Em 1967 as principais manchetes foram estas:

Os Beatles mudam o mundo com um LP

Israel muda o jogo no Oriente Médio

Coronéis no berço da democracia

O mito mais terno das revoluções

O genial mitólogo do surrealismo

Sim, existe uma vida após a morte

Mais objetos entre o céu e a Terra

A primeira-dama das telenovelas

E viva a geléia geral brasileira!
A saga literária de García Márquez

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1967

Os Beatles mudam o mundo com um LP

Os que hoje tem mais de 40 anos são capazes de lembrar com nitidez o dia de 1967 em que ouviram pela primeira vez "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", o oitavo álbum lançado pelos Beatles. As descrições poderão variar em detalhes, mas, em geral, expressam as variantes de uma única, enorme resposta emocional: espanto, rapidamente transmutado em admiração. Ali estava o resultado da transformação da banda pop mais popular de seu tempo no grupo de rock mais arrojado de sua geração.

Quem havia se acostumado as gemas pop dos Beatles e das outras estrelas de seu tempo mal podia suspeitar o salto quântico dado com "Sgt. Pepper's", algo que o álbum anterior, "Revolver", apenas sugeria—e que o álbum ainda antes deste, "Rubber Soul", mal rascunhava. De sensação instantânea—algo do nível de um Elvis Presley que, nesta época, ainda vivia recluso em Los Angeles, estrelando filmes gloriosamente ruins e sendo visto como mais um item descartável (e descarta do) do universo pop—os Beatles tinham virado Artistas.

As provas estavam no vinil: o rock rascante da faixa-título (estariam os Beatles tocando ao vivo?); as faixas interligadas, sem intervalo (haveria um Grande Tema comum, uma Mensagem?); a textura psicodélica de "Lucy in the sky with diamonds" (criando de imediato a controvérsia em torno de uma possível menção ao LSD, mito que se perpetuaria através dos anos); o complexo arranjo orquestral de "A day in the life": aquele estranho, dramático e gigantesco acorde no piano—em mi maior, a seis mãos—que parecia durar uma eternidade (mais precisamente, 53 segundos e meio) enquanto fechava o disco, antes do surgimento, após um breve silencio, de um palavreado incompreensível, indecifrável (que a mitologia do rock, mais uma vez, faria o mundo crer se tratar de uma mensagem secreta a ser ouvida de trás para a frente—segundo o mito, os Beatles estariam dizendo "we'll fuck you like supermen"—afinal, pura invenção de mentes superativas e um tanto ociosas); mais a grande orquestra, o emprego de sons inusitados misturados ao universo já familiar de baixo, guitarra e bateria.

Isso sem contar a capa cheia de significados óbvios, bem como possivelmente ocultos— os Beatles teriam enterrado seu passado para fazer valer a voz de uma nova identidade artística, a da banda do Sargento Pimenta que da titulo ao disco?—e, petulância suprema num gênero musical que, segundo o ponto de vista do establishment cultural, reduzia seus arroubos poéticos ao refrão "iê-iê-iê", a publicação das letras de todas as musicas.
Todos elementos que viriam a tornar-se comuns na música pop, mas que ali, em 1967, atordoavam o mundo com a inesperada novidade, o refrescante atrevimento. Daquele momento em diante, o pop e o rock—os próprios Beatles—e a maneira como o mundo via a musica pop jamais seriam os mesmos. O mercado, que vinha sendo nutrido por compactos de som solidamente monofônico para ter impacto na radio, deu uma guinada de 180 graus e passou a sedimentar a predileção pelos long-playing álbuns estereofônicos que permitissem ao artista pintar ricas paisagens sonoras e fazer explorações—musicais, poéticas—menos limitadas.

Caminhos tao diferentes quanto os que vão dar no rock progressivo de Yes e Genesis, no rock-cabeça, espacial, do Pink Floyd aos alemães, nas colagens e samples do trip hop e do big beat de hoje, começam em 1967, com "Sgt. Pepper's". O álbum e marcado por toques de especial requinte: os sons de animais que ponteiam o final de "Good morning" foram postos em seqüência seguindo uma lógica especifica, com os bichos mais fortes aparecendo depois dos bichos mais fracos; quando quis reproduzir a atmosfera de um parque de diversões do século XIX para enfatizar o clima circense de "Being for the benefit of Mister Kite" o produtor George Martin recortou varias fitas contendo marchas de John Phillip Sousa, jogou tudo para o alto, selecionou aleatoriamente 19 pedaços, depois colou tudo aquilo de volta; e mesmo depois do palavreado que fecha o álbum os Beatles cismaram de adicionar um som—o ruído eletrônico causado por 15 quilociclos—que ninguém ouve, somente os cachorros.

Os poucos recursos técnicos da época—os Beatles precisaram atulhar tudo isso em meros quatro canais de som, quando hoje não são incomuns os estúdios independentes oferecendo a fartura de 48 canais—nem de longe intimidaram a banda, o produtor e o engenheiro de som Geoffrey Emerick (que por pouco não ganhou um credito na capa do disco, o que seria outra coisa inédita). Pelo contrario. Com paciência e maestria sobre a tecnologia então disponível, "Sgt. Pepper's" é um disco de sonoridade state-of-the-art para a sua era.

Para que os Beatles dessem vazão as suas idéias, o estúdio dois do prédio em Abbey Road, Londres, onde o grupo gravou praticamente toda sua discografia, foi transformado num verdadeiro laboratório, onde valia rigorosamente tudo para trazer a tona o que ate ali existia somente nas cabeças de John, Paul, George e Ringo: escalar uma orquestra de 40 músicos—que acompanharia a banda sob a regência de Paul, um maestro estreante; inserir um microfone envolto em plástico muna garrafa cheia de água para gravar a voz de Lennon como se ele estivesse dentro do oceano; ou mesmo decorar o estúdio com luzes fluorescentes e estroboscópicas para estimular a criatividade da banda, a essa altura aditivada com as drogas que naquele tempo serviam para expandir a mente.
Aos críticos, ignorar—ou colocar os Beatles no mesmo saco de "descartáveis" que já abrigava outros artefatos pop dos primeiros anos 60—não era mais possível. Alguns ousaram invocar Cage, Schubert, Stravinsky como termos de comparação. A maioria cocou a cabeça mais ou menos em publico, pasma com as forcas deflagradas pelo álbum e que pareciam ter passado por baixo do seu radar: as fagulhas de uma grande reviravolta cultural, psicológica, existencial mesmo, que já vinha sacudindo a América e a Europa ha um par de anos, e atras da qual, na verdade, os Beatles—filhos já de uma outra era, o menos complicado pós-guerra—estavam correndo atras.

Não deixa de ser irônico que os Beatles tenham assumido a identidade de uma banda fictícia para criar e gravar o disco que para todo o sempre seria considerado o ponto mais alto de sua carreira: o álbum que revolucionaria 0 pop em termos musicais, técnicos e mercadológicos, e que serviria de marco divisório, fronteira, limite, entre um tempo em que o universo pop era simples—dois canais, compactos, ídolos descartáveis—e uma era em que todas possibilidades são viáveis. Uma era que ainda não acabou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

Israel muda o jogo no Oriente Médio

Recebidos a bala no Oriente Médio, os judeus mantiveram-se sempre em estado de alerta desde a criação, em 1948, do Estado de Israel, encravado no mundo muçulmano. Por isso, não hesitaram quando Gamai Abdel Nasser, presidente egípcio e mais influente líder árabe da época, atravessou a linha delimitada pela Força de Emergência das Nações Unidas (Fenu), postando suas tropas próximo as expostas fronteiras israelenses. A resposta foi fulminante e entrou para a história como a Guerra dos Seis Dias—nome que traduz a rapidez com que, dos dias 5 a 10 de junho, Israel conquistou a mais espetacular vitória militar de sua História.

A primeira manobra dessa guerra se deu as , 7h do dia 5 de junho, quando a Força Aérea de Israel atacou todos os 19 aeroportos do Egito. Em menos de três horas, os caças que Nasser encomendara a URSS se transformaram em destroços, dando a Israel a hegemonia nos céus do Oriente Médio. Na mesma manhã, o pais fez uma oferta de paz a Jordânia, que, ao desconhece-la, teve sua Forca Aérea totalmente destruída. Em seguida, os israelenses atacaram as bases aéreas da Síria e do Iraque, deixando as seriamente danificadas. No total, 374 aviões árabes foram destruídos.

Ao mesmo tempo, forcas blindadas israelenses travaram um espetacular combate pelas areias do Deserto do Sinai, disputando com os egípcios uma louca corrida ate alcançar as saídas naturais para o Canal de Suez e, em particular, o comprido e estreito Passo de Mitla, conquistado de modo definitivo na noite de 7 de junho. Na mesma noite, depois de um ataque pesado da artilharia jordaniana sobre Jerusalém ocidental, os judeus revidaram e garantiram acesso ao milenar Muro das Lamentações, no setor oriental da cidade, ao qual acorreram aos milhares para orar. Completando a vitória, Israel avançou sobre a Síria e conquistou as Colinas de Golan no dia 9.

No dia 10, a ONU conseguiu um cessar-fogo. Depois de seis dias, Israel tinha finalmente fronteiras seguras e defensáveis. A um preço alto: cerca de 100 mil mortos de ambos os lados e 1,5 milhão de árabes sob seu governo nos territórios recém-ocupados. Entre estes, cresceria a hostilidade contra uma presença que consideravam indesejável. Começava ali uma batalha muito mais longa e mais difícil, nos campos da política e da diplomacia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

Coronéis no berço da democracia

Novas eleições para o Parlamento grego estavam marcadas para maio de 1967, e todas as expectativas apontavam para a reeleição do premier Georgios Papandreou. Mas a consulta as urnas nunca aconteceu. Numa situação inusitada, a Grécia viu dois golpes simultâneos serem preparados por duas conspirações militares. Uma das facções era composta de generais do Exercito e, apoiada pelo rei Constantino, seria acionada em caso de vitória da coalizão de centro-esquerda de Papandreou. A outra, composta por coronéis, chefiados por George Papadopoulos, não esperou nem o resultado das urnas, deflagrando em 21 de abril, o Plano Prometeu, destinado a salvar o pais de um suposto regime comunista.

Os militares permaneceram no poder durante sete anos. A Grécia, ate então uma monarquia constitucional, tornou-se assim o primeiro pais na Europa do pós-guerra a migrar para um regime totalitário. Em dezembro de 1967, o general George Zoitakis foi nomeado regente e Papadopoulos primeiro ministro.

A maioria da população via com bons olhos a intervenção militar, alarmada com uma possível retomada dos conflitos que vinham castigando o povo e a economia do pais. O fracasso dos governos anteriores, enfraquecidos por disputas internas e corrupção, reforçou a aprovação popular ao golpe. De fato, com os militares a economia do pais deu saltos significativos, enquanto o regime prendia 45 mil inimigos (uma das vitimas foi o próprio Papandreou, que morreu em prisão domiciliar em 1968), cassava os direitos civis e fechava o Parlamento. E proibia os cabelos compridos, a minissaia e as canções de protesto, instando funcionários públicos a freqüentar a igreja ortodoxa, como antídoto ao que se dizia ser uma febre comunista.

Tamanho retrocesso no percurso democrático fez com que a Assembléia do Conselho da Europa e a Comissão Européia dos Direitos Humanos condenassem, em 1970, o regime de Papadopoulos. Já os Estados Unidos apoiavam os golpistas (tratava-se, afinal, de um movimento anticomunista). Em 1971, Papadopoulos afrouxou o torniquete, libertando presos políticos. A repressão, no entanto, continuou. Em junho de 1972, Constantino foi deposto, depois de tentar reverter a ditadura. Papadopoulos proclamou a republica e organizou um plebiscito. Em seguida, tornou-se ele mesmo presidente, chegando a acumular antes disso os cargos de primeiro-ministro, ministro do Exterior e regente da monarquia.

No entanto, o descontentamento da população e as dissensões internas do governo começaram a minar o regime de Papadopoulos, deposto em 1973 por outro golpe militar. Somente no ano seguinte, a Grécia reencontraria o seu destino democrático, com a formação de um governo civil.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

O mito mais terno das revoluções

A morte do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara, no dia 9 de outubro de 1967, aos 39 anos, interrompeu o sonho de estender a Revolução Cubana a América Latina, mas não impediu que seus ideais continuassem a gozar de popularidade entre as esquerdas. O braço direito de Fidel Castro, que ajudou a derrotar o ditador Fulgêncio Batista em 1959 foi executado numa escola na aldeia de La Higuera, no centro-sul da Bolívia, no dia seguinte a sua captura pelos rangers do Exercito boliviano, treinados pelos Estados Unidos. Depois de 11 meses nas selvas, os guerrilheiros foram encurralados por soldados da milícia liderada pelo capitão Gary Prado, em uma ravina localizada na região de Vallegrande, no dia 8 de outubro. Durante a luta, Guevara acabou sendo ferido na perna e levado para La Higuera junto com dois companheiros.

O assassinato encerrou uma operação guerrilheira desastrosa. Com a vitória da revolução em Cuba, Che Guevara, medico formado pela Universidade de Buenos Aires que se iniciara politicamente na oposição a Perón, resolveu levar o ideal marxista para os países da América Latina, contrariando as recomendações do Partido Comunista soviético. Esse redimensionamento ideológico acirrou as diferenças com o presidente cubano, preocupado em consolidar o bem-estar econômico na ilha. Alem disso, contaram contra Che a falta de apoio do Partido Comunista boliviano (desgostoso com o fato de um estrangeiro liderar a revolução no pais) e o apoio logístico dos EUA (temerosos de que o exemplo cubano se alastrasse) as Forcas Armadas bolivianas.

Os boatos que cercaram a execução de Che Guevara levantaram duvidas sobre a identidade do guerrilheiro morto em Higueras. A confusão culminou no desaparecimento dos seus restos mortais, encontrados apenas em 1997 —quando o mundo recordava os trinta anos de sua morte—sob o terreno do aeroporto de Vallegrande. O corpo estava sem as mãos, amputadas para reconhecimento poucos dias depois da morte e contrabandeadas para Cuba. Em 17 de outubro de 1997, Che foi enterrado com pompas na cidade cubana de Santa Clara (onde liderou uma batalha decisiva para a derrubada de Batista), com a presença da família e de Fidel. Embora seus ideais sejam românticos aos olhos de um mundo globalizado, ele se transformou num ícone na história das revoluções do século XX e num exemplo de coerência política. Sua morte determinou o nascimento de um mito, símbolo de resistência para os países latino-americanos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967 

O genial mitólogo do surrealismo

Pintor que se celebrizou pelo uso de formas hiperrealistas num contexto surreal, alterando muitas vezes a escala corriqueira dos objetos e mesclando imagens para criar uma sensação de deslocamento, o belga René Magritte, nascido em 21 de novembro de 1898, explorou intensamente o mistério das coisas através do questionamento das aparências. Dizia que "um objeto nunca preenche a mesma função que o nome ou a imagem", o que traduz o sentido da sua famosa tela reproduzindo a forma exata de um cachimbo e com a inscrição: "Isto não é um cachimbo" ("Cela n’est pas une pipe"). Ao morrer, em 15 de agosto de 1967, deixou uma obra considerada uma verdadeira mitologia do surrealismo.

Alguns dos seus "truques": uma maca ocupando todo o espaço de um quarto; homenzinhos de negro e chapéu coco (um dos seus símbolos prediletos) "chovendo" sobre as casas; uma tela substituindo a paisagem de uma anela: calcados que são pés; uma gaiola substituindo um tórax; uma rocha encimada por um castelinho flutuando nas águas ("O castelo dos Pirineus", 1959); um pássaro de pedra voando em céu de lã; portas que se abrem para situações inusitadas.

A amplidão do céu azul e do mar são, fundos constantes de suas telas. Em "Tempo ameaçador" (1928), as nuvens adquirem a forma de um torso, corporificação de coisas que se constitui em outra de suas marcas. Aparecem mulheres com o rosto coberto por panos como em "A história central", também de 1928, numa referencia a um horror da infância: o suicídio da mãe, que se jogou num rio e cujo corpo apareceu com o rosto coberto pela camisola. Outras fantasias: uma tuba em chamas na praia, um peixe com pernas de homem, "figuras reunidas numa ordem que não pode deixar ninguém indiferente", como definiu.

Mistério, perigo e humor também se refletem no gosto de Magritte por filmes de terror, histórias policiais e, especialmente, a obra do escritor americano Edgar Allan Poe. Na adolescência chegou a escrever contos de detetive, assinando Renghis (utilizando as primeiras silabas de dois dos seus prenomes: Rene Francois Ghislain). Estudou na Academia de Belas Artes de Bruxelas, tornou-se desenhista de uma fabrica de papel de parede e depois fez cartazes de propaganda. Passaria a trabalhar como pintor em tempo integral em 1926, com o patrocínio de uma galeria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

Sim, existe uma vida após a morte

Em 3 de dezembro de 1967, o cirurgião sul-africano Christian Barnard e sua equipe do Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, transplantaram para o peito de Louis Washkansky, um merceeiro de 53 anos vítima de uma serie de ataques cardíacos e a beira da morte, o coração de uma jovem de 25 anos, Denise Darvall, morta num acidente de carro. A operação pioneira foi um sucesso—após algumas horas o medico estava no quarto conversando com o paciente.

O feito teve imensa divulgação e desencadeou um debate intenso sobre as questões éticas envolvidas—a começar pela definição do momento da morte, ate então considerado aquele em que o coração deixa de bater. Com a serie de transplantes cardíacos que seriam feitos em todo o mundo a partir dali, os médicos redefiniram esse momento como o da cessação da atividade elétrica cerebral.

O noticiário descreveu em detalhes o procedimento de cinco horas a que foi submetido Washkansky: seu peito foi aberto, o esterno dividido, afastadas as costelas e rompido o pericárdio. Um aparelho cárdio pulmonar mantinha o sangue oxigenado, fazendo-o circular em volta do coração, que foi removido, deixando-se apenas o seu topo. Então cortaram 95%, do coração da moça e o suturaram no lugar do de Washkansky. Para estimular o batimento cardíaco, prenderam dois eletrodos ao órgão. Washkansky viveu 18 dias com o novo coração. Os remédios dados ao paciente para conter uma possível rejeição do órgão transplantado debilitaram o seu sistema imunológico e ele acabou contraindo uma pneumonia dupla, que degenerou num comprometimento geral do organismo.

Apesar disso, o sucesso projetou Barnard como personalidade internacional. De família pobre, ele ia a escola primária descalço. Com esforço formou-se em medicina, em 1946, e ate o final da década de 50 aprimorou seus conhecimentos na pratica hospitalar e fazendo experimentos com animais. Realizou as primeiras cirurgias de peito aberto na África e desenvolveu um novo desenho de válvulas cardíacas artificiais. Passava uma imagem de dedicação a família e ao trabalho, imagem que se transformou a medida que aumentava sua fama. Em pouco tempo estava posando ao lado de estrelas de cinema e seu casamento chegava ao fim. Isso reforçou as criticas que o consideravam um charlatão, mas o fato e que a técnica de transplante que desenvolveu aperfeiçoou-se até ser mundialmente adotada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

Mais objetos entre o céu e a Terra

Em 1967, o astrônomo britânico Anthony Hewish, de Cambridge, trabalhava numa pesquisa sobre as cintilações de fontes de radio distantes, um fenômeno descoberto quatro anos antes por astrônomos da própria universidade. Para isso, supervisionara a instalação de um radiotelescópio com um conjunto de dois mil receptores espalhados numa área de 17 mil metros quadrados, um instrumento poderoso que acabou encontrando mais do que Hewish procurava. Foi uma assistente sua na pesquisa, a estudante Jocelyn Bell Burnell, quem observou as pulsações regulares e muito rápidas produzidas todo dia quando determinado ponto do espaço passava diante do aparelho. Apelidadas pelos colegas da estudante de "green little men" (pequenos homens verdes), já que não se pareciam com nada conhecido, as emissões de radio detectadas pelos pesquisadores ganhariam o nome de pulsar (contração do inglês "pulsating radio sources", fontes de rádio pulsantes), e receberiam todos os afagos da comunidade cientifica, como convidados recém-chegados a uma festa já há muito começada.

Até então, pensava-se que emissões de radio tao regulares só poderiam ser produzidas mecanicamente, o que indicaria a existência de outros seres no espaço. Os pulsares demonstravam que não. Concluiu-se, ao longo dos estudos, que as radiações—com duração media de 35 milésimos de segundo, produzidas a intervalos de 1,4 segundo, aproximadamente—partem de estrelas que giram a altíssimas velocidades, de centenas de vezes por segundo, emitindo ondas eletromagnéticas que varrem o espaço.

Acredita-se que os pulsares sejam estrelas produzidas pela explosão de supernovas, estrelas gigantescas que entram em colapso gravitacional. Prótons e elétrons são esmagados, restando uma massa compacta de neutrons. Em conseqüência, as dimensões das estrelas são drasticamente reduzidas—cerca de 10 quilômetros de diâmetro, o que Ihes dá a estabilidade necessária para a rotação—e sua matéria fica extremamente densa, a ponto de um centímetro cubico pesar entre 100 e dez mil toneladas. A potência de seu campo magnético também aumenta fantasticamente. Calcula-se que alguns pulsares tenham campos magnéticos dez trilhões de vezes mais fortes que o da Terra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967

A primeira-dama das telenovelas

A novela "Anastácia, a mulher sem destino" descia a ladeira da audiência rumo ao fracasso total em 1967, quando Janete Clair foi chamada a TV Globo para evitar a catástrofe. A solução seria outra catástrofe, essa no sentido literal: Janete inventou um terremoto na trama com o frio objetivo de aniquilar 35 personagens sem rumo na novela e assim retomar o fio da história. Numa época em que a iniciante televisão brasileira ainda copiava o estilo dos dramalhões mexicanos, o efeito foi um sucesso. A historinha entrou para o anedotário da teledramaturgia pátria, e Janete Clair, para o cast de autores da Globo.

Ao criativo inicio de carreira de Janete Clair seguiu-se uma criativa e genuína dramaturgia inventada para a televisão. Janete entrou na emissora no delicado momento em que as popularescas tramas latinas já não emocionavam o publico brasileiro. A estreia, em 1968, na TV Tupi, de "Beto Rockfeller" mostrou que os telespectadores queriam temáticas mais próximas de seu cotidiano e, de preferencia, embaladas por uma linguagem moderna. Gloria Magadan, a cubana que ate então reinava nas novelas da Globo, foi dispensada e substituída pela dupla dinâmica formada por Janete e pelo diretor Daniel Filho.

Mineira de Conquista, Janete Emmer (o Clair, extraído de "Clair de lune" de Debussy ela adotou aos 27 anos) já acumulava alguma experiência no ramo dos dramalhões: vinha do rádio, onde trabalhara como radioatriz com a ajuda de Cacilda Becker. Aos poucos, tornou-se autora de radionovelas e faria depois a transição para a televisão. E que transição: conhecida depois como a "maga das oito", Janete criou um ate então inexistente estilo brasileiro de novela, arrebatando a audiência e originando, décadas depois, o mais bem-sucedido produto de exportação da TV Globo, presente em todo o mundo.

Os sucessos assinados por Janete Clair começaram com "Véu de noiva" (1969) e "Irmãos Coragem" (1970), que alcançou 70% de audiência. É dela também uma marca histórica: o ibope de 100%, no Rio e em São Paulo, durante a exibição dos últimos capítulos de "Selva de pedra", em janeiro de 1973, superando até transmissões de Copas do Mundo. Seguiram-se "Pecado capital" (1975), "O astro" (1977) e outros tantos sucessos populares, capazes de incomodar intelectuais da época, que acusavam a autora de alienar o povo com tramas açucaradas. Casada com Dias Comes, também autor de novelas, mas preocupado em dar um cunho sócio-politico a suas tramas, Janete resistia a provocação com a explicação de que a vida miserável exigia alegria e ilusão, emoções e intrigas—matérias-primas de suas novelas. Ela morreu em 1983, aos 58 anos, e recebeu do poeta Carlos Drummond de Andrade a qualificação de "usineira de sonhos."

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967 

E viva a geléia geral brasileira!

Foi, como dizem, uma chuva de verão que inundou por pouco tempo (de 1967 a 1969), mas infinitamente, a cultura brasileira. Oficialmente a Tropicália surgiu no 3° Festival de Música Popular da TV Record de 1967, quando Gilberto Gil e Caetano Veloso lançaram "Alegria, alegria" e "Domingo no parque", canções de inspiração concretista. Em meio a guitarras distorcidas, interpretações declamadas e atitudes extravagantes, parte da critica hostilizou o que considerava um atentado a MPB. Contra ela, no entanto, gritaram palavras de ordem Glauber Rocha, José Celso Martinez Corrêa, os Mutantes, Tom Zé Hélio Oiticica Gal, Bethânia, Julio Medaglia, Décio Pignatari, Rogério Duprat, Capinam, Torquato Neto.

A expressão foi tirada de um projeto ambiental do arquiteto e artista plástico Hélio Oiticica, na exposição "Nova objetividade", que aconteceu no Museu de Arte Moderna, do Rio, dois anos antes. Sem um programa teórico estético, os tropicalistas foram beber da fonte do manifesto antropófago derivado da Semana de Arte Moderna de 1922. O banquete tropicalista devorava e regurgitava influencias nacionais (como a cultura nordestina, Oswald de Andrade, a poesia dos irmãos Campos) e externas (o rock inglês, a op e pop art).

Na Tropicália cabiam ainda o erro e o kitsch. "A Tropicália também cultiva o mau gosto, já que o bom gosto aprisiona muito, tolhe a criatividade. E, nessa época, havia a necessidade de se botar para fora o avesso disso tudo", declarou Caetano certa vez. Assim, o pão com mortadela e "A Buzina do Chacrinha" viraram ícones da cafonália. O apresentador da TV, que se dizia um tropicalista avant la lettre, emprestou seu programa para o lançamento dos baianos, com a ajuda do produtor Guilherme Araújo.

Os tropicalistas queriam transformar o cenário político, sacudir a pasmaceira nacional através da arte, da poesia e da musica. O antropofagismo promovia a comunhão de conceitos aparentemente antagônicos: o universal e o regional, o individual e o político, o intelectual e o popular. O Tropicalismo, que atingiu todas as artes, afetou principalmente a musica. Caetano compôs "Tropicália" e em maio de 1968 foi lançado o LP de mesmo nome, também intitulado "Panis et circenses", um marco do movimento. No Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa montava a provocadora peca de Oswald, "O rei da vela", que fascinou os baianos. O poeta Décio Pignatari cunhava a expressão "geleia geral".

Em dezembro de 1968, o AI-5 ajudou a abreviar o sonho de liberdade. Vistos com desconfiança pela esquerda e como agitadores pela direita, Gil e Caetano foram presos. E, meses depois, foram se exilar na Europa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1967 

A saga literária de García Márquez

Macondo e uma cidade que só existe na literatura. Com mais precisão, na obra cio colombiano Gabriel Garcia Márquez, que a tornou definitivamente conhecida ao lançar, em 1967, numa pequena edição de cinco mil exemplares produzida em Buenos Aires, uma epopéia romanesca—"Cem anos de solidão" —que se transformaria numa espécie de símbolo e supremo best-seller internacional da ficção latino americana contemporânea.

O romance, esboçado quando Garcia Márquez tinha apenas 18 anos, recorre ao espirito do contador de causos interiorano para descrever, ao longo de cinco gerações, a saga de um povoado fictício, Macondo, e da família de seus fundadores, os Buendía. Sintetiza indiretamente a própria história da Colômbia, alem de trabalhar em perspectiva universal os dilemas e sonhos da experiência humana. Saudado pelo escritor peruano Mário Vargas Llosa como "o maior acontecimento do romance espanhol depois do 'D. Quixote' de Cervantes", o romance obteve tal êxito que em menos de 15 anos vendeu mais de 20 milhões de cópias, culminando com a concessão ao autor do Prêmio Nobel de literatura, em 1982.

"Cem anos de solidão" foi, enfim, um marco do realismo fantástico, que se difundiu na década de 60 como estilo característico dos escritores da América Latina, mesclando uma inventiva "magica", surrealista, com a conturbada vida social, a história e a fabulação mítica de suas populações. E Garcia Márquez, seu autor—"Gabo" para os íntimos—se tornaria um dos nomes mais reverenciados da literatura de língua espanhola, dono de uma inventiva surpreendente, acumulada desde a sua infância.

Foi criança que ele, nascido em 1927 em Aracataca, de família pobre, entrou em contato com a matéria-prima de seus livros, a "gigantesca realidade" latino-americana (palavras suas, ao receber o Nobel), como as lembranças do avô, veterano da Guerra dos Mil Dias, as histórias da avó, e ainda as imagens que registrava aleatoriamente, e que mais tarde ganhariam formato literário. Formado em direito e jornalismo, foi correspondente do jornal colombiano "EI Espectador" em Roma e em Paris e, em 1955, estreou na ficção com "La hojarasca" ("A folhada"), onde surgia pela primeira vez Macondo. A partir dai dividiu-se entre o jornalismo—na agencia de notícias cubana Prensa Latina—e a literatura, com obras como "Ninguém escreve ao coronel" e "O outono do patriarca". Em 1975, em protesto contra o regime do general Augusto Pinochet no Chile, iniciou uma espécie de greve literária, quebrada em 1981 com "Crônica de uma morte anunciada". No mesmo ano, sentindo se ameaçado na Colômbia, exilou-se no México só voltando ao seu pais em 1982, convidado formalmente depois da consagração do Nobel.

Fonte: O Globo - Texto integral