Em 1965 as principais manchetes foram estas:

Os EUA se afundam na Guerra do Vietnã

O império não era mais o mesmo

Os Rolling Stones inventam o sexo

O homem que nunca se rendeu

O mestre moderno da arquitetura

Islamismo negro mata seu porta-voz

Tirano filipino em pele de carneiro

André Courrèges sobe as bainhas

Craque inglês brilhou até os 50
Soviético passeia pelo espaço

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1965

Os EUA se afundam na Guerra do Vietnã

O envolvimento dos Estados Unidos da América no Vietnã decorreu da expulsão dos franceses da Indochina, que fora durante quase 80 anos a mais preciosa jóia do seu império colonial. De há muito vinham germinando as sementes de um poderoso movimento insurrecional, visando a conquistar a independência de uma Indochina unificada sob um regime de inspiração comunista e violentamente xenófobo. Um chefe revolucionário de extraordinária capacidade Ho-Chi-Minh, vinha desde muitos anos organizando na clandestinidade a resistência armada contra o Governo colonial.

O vácuo de poder criado pelo fracasso da França em manter a ordem na República do Vietnã do Sul levou os Estados Unidos a tomar cartas no assunto, para evitar que fosse preenchido pelo Viet-Minh—o movimento revolucionário—, vindo este a dominar a nova e frágil República do Vietnã do Sul, impondo-lhe um regime comunista, apoiado pela China comunista de Mao Tse-Tung. O Governo dos EUA havia então adotado a política de containment, visando a impedir a expansão do comunismo mundial. O Vietnã do Norte historicamente vassalo da China, estava perdido, com um regime comunista fortemente estruturado. Impunha-se, portanto, para os EUA, apoiar a República Sul-Vietnamita, que rapidamente tornou-se um satélite dos americanos, dos quais passou a receber maciço apoio econômico e crescente apoio militar.

Infelizmente, o regime militar de Saigon era notoriamente corrupto, extremamente impopular, além de incompetente. Para estrear a vacilante República, os Estados Unidos foram levados a envolver-se em uma guerra custosa, cruenta. As tropas americanas foram engajadas em um tipo de guerra da qual não tinham experiência, uma guerra de selva, em ambiente hostil, contra um inimigo invisível e onipresente. Os guerrilheiros vietcongues, como ficaram conhecidos, eram minuciosamente conhecedores do terreno, insensíveis ao desconforto e as privações, agindo sempre de surpresa em golpes de mão imprevisíveis, desgastando as forças americanas, impondo-lhes fortes baixas. A eternização de uma guerra sem sucesso minava o moral dos soldados americanos. Os Estados Unidos haviam sido vitoriosos em todas as suas guerras, sustentados pelo ardor cívico de suas populações. O público americano não compreendia as razões da guerra no Vietnã e desejava o seu fim.

Achava-me eu no Vietnã, como membro de um grupo de observadores do Conselho de Segurança da ONU, quando, em 1964, assumiu o comando das tropas americanas estacionadas naquele país o general Westmoreland, que era considerado, creio que a justo título, como um dos mais distintos oficiais-generais do Exército dos EUA. O general recebeu-me cordialmente e conversamos por cerca de uma hora. Perguntou-me que impressão eu, como observador da ONU, havia formado daquela guerra, em parte interna e em parte externa, travada no Vietnã. Respondi-lhe que não havia entendido nada. Riu-se, e perguntou o que eu não havia entendido. Disse-lhe que, em primeiro lugar, eu não conseguia entender por que a guerra estava sendo feita em território amigo. e não no do inimigo. Citei casos lamentáveis, que havíamos testemunhado de padecimentos sofridos pelas populações rurais, inclusive mortes, pela ação de forças "amigas".

Comentei a dificuldade de explicar a população o significado da expressão "friendly fire"; e citei casos concretos, dos quais havia sido testemunha. A doutrina militar americana prescrevia a "economia de sangue" de seus militares; cada vez que elementos vietnamitas enquadrados por militares americanos eram alvo de franco-atiradores vietcongues o avanço era detido, e solicitado por rádio apoio aéreo, que não tardava a chegar, arrasando às vezes com suas bombas algum miserável vilarejo—do qual os franco-atiradores vietcongues geralmente já haviam fugido Citei o caso de um aldeão que eu entrevistara a beira de uma cratera de bomba, cuja explosão havia-lhe causado a perda de uma perna, de uma filha de 12 anos e de dois búfalos que eram sua única fortuna.

A outra coisa que eu não entendia, disse eu ao general, era que os Estados Unidos não declarassem o bloqueio naval das costas do Vietnã setentrional. Havíamos ouvido no Estado-Maior das Forças Armadas que 85%, do material bélico e da munição em poder dos rebeldes vietcongues e das forças armadas norte-vietnamitas de Ho-Chi-Minh eram de procedência russa, 15%, apenas vindo da China Comunista. Todo esse volumoso material chegava ao porto de Haiphong a bordo de cargueiros soviéticos, nas barbas da 7ª Frota americana patrulhando ao largo da costa. Ora, o bloqueio naval das costas de um território hostil era, e é, um recurso legal, admitido como legítimo pelo Direito Internacional.

O general ficou pensativo e sombrio, e afinal disse-me, com um suspiro, que tudo isso o angustiava, mas que o seu Governo não recorria ao bloqueio naval pelo receio de precipitar uma crise com a União Soviética ao interceptar navios russos demandando o porto de Haiphong. A aviação americana também não tinha permissão para bombardear as instalações daquele porto, mesmo sabendo exatamente os dias e as horas em que estava sendo ali desembarcado material bélico. Só de quando em quando a Casa Branca autorizava, com prévia consulta ao Congresso, um air strike contra alvos estratégicos em território norte-vietnamita, principalmente pontes—que, destruídas de dia, eram rapidamente reconstruídas a noite pelos vietcongues.

Certo dia. na região de Dalat, eu aguardava o momento de embarcar em helicóptero para sobrevoar, ao longo da fronteira do Laos, a famosa "trilha Ho-Chi-Minh", pela qual eram abastecidos os grupos de guerrilheiros vietcongues atuando no Vietnã do Sul. Junto a mim esperava também o embarque um grupo de 40 ou 50 militares americanos, capitães, tenentes e sargentos. Os sargentos, alguns já grisalhos, eram de modo geral mais idosos do que os oficiais, dos quais o mais velho não teria 30 anos. Passamos quase meia hora esperando junto a eles, sem que parecessem aperceber-se de nossa existência. Tampouco Conversavam entre si. Em qualquer parte do mundo, grupos de jovens militares, reduzidos a esperar por algo, tendem a rir, a pilheriar, quando mais não seja para aliviar a tensão nervosa. Estes, não. Esperavam silenciosos. imóveis, calmos, indiferentes.

Eram todos homens de físico atlético, altos e musculosos, de olhar frio e impassível. Cada um, oficial ou sargento, levava um fuzil semi-automático Garand. Muitos mascavam goma com poderosas mandíbulas. Eu pensava, ao vê-los: "Que magníficas máquinas de matar!" E no entanto acabaram derrotados por aqueles homenzinhos amarelos. franzinos. de pijama negro, que já haviam vencido dez anos antes. em Dien-Bien-Phu, a fina flor do Exército francês, até mesmo os pára-quedistas da Legião Estrangeira, os "cães de guerra" da 13ª DemiBrigade a mando do moderno "bravo dos bravos", o coronel Bigeard.

Não havia sido adotado ainda nos Estados Unidos o regime de conscrição obrigatória, que suscitaria tanta repulsa no país e traria a Indochina conscritos bisonhos, não motivados para a guerra como o havia sido a juventude americana dos anos 40, que com tão extraordinário heroísmo e o sacrifício de tantas vidas desembarcara nas praias da Normandia para derrotar o império nazista.

Moral da história: guerra não se faz pela metade. O Governo americano tentou manter a ficção de estar apenas prestando apoio militar a um Governo amigo, simplesmente enquadrando as tropas nacionais do Vietnã do Sul. Acabaram tendo que engajar maciçamente suas próprias tropas, quase meio milhão de homens, em uma guerra inglória em favor de um Governo local notoriamente corrupto e sem apoio popular. Com a metade daquele efetivo haveriam, uma vez tomado o porto de Haiphong, facilmente pulverizado as forças vietcongues, valentíssimas sem dúvida, mas não contando com o mesmo formidável apoio logístico nem com o absoluto domínio do ar que favoreceriam os americanos. Saigon não se chamaria hoje Ho-Chi-Minh.

Enquanto isso, a opinião pública americana repudiava o engajamento no Vietnã. Era o tempo da contestação estudantil, de maio de 68 em Paris, dos hippies ("make love not war"), dos mídia infiltrados e manipulados por criptocomunistas favoráveis a causa de Ho-Chi-Minh. A guerra foi perdida para os EUA, não nos campos de batalha, mas nos campus das universidades americanas e nos estúdios das TVs americanas. Perdida também na retaguarda das tropas, assediada por traficantes de drogas e por belas congai.
Faleceu o magnifico élan guerreiro, a intrepidez do desembarque na Normandia, da campanha da Itália. Uma guerra de selva foi feita a varejo, sem continuidade e sem o impulso irresistível de um Exército com espirito de luta. Ora, um grande chefe americano cunhou a máxima: "Não há substituto para a vitória".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

O império não era mais o mesmo

O sonho mal estava começando quando o primeiro-ministro inglês, o trabalhista Harold Wilson, sugeriu a inclusão dos nomes dos Beatles na Lista de Honra do Aniversário de Sua Majestade, a rainha Elizabeth II, anunciada no dia 15 de junho de 1965. Não eram heróis militares, mas tinham conseguido conquistar para a Grã-Bretanha o coração de quase todos os jovens do mundo ocidental, que naquele momento olhavam para Londres com o fervor com que os muçulmanos se voltam para Meca, fazendo dela a capital da milionária indústria dos ícones pop.

É verdade que pelo menos nove Membros do império Britânico não viam bravura alguma naqueles quatro jovens cabeludos e, indignados com a outorga dessa honraria aos Beatles, devolveram para o Palácio de Buckingham a flor-de-lis cinza e rosa que a rainha Ihes havia pregado no peito. No entanto, calcula-se que, no dia 26 de outubro do mesmo ano, pelo menos três quartos dos jovens de Londres se espremeram em volta do palácio e cantaram entusiasmados "Deus salve os Beatles", no lugar do tradicional "Deus salve a rainha". Como disse Lennon em certa ocasião, os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo.
Além de famosos, eles eram jovens e informais, capazes de ignorar as tradições da monarquia inglesa. E começaram a quebrar o protocolo no momento mesmo em que desceram do Rolls Royce que os conduziu ao palácio, sem casaca nem chapéu—"Como poderíamos por todo o cabelo dentro de um chapéu?", brincaram. Do lado de fora, a Banda da Guarda Escocesa também foi obrigada a fugir do cerimonial, tocando as músicas dos Beatles para acalmar a multidão que se aglomerava junto as grades do palácio. Toda essa espontaneidade, no entanto, começou a se torrar extravagância quando os Beatles se trancaram em um dos banheiros do palácio para fumar maconha, tentando expelir a fumaça por uma janela. O problema teria sido ainda maior se o príncipe herdeiro Charles, que na época tinha 16 anos e era fã do grupo, tivesse comparecido a cerimônia. John Lennon trazia na meia um baseado com o objetivo de fumá-lo com o garoto.

Cinco anos depois, Lennon, que odiara a idéia de se tornar Membro do Império Britânico e só aceitara a honraria devido as pressões do empresário do grupo, Brian Epstein, devolveu a insígnia juntamente com uma carta na qual protestava contra o envolvimento da Inglaterra no conflito entre Nigéria e Biafra e o apoio aos EUA na Guerra do Vietnã.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

Os Rolling Stones inventam o sexo

Durante décadas as muitas insinuações nas letras do americano Cole Porter eram o que havia de mais picante na canção popular. Mas em 1965, Mick Jagger, vocalista da banda inglesa Rolling Stones, começou a cantar "(I can't get no) Satisfaction" num compacto lançado em 20 de agosto, e tudo mudou. Na época, o guitarrista Keith Richards afirmou ter acordado no meio da noite num quarto de motel na Flórida com o refrão na cabeça. No dia seguinte não se lembrava de nada, mas tinha registrado o trecho de canção num gravador.
A canção levou a banda formada por Jagger e Richards e mais o guitarrista Brian Jones, o baterista Charlie Watts e o baixista Bill Wyman ao super-estrelato. Foram mais de um milhão de discos vendidos só nos Estados Unidos e uma escalada pela lista das canções mais executadas naquele país antes mesmo de o compacto ser lançado na Inglaterra.

O sucesso da canção entre a irrequieta juventude da época foi compreensível. Afinal. Mick Jagger tornou ainda mais explícitos os movimentos de pélvis consagrados por Elvis Presley e queria bem mais do que "segurar na mão" de uma menina, como cantavam os Beatles.
A banda que já tinha fama de ser formada por rapazes desgrenhados e bizarros, nas palavras de um jornal inglês, foi definitivamente consagrada como os meninos maus do rock— na verdade uma estratégia de mercado para diferenciar radicalmente o grupo de seus rivais mais bem comportados, aqueles quatro rapazes de Liverpool. No mesmo ano. O novo sucesso serviu de carro-chefe para "Out of our heads", o quarto LP da banda, que lançara o primeiro disco em 1964. Depois de "Satisfaction" o vocabulário da canção pop foi se tornando cada vez mais jovem e esclarecedor.

O ano definitivo para a consolidação do mito de meninos maus dos Rolling Stones foi 1969. Em 3 de julho, Brian Jones foi encontrado afogado em sua piscina na qual teria caído, segundo o médico legista, "sob o efeito de drogas e álcool". No mês anterior, ele tinha deixado os Stones depois de um confronto com Jagger e Richards e pretendia formar sua própria banda. Em dezembro, um espectador morreu esfaqueado durante urm tumultuado show do grupo—com segurança feita pelo grupo de motociclistas Hell's Angels—em Altamont, Califórnia Além das tragédias, uma radical incursão cinematográfica: os Rolling Stones foram os astros do documentário "One plus one/Sympathy for the devil", do mais badalado diretor da década de 60, o francês Jean-Luc Godard. Depois da dissolução dos Beatles, em 1970, não havia mais quem rivalizasse com os Rolling Stones.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

O homem que nunca se rendeu

Em 24 de janeiro de 1965, com a morte de Sir Winston Leonard Spencer Churchill, aos 90 anos, a Inglaterra perdia seu grande e controvertido personagem, responsável pelo maior fracasso militar do primeiro conflito mundial e pela reviravolta que conduziu o país a vitória no segundo. Representantes de 110 nações participaram da cerimonia fúnebre na Catedral de St. Paul.

De aspecto frágil, mas muito corajoso, aos 25 anos já havia participado de quatro guerras, como soldado e jornalista. Aos 21, em 1895, foi correspondente de guerra em Cuba, na sua luta pela independência da Espanha. Dois anos depois, combatia na Índia. Em 1900, já em Londres, ganhou sua primeira eleição, trocou o Partido Conservador pelo Liberal, reelegeu-se e ocupou cargos importantes no Governo. Na Primeira Guerra Mundial, Churchill era o primeiro lorde do Almirantado e planejou a desastrada operação nos Dardanelos, na Turquia, onde milhares de aliados morreram.

Podia ter sido o fim de sua carreira, mas Ihe deram o ministério das Munições. Após o armistício de 1918, perdeu três eleições seguidas, rompeu com os liberais e voltou ao partido de origem. Em 1933, o nazismo alemão não o iludiu: fez sérias advertências, logo confirmadas. A explosão do novo conflito mundial o levou ao poder, em 1940. No dia 13 de maio, Churchill fez seu discurso mais famoso, dizendo que nada podia oferecer a seu povo "senão sangue, labuta, suor e lágrimas".

Liddell Hart, um de seus biógrafos, disse que se o país fosse governado na época por alguém em seu juízo perfeito, a guerra estaria perdida, pois esta pessoa se renderia a evidência de que nada deteria o poderio alemão. Aos 65 anos, gordo, estressado, bom bebedor e fumante compulsivo de charutos, Churchill proclamou que os ingleses nunca se renderiam, comandou a resistência, passando por cima de um feroz anticomunismo para aliar-se a URSS. A mobilização dos EUA fortaleceu os aliados e a guerra mudou de rumo. Antes do cessar-fogo, Churchill foi a lalta e Potsclam, mas a Grã-Bretanha sobrou nessas duas importantes conferências: o mundo surgido com a derrota de Hitler só pode ser dividido entre as duas potências emergentes. O velho império onde o sol nunca se punha desabara. Churchill, que venceu a guerra, não se reelegeu— os ingleses queriam um governo para os tempos de paz. Voltaria, no entanto, ao poder, em 1951, para sair três anos depois, por doença. Também um talentoso escritor, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1953.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

O mestre moderno da arquitetura

Em Menton, aldeia no sul da França, só o chamavam de "o velho"; ninguém sabia quem era porque ele só falava com o dono do restaurante. Na manha de 27 de agosto de 1965, aos 77 anos, "o velho" foi a praia dar o seu mergulho diário e morreu de ataque cardíaco. Só então os vizinhos descobriram que ele era Charles Edouard Jeanneret, conhecido como Le Corbusier, um dos pais da arquitetura moderna, ao lado do alemão Walter Gropius.
Nascido na Suíça, Le Corbusier começou um curso de Belas Artes aos 14 anos. Aos 18, já projetava casas e ganhava prêmios. Após passar a juventude percorrendo a Europa e conhecendo estilos, recebeu, em 1922, numa feira de artes, a incumbência de criar o projeto de uma fonte. Desenhou a fonte—e, em torno dela, uma cidade para três milhões de pessoas, cidade que não saiu da prancheta. Le Corbusier escandalizou autoridades e até colegas mais avançados ao afirmar que a casa precisa ser uma "maquina de morar".

A arquitetura deve a ele novidades como as edificações sobre pilotis, o teto-jardim (que deu certo nas coberturas de edifícios), as janelas horizontais que percorrem toda a fachada, a planta livre dos prédios (graças ao concreto armado), os mezaninos com escada-caracol e o conceito de instalar indústrias em locais distantes dos centros urbanos. Entre as maluquices, a idéia de povoar de edifícios as encostas do Pão de Açúcar e o plano de demolir o centro velho de Paris.

Le Corbusier veio quatro vezes ao Brasil. Em 1929, para um ciclo de conferências pagas pelo mecenas Paulo Prado; em 1936, a convite do ministro Gustavfj Capanema, para fazer parte do grupo que concebeu o primeiro edifício moderno do país, o do Ministério da Educação, no Rio, que teve projeto final de Lúcio Costa; em 1957, para receber a encomenda de construir a Maison du Brésil na Cidade Universitária de Paris; e em 1962, para projetar a nova sede da Embaixada da França. Nesta última viagem conheceu a Brasília de seus discípulos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, com os quais trabalhou nos estudos da sede das Nações Unidas. A cidade-avião e suas edificações arroladas o encantaram.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

Islamismo negro mata seu porta-voz

A morte de Malcolm X, assassinado no Harlem, Nova York, em 21 de fevereiro de 1965 aos 39 anos, reforçou o carisma do incendiário líder do movimento de afirmação dos negros oprimidos nos Estados Unidos. Poder negro, orgulho negro, ódio negro não são expressões criadas por ele, mas sempre soaram como se a voz radical de Malcolm X as tivesse pronunciado pela primeira vez.

Ele próprio deu início ao culto que sua figura suscitou. Um ano antes de morrer, com a ajuda do influente escritor negro Alex Haley (autor de "Ratzes", "Roots" no original), produziu uma autobiografia que só viria a ser publicada após a sua morte. De imediato, o livro transformou-se numa espécie de Alcorão nos corações de militantes negros descrentes de soluções pacíficas para a tragédia racial que fraturava a sociedade da nação mais rica e poderosa do mundo.

Foi exatamente no Alcorão, livro sagrado do islamismo, que o autodidata Malcolm X dizia ter encontrado a revelação mística motivadora de sua conversão e da pregação revolucionária em favor de um poder negro na América e no mundo. A descoberta ocorreu quando ele estava preso—por tráfico de drogas e cafetinagem—graças a Elijah Muhammad, um líder negro de Nova York. Adotou o nome de ElHaij Malik El-Shabbazz, ou Malcolm X, em substituição ao de batismo, Malcolm Little. O sobrenome era execrado por ele como um sinal vergonhoso de submissão a padrões dos brancos. Seu pai o influenciara com as idéias de Marcus Garvey, um jamaicano que, vivendo nos Estados Unidos, durante a década de 20, tornara-se um importante pregador do orgulho e do nacionalismo negro. Tais idéias, o próprio Malcolm X divulgaria com fervor alguns anos mais tarde.

O islamismo também o levou aos black muslims (muçulmanos negros), talvez o mais radical entre vários outros grupos do movimento negro americano que defendiam a ação violenta contra o racismo. No auge da militança deu-se o rompimento com Elijah Muhammad e os blach muslims. Malcolm X se viu acuado por antigos correligionários que o assassinaram.

Apesar da divergência radical quanto aos métodos de Martin Luther King e sua política de não-violência, Malcolm X emitiu muitos sinais de que respeitava o pastor King, apenas não acreditava que os racistas brancos americanos cedessem se não fossem defrontados com o orgulho e o ódio negros. "Aprendi a odiar cada gota de sangue daquele estuprador branco (o avô materno) que há em mim. (...) Sempre acreditei, com certeza inabalável, que morrerei pela violência", declarou Malcolm X, nas páginas da biografia escrita por Haley. Vinte e sete anos após sua morte, inspirou o filme épico "Malcolm X" (1992) do cineasta negro Spike Lee.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

Tirano filipino em pele de carneiro

Os cidadãos filipinos elegeram presidente, em 1965, um jovem que teria sido um atleta premiado, um herói da guerra contra a ocupação japonesa e que, naquele momento, era um advogado competente que se mostrava um ardoroso defensor da resistência cultural e da retomada das raízes hispânicas. Raízes herdadas da colonização mantida até 1898, quando a Espanha perdeu a guerra para os Estados Unidos, que se apossaram desse arquipélago de grande valor estratégico no Pacífico, impondo novos valores culturais aos filipinos.

Mas tudo era falso no presidente Ferdinand Marcos, até seu currículo havia sido fabricado: ele jamais fora atleta ou herói de guerra e ainda assassinara, aos 21 anos, um adversário político que derrotara seu pai nas urnas. Além disso, todo o seu empenho na afirmação dos valores culturais formadores da nação filipina seria traduzido na frase que, anos depois, mandou esculpir numa de suas mansões: "Gosto de dinheiro, caviar e champanhe".

Reeleito em 1969, depois de violenta campanha de intimidação, o mestre na arte de dissimular mentiu novamente aos filipinos ao prometer reforma agrária—seu Governo só beneficiou grandes proprietários de terras— e cultural, além de independência em relação as políticas americanas para o país. Logo em seguida, num golpe de estado, passou a administrar o país a força e a servir incondicionalmente aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos.

No início da década de 70, assumiu poderes ditatoriais ao decretar lei marcial, fechando o Congresso, os jornais e prendendo políticos, jornalistas e supostos rebeldes. Ele mesmo admitiu que em seus primeiros anos como presidente das Filipinas foram presas cerca de 60 mil pessoas. Apesar disto, declarou: "Eu nunca me importo com os meus críticos. De fato, fico feliz que eles expressem suas Opiniões de um jeito ou de outro."

Apoiado em seu fiel Exército, impôs um Governo marcado pela corrupção e pelo nepotismo. Enquanto o país passava por uma séria crise econômica, ele enriquecia, acumulando uma fortuna calculada em cerca de US$ 30 bilhões. Como conseqüência, sua administração passou a ser chamada de democracia e as críticas dos Estados Unidos em relação a endêmica desonestidade aumentaram proporcionalmente a sua impopularidade nas Filipinas.

Sua mulher, Imelda Marcos, uma ex-miss enlouquecida pela ostentação consumista, fazia crescer o desejo do povo filipino de se libertar daquele regime. Mas o presidente conseguiu ficar no poder até 1986, quando seu Governo foi derrubado após crescentes levantes populares contra uma das mais corruptas ditaduras do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

André Courrèges sobe as bainhas

O público viu perplexo as saias subirem acima dos joelhos no desfile da coleção primavera-verão do costureiro francês André Courrèges, no inverno de 1965. Mas o sucesso da minissaia e do mini-vestido deveu-se em grande parte à jovem estilista inglesa Mary Quant, dona da loja Bazaar, que encolheu ainda mais a bainha das saias, popularizando a haute Couture do mestre francês mesmo fora do continente. Não só a roupa mudava, mas a mulher que a vestia, com um novo estilo de vida.

Courrèges nasceu em 1923, na cidade de Pau, interior da França, e foi atraído pelas artes desde cedo. Mas o pai o obrigou a adotar uma profissão mais estável: a de engenheiro civil. Aos 21 anos, o jovem engenheiro desistiu de tudo e foi para Paris, onde se empregou na Maison do mestre Cristobal Balenciaga em 1949. Visionário e atento aos novos tempos que proclamavam a liberdade feminina, Courrèges sugeriu a Balenciaga vestir as mulheres com calças compridas. Ao que o mestre respondeu: "Você pode fazer isso quando tiver sua própria Maison".

Onze anos mais tarde, em 1961, Courrèges lançava sua própria grife, marcada por peças simples em que predominavam as cores claras, como o azul, o rosa e, principalmente o branco. Admirador das proporções e das linhas retas e despojadas do arquiteto suíço Le Corbusier, Courrèges levou para a moda uma nova concepção. As roupas tinham toques futuristas, traduzidos em pantalonas, collants, macacões, vestidos trapezóides, feitos em tecidos sintéticos, emborrachados e metálicos, com recortes transparentes em plástico.
Inspirado por sua vez em Mary Quant, o "estilista da era espacial", como ficou conhecido, também foi um pioneiro do pret-a-porter, a moda mais barata, pronta-para-usar. "Quero que toda a mulher seja capaz de vestir Courrèges", afirmou. O estilista comparou seu papel inovador na haute couture ao trabalho genial de Coco Chanel.

Nos anos 70, ele decretou o fim da evolução da moda, abandonou os desfiles e popularizou suas coleções, atitudes que Ihe valeram a expulsão da Câmara de Alta Costura de Paris, a Chambre Syndicale, que reúne os profissionais da alta costura e pret-aporter. "A moda é superficial e consiste apenas em subir ou descer saias, por exemplo. Eu me preocupo com o estilo, que e mais profundo que a moda e inventa os modelos representativos de uma época", afirmou.

Com a perda do título de costureiro em 1973, o também pintor e escultor diversifica sua atuação, assinando projetos de arquitetura, perfumes, acessórios e design—de cuecas a pranchas de surfe, passando por edifícios, casas e ambientes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

Craque inglês brilhou até os 50

Todo o Brasil acompanhou no cinema, em 1956, as jogadas infernais daquele ponta-direita baixinho e driblado da seleção inglesa que acabou com a nossa num amistoso em Wembley. Stanley Matthews, aos 41 anos, não tomava o menor conhecimento de que seu marcador era ninguém menos que Nilton Santos, a "Enciclopédia do Futebol". Final da partida: Inglaterra 4 x 2 Brasil, com Matthews participando de todos os gols de seu time.
Stanley Matthews pendurou as chuteiras com meio século de vida—não se conhece nenhum outro jogador de futebol profissional que tenha ido tão longe—num jogo em Wembley entre a seleção inglesa e a européia no dia 28 de abril de 1965. Saiu de campo no final da partida, vencida pelos adversários por 6 a 4, carregado pelos também lendários Yashin goleiro russo, e Puskas, atacante húngaro naturalizado espanhol. Sua longevidade no futebol (33 anos de carreira), os 886 jogos de sua carreira (54 pela seleção inglesa e 701 pelos dois clubes da primeira divisão em que atuou) e sua categoria o transformaram num ídolo. A rainha Elizabeth fez do craque um Cavaleiro do Reino. Com todos os méritos.

Sir Stanley Matthews nasceu em Stoke-on-Trent em 1º de fevereiro de 1915. Começou a jogar futebol no time de sua cidade natal, o Stoke City, aos 14 anos, e passou a profissional na temporada 1931-32. Em 1938 estava na seleção (participou das Copas de 50, quando problemas médicos o tiraram da histórica partida em que a Inglaterra foi humilhantemente derrotada pela seleção americal1a, e de 54).

Comprado pelo Blackpool em 1947, contribuiu bastante para que a equipe ganhasse a Copa da Inglaterra de 1953. Em 1956, foi eleito o melhor jogador da Europa. O incansável pontinha voltou ao Stoke City em 1962, aos 47 anos, e o levou a primeira divisão inglesa. Ainda em 1962 a torcida inglesa mostrou ser tão incansável quanto Matthews: queria porque queria que ele fosse convocado para a Copa do Chile. Infelizmente, não foi atendida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1965

Soviético passeia pelo espaço

Mais uma vez os Estados Unidos ficavam atrás da União Soviética na corrida espacial. A Voskhod II decolou em 18 de março de 1965 tripulada pelos cosmonautas Alexei Leonov e Pavel Beliaev. Quando estava mais ou menos a 480 quilômetros de altura sobre o território da Criméia, na segunda órbita em redor da Terra, o coronel Leonov saiu da nave, a qual ficou preso apenas por um fino cabo flexível, e foi fazer alguns serviços La fora. Tornou-se assim o primeiro homem a "passear" no espaço.

Toda a União Soviética e outras regiões da Europa viram na televisão, em emocionantes imagens vindas da Voskhod, o piloto dar uma cambalhota para se colocar em posição e depois fazer um exame do exterior da astronave. Além de testar alguns instrumentos e ferramentas. ele filmou a Terra e o céu estrelado. O passeio durou dez minutos. Depois Leonov reentrou na Voskhod II, que completou 17 órbitas em 26 horas e retornou, aterrissando perto de Volgogrado (antiga Stalingrado).

Era mais uma vitória de Serguei Korolyev, o "von Braun soviético", um grande cientista que desde o começo dos anos 30 se dedicara a pensar uma maneira de chegar ao espaço exterior e estava a frente do programa espacial da União Soviética desde o pioneiro lançamento do Sputnik, em 1957. Foi ele também o responsável pelo primeiro vôo orbital tripulado, o de Yuri Gagarin em 12 de abril de 1961.

Os americanos foram obrigados a reconhecer que a espetacular façanha soviética aumentava a vantagem dos rivais em matéria de vôos tripulados. Só depois souberam que um detalhe permitira a realização do feito: com a ajuda de biólogos, foi desenvolvido um traje especial que protegia os astronautas de todas as radiações cósmicas prejudiciais e das queimaduras dos raios solares, sem impedir uma perfeita respiração.

O macacão laranja usado por Leonov, com o rebuscado nome técnico de "sustentação vital autônoma", era um verdadeiro portento tecnológico, uma câmara espacial em miniatura— formada por várias camadas metálicas, visor transparente, luvas e calçados especiais e contando com sofisticados sistemas de comunicação e respiração, aparelhos para registrar as reações físicas do usuário e cilindros de oxigênio as costas. Material isolante cobria o conjunto, para proteção tanto contra o calor como contra o frio da sombra da Terra e da Lua.

No dia 3 de junho, os Estados Unidos reagiram: ligado a nave por um longo cordão umbilical, o astronauta americano Edward White ficou 21 minutos fora da Gemini IV, inclusive dando-se ao luxo de manobrar no espaço graças a uma propulsor a jato como os vistos nas histórias de Flash Gordon. "Posso ver toda a costa da Califórnia", disse White.

Fonte: O Globo - Texto integral