande explosão de uma singularidade, um ponto matemático de volume zero, no qual já estava contida toda a matéria/energia conhecida.

Foi então que o inglês Stephen Hawking, um físico teórico da Universidade de Cambridge, na época com 32 anos, decidiu juntar os dois campos de conhecimento, convencido de que nos buracos negros esta a explicação para a origem, a forma e o destino final do universo.

Numa reunião de físicos na Inglaterra, apresentou sua tese de que os buracos negros não trancam tudo o que absorvem: na verdade, expelem de volta sob a forma de energia, a matéria engolida. Estava ali a primeira pedra do portentoso edifício teórico que Hawking construiria nos vinte anos seguintes e que o levaria a concluir que universos são criados a todo momento dentro dos buracos negros. O universo, diz ele, e uma imensa bolha de espaco-tempo, cujo conteúdo se afasta velozmente do centro que Ihe deu origem e empurra para longe seus limites. Logo, não ha limites. Muitos outros universos flutuam no espaço, a uma distancia inatingível, já que, como ele explicara antes, a bolha em que vivemos não tem limites.

Em 1994, o telescópio espacial Hubble obteve uma forte evidencia da existência dos buracos negros. Tudo indica que ha um deles no centro da galáxia chamada M87. Falta, porem, captar a radiação que, segundo Hawking ele deve estar emitindo. Se e quando isso acontecer, estará provada a teoria.

Vitima de uma rara doença que o impede de se movimentar e falar e o obriga a locomover-se numa cadeira de rodas equipada com sintetizador de voz Stephen Hawking alcançou a celebridade no mundo dos leigos em 1988, com o livro "Uma breve história do tempo". A obra, uma tentativa de explicar suas idéias sobre o universo sem usar equações, tornou-se best-seller mundial. Muitas das explicações, contudo, permanecem incompreensíveis para os leigos. Hawking consola-os: "Eu também não entendo todas as idéias do meu livro. Se entendesse, estaria entendendo o plano de Deus". Para o cientista, "Deus" são as leis da física. Ele esta convencido de que e uma questão de tempo ate que a razão o decifre.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

As aventuras de uma menina rica

Patrícia Hearst bem poderia ter continuado a desfrutar das regalias de ser neta de um dos mais polêmicos personagens da história americana: William Randolph Hearst, o poderoso magnata das comunicações do inicio do século, que inspirou Orson Welles na criação do genial "Cidadão Kane". O filho do patriarca, Randolph mantinha boa parte desse império quando, no dia 5 de fevereiro de 1974, sua filha Patrícia foi seqüestrada em seu apartamento, na Califórnia, pelo exótico grupo armado Exercito Simbionês de Libertação (ESL). A partir dai, tinha inicio um dos mais bizarros capítulos da história do terrorismo.

Após o seqüestro, os pais de Patty, como a moca era chamada, cederam a algumas reivindicações do grupo, como a de doar US$ 2 milhoes em alimentos para uma comunidade pobre da Califórnia. Mas Patty não voltou para casa. Com o pseudônimo de Tânia, ela, ate então uma apolítica estudante da Universidade da Califórnia acabou aderindo a causa do ESL, que pregava uma distribuição de renda mais justa, a luta contra os preconceitos e a revolução armada nos Estados Unidos. Os instrumentos de luta eram ações violentas. Num dos assaltos realizados pelo grupo para angariar recursos, num banco da Califórnia, uma mulher foi assassinada. Na fuga, seis dos sete participantes da ação foram mortos pela policia, em Los Angeles, em cena transmitida ao vivo pela TV. Patty, a sétima participante do assalto, conseguiu escapar.

Após 19 meses de vida clandestina, a herdeira dos Hearst foi presa em 1975 num apartamento em São Francisco, junto com o casal William e Emily Harris, seus "raptores", e a artista Wendy Yoshimura. Condenada a sete anos de prisão ao final de um julgamento em que a defesa alegou "lavagem cerebral", Patty Hearst acabaria tendo sua pena comutada pelo presidente Jimmy Carter em fevereiro de 1979 após uma campanha nacional organizada por seu pai para liberta-la.

Durante o julgamento, tentando abrandar sua pena, Patty não poupou esforços em delatar seus ex-companheiros. O casal Harris foi condenado a 11 anos de prisão, obtendo liberdade condicional em 1983. O empenho colaboracionista de Patty ainda levou vários outros integrantes do grupo para a prisão perpetua. O estranho Exercito Simbionês de Libertação, um subproduto das manifestações estudantis dos anos 60, acabou da mesma forma que a década em que foi forjado: com uma amarga sensação de volta a realidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1974

Carrossel encanta mas não leva

De triste lembrança para o Brasil, a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, ficou marcada pelo famoso "carrossel holandês" do técnico Rinus Michels, o revolucionário esquema em que os jogadores não tinham posições fixas. Na final, entretanto—da mesma forma que em 1954, quando derrotaram os favoritíssimos húngaros—os alemães, donos da casa, venceram a Holanda por 2 a 1. Marcado impiedosamente por Berti Vogts, o craque Johan Cruyff acabaria abandonando a seleção por falta de preparo para lidar com a derrota, segundo ele mesmo diria após a Copa. Os holandeses voltariam a amargar um vice-campeonato quatro anos depois, novamente contra o time do pais-sede, dessa vez a Argentina,

A Alemanha organizou a Copa de 1974 com a sensação de resgatar uma divida histórica: a Copa de 1942, cancelada devido a Segunda Guerra, seria dela. Os cuidados com a segurança foram redobrados: dois anos antes, nas Olimpíadas de Munique, 11 atletas israelenses tinham sido assassinados por terroristas palestinos. Era a primeira vez que se disputava a Taça Fifa, substituindo a Jules Rimet, conquistada definitivamente pelo Brasil em 1970.

Para o Brasil e seu futebol retranqueiro (seis gols marcados em sete jogos, um a menos do que o polonês Lato, artilheiro da competição), restou o magro consolo de ter o primeiro não-europeu na presidência da Fifa: João Havelange, eleito pouco antes da Copa, ficaria no poder por 24 anos.

Depois de se classificar com dois empates sem gols com Iugoslávia e Escócia e uma vitória de 3 a 0 sobre o estreante Zaire, o Brasil derrotou, na fase final, os também estreantes alemães orientais por 1 a O e os argentinos por 2 a 0. Chegou a vez do temido "carrossel". Depois de um bom começo, o Brasil foi dominado amplamente, levou dois gols no inicio do segundo tempo e não marcou nenhum.

Sem Pelé, que largara a seleção, e Tostão, que abandonara o futebol por causa de um problema na vista, o Brasil não era nem sombra da equipe tricampeã. Mesmo tendo a disposição a "academia" do Palmeiras, bicampeão brasileiro em 1972/73, o técnico Zagalo optou por um esquema tao defensivo que Ademir da Guia, o craque do time paulista, só participou da disputa pelo terceiro lugar, contra a Polônia—perdida pelo Brasil por 1 a 0.

Fonte: O Globo - Texto integral