Em 1966 as principais manchetes foram estas:

A Revolução Cultural joga a China no caos

Começa o longo reinado de Brejnev

A dama-de-ferro da política indiana

Vitória polêmica dos donos da casa

Um casal disposto a valorizar o sexo

Vai-se o homem, fica o império

Roberto Carlos reina no iê-iê-iê

A série de TV que chegou mais longe

Contracultura tem sua hóstia proibida
Quem com ferro fere, com ferro...

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1966

A Revolução Cultural joga a China no caos

A "Grande Revolução Cultural Proletária" foi um período de agudo caos político e conflito civil na China, deflagrado por uma luta de facções na própria direção central do PC chines. Um antigo aliado deste partido, o dirigente albanês Enver Hoxha, proferiu um dos balanços mais cáusticos sobre esta quadra da vida pública chinesa, ao observar que não era uma "revolução", nem "cultural" e muito menos "proletária". Resta o adjetivo "grande", adequado para descrever a turbulência política e social que sacudiu a China entre 1966 e 1976, mobilizando milhões de pessoas. Para compreender esse quadro de tamanha desordem, e importante examinar os seus precedentes na evolução do Partido Comunista da China (PCC) e da Republica Popular por ele fundada em 1949.

O PC chines foi marcado desde cedo por uma evolução errática, com bruscas guinadas nas suas concepções estratégicas em diferentes momentos da sua história. Em vários períodos, sua acuo foi marcada por uma espécie de "aventureirismo esquerdista"—e a liderança de Mao Tse-Tung se firmou no PCC em polemica direta com estas concepções "aventureiristas". Portanto, não deixa de ser curioso que, após o triunfo da revolução chinesa, ele tenha se tornado o protagonista de guinadas "esquerdistas" e "aventureiras" nas políticas da nova Republica Popular. A principal entre estas, antes da Revolução Cultural, foi o "Grande Salto Adiante".

Mao Tse-Tung acelerou bruscamente o ritmo de coletivização da economia chinesa via a montagem de Comunas Populares que deveriam combinar produção agrícola com pequena produção industrial (ambas socializadas). Os resultados foram desastrosos, sobretudo na agricultura: a produção caiu 23% entre 1957 e 1960, resultando em milhões de mortes por desnutrição. Do ponto de vista político, esses resultados enfraqueceram a liderança de Mao e fortaleceram a autoridade de dirigentes como Liu Shaoshi e Deng Xiaoping.

A "Grande Revolução Proletária" foi deflagrada em 1966 como um movimento político para desalojar o núcleo articulado em torno do então presidente do Estado. Liu Shaoshi. Seu estopim foi uma aparentemente inócua critica da peca de ópera "Hai Rui exonerado", publicada num jornal de Xangai no final de 1965. A peca do historiador Wu Han tinha como personagem principal um assessor do imperador da China na dinastia Ming que, ao ser exonerado, ia viver no campo, deparando se com injustiças sociais. Era uma clara critica ao comportamento de Mao no período do "Grande Salto", o que detonaria um movimento cultural com fortes conotações políticas.

A iniciativa decisiva para o lançamento deste movimento foi o Fórum sobre o Trabalho de Literatura e Arte nas Forcas Armadas, organizado pela então mulher de Mao, a atriz Xiang Xing, na cidade de Xangai, em fevereiro de 1966. O encontro concluiu que a China vivia sob a ditadura de uma "sinistra linha anti-socialista" e lançou um apelo para o "aprofundamento da grande revolução socialista na frente cultural". O fórum aproximou dois grupos que desempenhariam papeis políticos decisivos: o Grupo Central da Revolução Cultural, integrado por Xiang Xing, e o grupo de Lin Piao, um dos comandantes militares da Longa Marcha que se firmou como dirigente do Exercito Popular de Libertação. Na função de presidente do PC, Mao encaminhou as resoluções do fórum de Xangai para o Comitê Central do partido e deflagrou uma luta pelo poder, lançando a China numa espiral de violência.

Sob o lema de que "a grande desordem na Terra levara a grande ordem", Mao conseguiu aprovar uma circular no Comitê Central conclamando as massas a criticar, repudiar e expurgar os "representantes da burguesia" infiltrados no Partido, no Governo, no Exercito e em todas as esferas da cultura. Assim, grupos de "guardas vermelhos", compostos majoritariamente por jovens e estudantes, começaram a luta. O sistema de ensino médio e universitário foi paralisado, com as aulas suspensas para que os estudantes pudessem "fazer revolução". Professores e alunos que discordassem eram tachados de "contra-revolucionários", julgados por "tribunais populares" montados pelas próprias organizações de guardas vermelhos e punidos—as vezes, executados. A ação dos guardas vermelhos era apoiada por Mao, que os saudava em gigantescas manifestações em Pequim, reunindo as vezes mais de um milhão de pessoas.

Mao também lançou um apelo para que a juventude fosse para o campo para ser "reeducada ideologicamente". e mais de 16 milhões de jovens saíram dos centros urbanos para trabalhar nas Comunas Populares. Toda essa turbulência da Revolução Cultural não tardaria a transbordar para a economia: o plano econômico nacional de 1967 foi abandonado, e o de 1968 nem chegou a ser elaborado. A produção industrial e agrícola caiu 9.6% e 4.2% respectivamente, nesses dois anos.

A partir de 1967 guardas vermelhos passaram a lançar ataques armados contra organizações locais e regionais do PCC e do Estado chines em diversas partes do pais. "Comitês revolucionários" foram montados no vácuo político deixado pelo colapso dessas organizações. Enquanto isso, os guardas vermelhos se dividiram e subdividiram em facções rivais. A situação beirava a anarquia.

O Exercito Popular de Libertação desempenhou um papel decisivo no restabelecimento da ordem no pais. Isto fortaleceu a liderança política do seu principal dirigente, Lin Piao, que já vinha organizando um culto a personalidade de Mao Tse-Tung nas fileiras do Exercito, tendo sido responsável pela compilação do seu famoso livro vermelho de citações no inicio dos anos 60. O prestigio político alcançado por Lin Piao era tao elevado que o Congresso Nacional o nomeou "sucessor" de Mao na liderança do Partido. Sua movimentação política, no entanto, suscitou temores entre os demais dirigentes (incluindo o próprio Mao) de que ele estaria preparando uma espécie de "golpe bonapartista".

Num episódio cercado de mistério, Lin Piao morreu num acidente de avião, em 1971, supostamente tentando fugir da China após uma fracassada tentativa golpista. Era o inicio do descenso da Revolução Cultural. A autoridade do PCC foi gradativamente restabelecida e dirigentes expurgados voltaram a ocupar postos de comando—um dos reabilitados foi Deng Xiaoping (Liu Shaoshi morreu em 1969). O núcleo mais "esquerdista", articulado em torno de Xiang Xing, tentou reeditar a ofensiva da Revolução Cultural em 1975 e 1976, sem sucesso. Após a morte de Mao, o grupo foi desbaratado e seus dirigentes, presos. A herança da Revolução Cultural só foi definitivamente enterrada em 1979, com a consolidação de Deng Xiaoping e o lançamento do "Programa das Quatro Modernizações", orientação estratégica que comanda a China ate hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Começa o longo reinado de Brejnev

Foi em 1966 que Leonid Brejnev, Um líder nada carismático e apegado ao passado, assumiu de fato, ou ao menos aos olhos do mundo, o poder na União Soviética, que governaria por longos 18 anos. Ate então praticamente desconhecido no Ocidente, Brejnev teve uma ascensão lenta e pouco linear nos imprevisíveis corredores da política soviética, onde a habilidade em maquinações podia contar mais do que a competência administrativa. Em 1964 aproximara-se do Kremlin, após a queda de Nikita Kruchov, como integrante do triunvirato composto também por Nikolai Podgorny e Alexei Kossiguin. Com o tempo, essa "direção colegiada" passou a ter a marca pessoal de Brejnev e, em 8 de abril de 1966, ele tomou para si as rédeas do pais.

Nascido na Ucrânia em 1906, filho de um pai metalúrgico, Brejnev chegou ao cargo máximo da poderosa nação depois de galgar, um a um, os degraus da hierarquia: fez parte da Juventude Comunista, foi técnico em agricultura durante a coletivização forcada de Stálin, ingressou no PCUS em 1931, aos 25 anos, foi vice- prefeito de sua cidade natal, Kamenskoie (hoje, Dnerprodzerzhinki). Como líder do comitê do partido de sua região, conheceu Kruchov, ao lado de quem lutou na Segunda Guerra contra os nazistas. Quando este, muitos anos depois, assumiu o poder, convidou Brejnev, que já morava em Moscou, a dirigir o projeto de abertura de terras virgens a exploração econômica. Era uma tarefa difícil, mas em 1956 Brejnev estava de volta a capital, cercado de reconhecimento e prestigio pelo sucesso da missão. Mesmo assim, traiu o "padrinho", em 1964, quando, já membro do Politburo, liderou o golpe que derrubou Kruchov e que o levaria ao poder. Já instalado no Kremlin. promoveria, no plano externo, a distensão internacional (em 18 anos de poder teve oportunidade de negociar com cinco presidentes americanos), enquanto que, internamente, faria um governo estável, que aperfeiçoou a maquina repressiva e não alcançou o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população.

Quanto a sua própria qualidade de vida, Brejnev não encontrou dificuldades. Bon vivant, amante da caça e de carros (tinha na garagem três Rolls-Royce e duas Mercedes, entre outros), o líder soviético estimulou o culto a personalidade, concedendo a si próprio todas as condecorações do pais. Governou sem sustos e sem riscos até morrer, em 1982.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

A dama-de-ferro da política indiana

Indira Gandhi costumava dizer que se iniciara na política quando nasceu. Não foi surpresa, portanto, que ela, herdeira de uma família ligada a luta pela independência da Índia, se tornasse a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro no pais, ao vencer as eleições de janeiro de 1966. Começava o governo de Bharat Mata, ou Mãe Índia, como ficaria conhecida a mulher que alternou fases populares e autoritárias em mandatos (quatro ao todo, três deles consecutivos) salpicados de escândalos e denuncias de corrupção—e com um triste desfecho.

Nascida em 1917 numa família brâmane a mais alta casta hindu, Priyadarshini Indira Nehru era a filha única de Jawaharlal Nehru, socialista da velha escola. Engajados no movimento de independência contra o domínio inglês. os Nehru eram amigos de Mahatma Gandhi e do poeta Rabindranath Tagore, que exerceram forte influencia na jovem impressionada com o poder. Indira, que aos 3 anos assistiu a prisão de Jawaharlal Nehru, pregava a máxima paterna: "Só a ciência e o pensamento racional nos ajudarão a sair da pobreza".

Moça bem-educada em Oxford e em escolas suíças, Indira voltou ao pais e casou-se com Feroze Gandhi (sem parentesco com o Mahatma), em 1942, a contragosto da família, que o rejeitou por pertencer a uma casta inferior. Com a independência da Índia, proclamada em 1947, Jawaharlal Nehru assumiu o cargo de primeiro ministro ate morrer, em 1964. Indira, já separada do marido, exercia informalmente o posto de conselheira do pai; em 1959, tornou-se líder do Partido do Congresso, a maior força política do pais, e, em 1964 foi nomeada ministra da Informação e Difusão no governo de Lal Bahadur Shastri.

Os chefes do partido, certos de que Indira seria um fácil objeto de manobra, lançaram seu nome para a disputa pelo Governo. Mas selada a vitória, a estadista virou o jogo e dividiu o partido. Seus pronunciamentos ("Eliminar a pobreza!") e metas tornaram-na extremamente popular. Em 1975, porem, decretou estado de emergência na Índia. Acusada por um tribunal inferior de manipular as eleições para o Parlamento e ameaçada de perder o mandato, prendeu 75 mil opositores, censurou a imprensa e mudou a legislação para anular a decisão da Justiça. Governou o pais como ditadora, em meio a acusações de corrupção, e acabou perdendo as eleições em 1977. Mas voltaria ao cargo máximo da Índia e governaria o pais ate o epilogo dramático de sua carreira política: em 1989, foi assassinada por sua própria guarda pessoal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Vitória polêmica dos donos da casa

A imagem diz tudo. Mesmo sem as câmeras especiais e os recursos de hoje, pode-se perceber claramente que a bola chutada pelo inglês Geoff Hurst, na final da Copa do Mundo de 1966, contra a Alemanha, não passou da linha do gol. Mas o gol foi validado. E, naquela Copa da Inglaterra, vencida pelos inventores do futebol, este seria apenas mais um dos momentos polêmicos de uma competição de triste memória para o Brasil.

Mal organizado desde o inicio da preparação, quando foram convocados 45 jogadores, o escrete canarinho não passou da primeira fase, quando só venceu a Bulgária por 2 a 0. Pele, que no final da Copa afirmava que não iria jogar outra por causa da violência, foi caçado em campo, principalmente pelos portugueses, de quem o Brasil perdeu por 3 a 1, após ter sido derrotado pela Hungria (também por 3 a 1). Pelo menos, o consolo viria quatro anos depois: o melhor jogador do mundo reconfortaria a torcida brasileira não cumprindo a promessa feita na Inglaterra e entrando em campo para conquistar o tricampeonato na Copa do México.

O titulo de 1966 foi o único campeonato mundial que a seleção inglesa venceu em todo o século. Reconheça-se que o time comandado por Bobby Moore (com Banks Ball e Bobby Charlton, entre outros jogadores) era muito bom. Ficou na liderança da primeira fase, apresentando um futebol de alta técnica. Nas quartas-de-final, no entanto, os ingleses eliminaram os argentinos por I a O num jogo também confuso. O argentino Rattin foi expulso quando pedia um interprete para conversar com o arbitro alemão Rudolf Kreitlen.

Ao sair do campo, passou a mão de forma nada respeitosa sobre a bandeira britânica em volta do campo e foi chamado de "animal" pela torcida. Mas, vergonha por vergonha, o pior vexame da Copa da Inglaterra foi proporcionado pela bicampeões mundial Itália, que foi eliminada depois de perder tanto para a Coréia do Norte quanto para a URSS, sempre por 1 a 0, na primeira fase.

Os asiáticos quase eliminariam também a seleção portuguesa, liderada por seu maior craque, Eusébio, artilheiro da Copa com nove gols. Nas quartas-de-final, fizeram 3 a O mas os lusitanos reagiram e viraram o jogo para 5 a 3. Na semifinal, no entanto, os ingleses venceram Portugal por 2 a 1, ainda sem a ajuda do juiz, e partiram para a final com os alemães. vencendo os por 4 a 2 na prorrogação, graças inclusive aquele polemico gol de Hurst.

Até o final do século XX, este seria o único titulo inglês, conquistado numa Copa que já havia começado meio esquisita, por conta de a história de um cachorro que teria encontrado a Taça Jules Rimet numa lata de lixo em Londres, após um roubo. Para alguns, apenas mais uma tentativa de promoção do torneio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Um casal disposto a valorizar o sexo

Sócios numa clinica de terapia sexual, o casal de ginecologistas William Masters e Virgínia Johnson ajudou a detonar a revolução sexual dos anos 60 com um livro-bomba. "A resposta sexual humana", lançado em 1966, chegava para escandalizar. A começar pelo seu mote: "Pensem, sintam-se, sejam eróticos". E a terminar pelas conclusões para la de ousadas: baseados em anos de pesquisas sobre o comportamento sexual dos americanos, os autores concluíram que o orgasmo vaginal era um mito, as mulheres podiam ter orgasmos múltiplos e o tamanho do pênis nada tinha a ver com o desempenho na cama.

O que hoje soa como clichê sexual foi uma assombrosa revolução na época por tornar publico o que ate então evitava-se alardear. Masters e Johnson deram-se ao trabalho de anotar com rigor cientifico emoções e frustrações de hétero e homossexuais, casados e solteiros, prostitutas e travestis, com base numa terapia que já era um sucesso em seu consultório de Saint Louis. Para la acorriam pacientes com disfunções como impotência, frigidez e ejaculação precoce. Se um dos parceiros sofresse disso, o casal devia ser tratado.

No caso dos solteiros, contratavam-se "profissionais do prazer" para participar das sessões.
Papas da sexologia ou enganadores Masters e Johnson contribuíram para quebrar dogmas seculares. Só no século XX, com Freud e Wilhelm Reich, o estudo da sexualidade humana ganhou dimensão cientifica. Mesmo assim, Reich foi condenado por charlatanismo e pegou dois anos de cadeia nos EUA, morrendo atras das grades. Isso aconteceu em 1958, quando Masters e Johnson iniciavam suas experiências. E eles só as dariam por encerradas em 1992, ao fechar a clinica, já separados após 22 anos de casamento. Desencantado, William Masters ainda escreveria um artigo, confessando que a revolução sexual nunca existiu. "Foi apenas uma nova terminologia para esconder velhos mitos", disse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Vai-se o homem, fica o império

Pioneiro do desenho animado e verdadeiro mito da industria americana de entretenimento, o produtor cinematográfico Walt (Walter Elias) Disney morreu aos 65 anos, em 15 de dezembro de 1966 legando um império que incluía o poderoso estúdio de Hollywood, a Disneylandia e direitos sobre milhares de histórias em quadrinhos. Outra de suas geniais criações não tardaria a sair da ficção para a realidade: o segundo parque de diversões do grupo, o Disneyworld, na Flórida, seria mais uma atração de todo esse reino encantado capaz de mover, na mesma proporção, fantasias infantis e milhões de dólares pelo mundo.

A biografia de Disney foi menos magica que suas invenções animadas. Filho de um carpinteiro e trabalhador agrícola, Walt nasceu em Chicago, em 1901, estudou desenho por correspondência, e depois no Instituto de Arte de Kansas City e foi motorista da Cruz Vermelha durante a Primeira Guerra Mundial. Só em 1919 passou a trabalhar em estúdios de arte de Kansas, onde conheceria o jovem desenhista Ub Iwerks. Juntos, os dois compraram uma câmera cinematográfica de segunda mão e montaram um estúdio próprio, produzindo curtas comerciais de animação. Depois aventuraram-se pelos desenhos de ficção e começaram a trabalhar sob a gerência empresarial do irmão de Walt, Roy, em Los Angeles.

É da dupla Iwerks/Disney a autoria de personagens como o coelho Oswaldo e sua obra-prima animada, o camundongo Mickey (celebrizado no curta falado "Steamboat Willie", de 1928). No ano seguinte, o duo lançou "A dança do esqueleto", embalada pela "Dança macabra" de Saint-Saens, uma inovação que pontuaria os desenhos animados com temas da musica clássica. Seguiram-se personagens como Pato Donald, Pluto, Pateta e, no auge da Grande Depressão, "Os três porquinhos", que ensinava o público a não temer o Lobo Mau.

A união entre os irmãos Disney foi duplamente produtiva: enquanto Walt desenvolvia novíssimas técnicas de cor e movimento em seus desenhos, Roy vinculava a distribuição dos filmes a venda de relógios, bonecas e camisas com a estampa dos personagens. Dessa linha de produção, surgiria seu primeiro desenho em longa-metragem, transformando o estúdio Disney num empreendimento milionário, em 1937: "Branca de Neve".

Seguiram-se "Pinóquio", "Fantasia", "Dumbo" e uma serie de filmes que combinavam ação e desenho, servindo a propaganda de guerra do governo. Na década de 60, o maior sucesso de Walt Disney foi o filme "Mary Poppins", produzido quando a critica questionava a estética de suas produções e o recriminava pelo conservadorismo. Política a parte, ele entrou para a História como o grande soberano da poderosa industria da fantasia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Roberto Carlos reina no iê-iê-iê

La pelo meio da década de 60, quando a beatlemania inflamava a juventude pelo mundo um moco tímido e católico, do interior do Espirito Santo, incendiava moças de família no Brasil com rock nacional. Era Roberto Carlos, a frente da Jovem Guarda, movimento que vivou seu auge em 1966, a reboque do LP "Jovem Guarda", lançado no fim do ano anterior, e do programa homônimo exibido na TV Record, aplacando musicalmente a ansiedade de uma geração. O lançamento, nesse mesmo ano, do LP contendo "Namoradinha de um amigo meu" consolidaria a excitação juvenil detonada por "Quero que vá tudo pro inferno". Roberto tornou-se o "Rei" de uma juventude dada a histeria, que rasgava-lhe as roupas e o seguia em alta velocidade.

Esse arrasador inicio de carreira na época surpreendeu o próprio Roberto. Ele tinha nascido em Cachoeiro de Itapemirim, filho de um relojoeiro e de uma costureira. Na infância, sofrera um grave acidente na linha de trem (rendendo Ihe uma prótese na perna) e, mais tarde, mudara-se para o Rio com a ambição de viver da musica. Foi la que cruzou com Erasmo Carlos e Tim Maia, encontro que originou os Sputniks e os Snakes, bandas de curta vida e longa lenda. Roberto manteria Erasmo e acolheria Wanderléa, formando o tripé básico da Jovem Guarda—curiosamente, nome extraído de um discurso de Lenin.

Como Rei do iê-iê-iê, Roberto Carlos lançou moda (roupas e adereços no estilo Jovem Guarda), colecionou calhambeques e Cadillacs, emplacou gírias ("e uma brasa, mora? ) e estrelou filmes como "Roberto Carlos em ritmo de aventura". Depois, na década de 70, entrou numa fase mais romântica e "espiritual" compondo hits religiosos como "Jesus Cristo", inspirado no musical hippie "Jesus Cristo Superstar". A realeza ele conseguiria manter ao longo dos anos, batendo sucessivos recordes de vendas no Brasil e conseguindo sucesso internacional (América Latina, Europa e EUA). Preservando os cabelos longos dos anos 60 e gírias como "bicho" em seu vocabulário, Roberto atravessou décadas marcado por superstições e pelo misticismo cristão. Entre altos e baixos, porem, ele ainda é o Rei.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

A série de TV que chegou mais longe

Em 9 de setembro de 1966, o produtor e roteirista americano Gene Roddenberry e a emissora de televisão NBC chegaram onde nenhum homem jamais estivera. Estreava a serie de ficção cientifica "Jornada nas estrelas" ("Star trek") contando as aventuras da tripulação da nave estelar "USS Enterprise", que no século XXIII singrava o Universo em busca de novos mundos e novas civilizações. A criação de Roddenberry virou mania e objeto de culto mesmo sem conseguir cacife para ficar no ar por mais de três temporadas. Os roteiros inteligentes, os bem delineados personagens cheios de empatia e as tramas pontilhadas de semelhanças com o que acontecia no mundo cativaram uma legião de admiradores fiéis, que ficaram conhecidos como trekkies.

Encabeçavam a série—já no primeiro episódio, "Onde nenhum homem jamais esteve" —o esperto e ousado capitão James T. Kirk (William Shatner) e o cerebral imediato Sr. Spock (Leonard Nimoy), mestiço de humano e vulcano, uma raça alienígena regida pela lógica. Logo a dupla ganhava o contraponto do passional e voluntarioso medico de bordo, Leonard "Magro" McCoy (DeForest Kelley). Ao longo da serie a tripulação principal da nave acabou sendo composta por um escocês, Scotty (James Doohan); um oriental, Sulu (George Takei); um russo, Checov (Walter Koenig); e uma africana, Uhura (Nichelle Nichols). Todos vivendo em perfeita harmonia, conforme um dos muitos preceitos pregados LSD por Roddenberry em sua serie. Alem da tolerância, racial e política, os episódios enfatizavam o antibelicismo, a vitória do humanismo sobre a tecnologia e a não-interferência na evolução de outros povos—sendo que essa última era a primeira diretriz da Federação dos Planetas da qual fazia parte a "Enterprise" —isso em tempos de Guerra do Vietnã. Claro que as teses eram bem embaladas em aventuras com combates siderais, lutas e agudas piadas sobre o comportamento humano.

Com efeitos especiais, cenários e figurinos bastante simples ate para a época, "Jornada nas estrelas" tinha o seu ponto forte nos roteiros—o de "A cidade no limiar da eternidade" ganhou o prestigioso Prêmio Hugo de ficção cientifica. A serie terminou vitima de um paradoxo como os que costumava explorar nos episódios. Foi cancelada por não conseguir patrocínio suficiente para se manter. No entanto, seu público permaneceu fiel e sempre crescente, acompanhando as reprises. A admiração pelo programa de TV acabou ressuscitando os personagens num ciclo cinematográfico iniciada em 1979. E, em 1987, surgiu uma nova serie com uma diferente tripulação: "Jornada nas estrelas: A nova geração". Com o sucesso, o universo trekkie ganhou mais duas series de TV inspiradas nele: "Deep Space nine" e "Voyager".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Contracultura tem sua hóstia proibida

Em 1966 milhares de jovens de todos os Estados Unidos começaram a ir para São Francisco, na Califórnia, concentrando-se no bairro de Haight-Ashbury. Pés descalços, flores nos cabelos, eles celebravam a paz faziam amor, ouviam rock. Tudo isso embalado a LSD, droga que proporcionava "viagens" alucinantes e que, a partir dali, ganharia o mundo. No entanto, o Governo americano estava atento ao uso e abuso daquele poderoso alucinógeno e nesse mesmo ano declarou o ilegal. Tarde demais. O LSD já se tornara um símbolo da contracultura psicodélica.

Apesar de ter-se tornado a hóstia do movimento hippie, o LSD, sigla em inglês para dietilamida do ácido lisérgico tinha sido sintetizado muito antes, em 1938, pelo químico suíço Albert Hoffmann, a partir do Claviceps purpurea, um fungo que cresce no centeio. Em 1943, ao ingerir por acaso uma quantidade mínima, Hoffmann teve visões de cores brilhantes. Estava descoberto o poder alucinógeno do LSD: apenas meio miligrama embebido num torrão de açúcar proporcionava de oito a 10 horas de alterações na percepção de tempo e espaço. Ou uma "viagem", no linguajar hippie.

A droga despertou a atenção de psiquiatras em busca de novas terapias e de intelectuais, como o escritor Aldous Huxley, interessados em explorar a mente humana para abrir-lhe as "portas da percepção". Em 1961, Ken Kesey, um desconhecido escritor, ofereceu-se como cobaia para os testes com o acido realizados por psiquiatras da Universidade de Stanford, Califórnia, viajando a bordo de um ônibus escolar pintado com as cores berrantes que via sob efeito do LSD.

Timothy Leary, professor de Psicologia Clinica da Universidade de Harvard, leitor de Huxley também radicalizou em seus experimentos. Em 1963, distribuiu 3.500 doses a 400 alunos e acabou expulso da universidade, não pela distribuição da droga, mas por seu envolvimento com o misticismo que tomava conta dos adeptos do LSD. Quase todos que o experimentavam diziam-se mais próximos de Deus. Leary tornou-se guru e teórico da contracultura, mas acabou preso em 1966, por porte da droga tornada ilegal. Em 1967, ele anunciaria um recuo em suas experiências ao perceber que, a sua volta, as fantasias coloridas eram por vezes bad trips, "viagens" ruins, que levavam a demência e ao suicídio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1966

Quem com ferro fere, com ferro...

Os negros não queriam apenas igualdade com os brancos, motivo de tantas lutas até então pacificas. Eles ambicionavam o poder, a independência e ate a revolução contra o capitalismo. E foi como um grande passo em direção a esse desejo que Bobby Seale e Huey Newton fundaram em outubro de 1966, em Oakland, na Califórnia, a organização paramilitar conhecida como Partido dos Panteras Negras. Era apenas o prólogo de uma história pontuada por passeatas nas quais seus membros desfilavam armados, escorados na Constituição americana, e confrontos com a policia.

Logo o partido estabeleceu seções em importantes cidades dos Estados Unidos, como São Francisco, Chicago, Nova York, Los Angeles, Nova Orleans, Detroit, Washington e Filadélfia. E também fundou um semanário, editado por Cleaver Eldridge, com tiragem de 150 mil exemplares, que publicava um programa sobrecarregado de reivindicações: liberdade, emprego, moradia decente, educação, isenção do serviço militar, justiça, paz, fim da brutalidade policial e do assassinato de negros.

Quatro anos depois, em 1970, os confrontos entre os Panteras e os policiais já haviam produzido mortos dos dois lados: 19 entre os negros e quatro entre os agentes do Governo. Bobby Seale, em entrevista na prisão, afirmou: "Nós queremos as mesmas coisas que Martin Luther King quer. Só que as nossas táticas são diferentes". Essas táticas, que incluíam guerra de guerrilhas contra a policia, transformaram o partido em inimigo publico numero 1. Edgar Hoover, que dirigiu o FBI, a policia federal americana, declarou em 1971 que considerava o partido a mais perigosa organização em ação nos EUA. O Departamento de Justiça destacou equipes para vigiar os passos dos Panteras, embora calculasse que o numero de filiados ao partido não passasse de mil.

Oficialmente. os Panteras Negras diziam-se quatro mil. E defendiam a violência como forma de alcançar objetivos que imaginavam inatingíveis a base de justiça, paz e amor. As táticas de Hoover para combate-los incluíram o estimulo ao uso de drogas. Em 1977, o partido praticamente deixara de existir e, em 1989, Newton foi misteriosamente assassinado com três tiros na cabeça, em Oakland.

Fonte: O Globo - Texto integral