Em 1960 as principais manchetes foram estas:

A estupidez de uma morte na estrada para Paris

Kennedy vence Nixon na televisão

A liberdade, o caos e a guerra civil

Israel condena criminoso nazista

URSS Captura espião americano

Luz ampliada no melhor estilo HQ
Passaporte para a revolução sexual

A capital de JK, novinha em folha

Negros afirmam o orgulho da raça
Perversão em preto-e-branco

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1960

A estupidez de uma morte na estrada para Paris

Às 13h55m de 4 de janeiro de 1960, um automóvel Gacel-Véga saiu da pista da Rodovia 5. entre Champiguy-sur-Yonne e Villeneuve-la-Guyard, a pouco mais de cem quilômetros a sudeste de Paris. O carro seguiu em linha reta ate bater contra uma arvore, ser jogado para cima de outra, virar um monte de ferragens. A direita do motorista estava o Prêmio Nobel de Literatura em 1957, Albert Camus, que teve morte instantânea. Ele estava voltando de sua casa-estúdio em Lourmarin, na Provença, para a capital. Desistira, por insistência do amigo que estaria ao volante do Gacel-Véga, Michel Gallimard, de fazer uso de uma passagem de trem, já comprada. Como anota Oliver Todd em sua excelente biografia do escritor, "Camus dizia com freqüência que nada era mais escandaloso do que a morte de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel".

Albert Camus tinha 46 anos. Faria 47 em 7 de novembro. Nascera em 1913, em Mondovi, Argélia. Seu pai, Lucien Camus, era descendente de alsacianos, assalariado que, transformado em zuavo, morreria na Grande Guerra antes de o pequeno Albert completar um ano. Sua mãe, nascida Catherine Hélène Sintès, era descendente de espanhóis de Minorca, faxineira analfabeta, meio surda, talvez retardada, que sobreviveria ao filho para dizer "jovem demais" ao tomar conhecimento de sua morte estúpida. O futuro escritor era, portanto, um pied-noir, um "pé-negro", como diziam os franceses metropolitanos, querendo significar que determinado branco tinha "um pé na África".

Camus viveu uma infância pobre em Argel, morando numa casa de três cômodos e um corredor com a mãe: o irmão mais velho, Lucien como o pai; dois tios, um deles também meio mudo; e a autoritária avó materna. Mas sobreviveu, apesar da tuberculose que se manifestou em 1930: estudou sem ser o melhor da classe, foi goleiro do Racing Universitário de Argel, filiou-se ao Partido Comunista trabalhou como jornalista, ficou desempregado.

Como sintetizar sua vida, seu destino? Melhor defini-lo como escritor? Como filósofo, Albert Camus nunca se sentiu plenamente a vontade em nenhum dos dois papeis, dos quais mantinha um saudável distanciamento critico, mesmo aos 46 anos—ou justamente por causa dos 46 anos. A um guarda de transito que Ihe pede os documentos do carro e pergunta, numa estrada da Provença, se ele escreve romances "água-com-açúcar ou policial", responde: "Meio a meio". E a um jovem estrangeiro que Ihe pergunta, numa palestra no Instituto de Estudos Franceses de Aix-enProvence, se ele e "um intelectual de esquerda", Camus responde: "Não tenho certeza de que sou um intelectual. Quanto ao resto, sou pela esquerda, a despeito de mim, e a despeito dela." A propósito dessas antidefinições, Oliver Todd lembra outra declaração, feita numa entrevista publicada em 20 de dezembro de 1945: "Não sou um filósofo. Não acredito o suficiente na razão para acreditar em um sistema. O que me interessa e saber como devemos nos conduzir. E, mais precisamente, como podemos nos conduzir quando não acreditamos nem em Deus nem na razão."

Esse e o cenário desolador do qual tanto sua filosofia quanto sua literatura extraem forca. Na verdade, tal qual Jean-Paul Sartre, o outro papa do existencialismo francês do pós-guerra, com quem manteria uma relação de atração e repulsa, Camus fez de sua obra um "meio a meio": seus livros de filosofia podem ser lidos como romances ou como poesia em prosa, a moda de Pascal ou Nietzsche, tamanha a paixão envolvida; seus livros de ficção podem ser lidos como filosofia, de tão bem que ilustram teses sobre a falta de sentido da vida, e qual sentido podemos extrair dessa falta. Camus e Sartre partem da mesma constatação—a vida não faz sentido por si só, isto e, não ha nenhuma essência nela—para cobrarem do homem a transformação de sua existência num ato de responsabilidade moral, individual e coletiva. A principal diferença é que Camus escrevia melhor do que Sartre, embora este pudesse organizar melhor suas idéias.

Contudo, e apesar das óbvias semelhanças, a insistência com quem seus nomes sempre foram associados aborrecia Camus e levou o a escrever certa vez: "Não, eu não sou um existencialista. (...) Sartre e existencialista, e o único livro de idéias que eu publiquei, 'O mito de Sisifo', foi contra os filósofos chamados existencialistas." O livro em questão, publicado em 1942, mesmo ano do romance "O estrangeiro", partia da premissa de que havia um único problema filosófico verdadeiramente serio: a vida vale ou não vale a pena? Camus investigava, então, por que o homem devia ou não devia cometer suicídio. Ao fim, depois de acusar a filosofia existencialista pregressa (Kierkeguard, Husserl, Jaspers etc) de desesperada, por fugir ao problema do absurdo, ele fazia um comovente movimento na direção da esperança. Camus concluía ser preciso imaginar Sisifo—o mítico personagem grego que perpetuamente empurra uma pedra montanha acima, embora a pedra sempre role montanha abaixo—como um homem feliz.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Camus, Sartre e tantos outros se mantiveram unidos no jornal clandestino "Combat" contra o inimigo comum, ou seja, os invasores alemães e os colaboracionistas franceses. Porem, tão logo os campos antagônicos ficaram claros na Guerra Fria, eles seguiram caminhos bastante distintos. Quando o ensaio "O homem revoltado" foi publicado, em 1951, ficou claro que Camus criticava antigos companheiros—entre eles, Sartre, então abrigado na revista "Les Temps Modernes"—que passaram da resistência ao nazismo a fe cega no comunismo e na História. Era coerente: afinal, não fora exatamente contra um tirano como Stálin que todos eles haviam lutado durante seis anos? Uma resenha negativa em "Les Temps Modernes", seguida de uma replica acida de Camus e de uma treplica contundente de Sartre precipitaram o rompimento entre os dois.

A insistência num comportamento ético caracterizaria Camus ate o final de sua vida, doesse a quem doesse—sobretudo nele mesmo. Sua franqueza Ihe criaria ainda mais embaraços quando da revolta da Frente Nacional de Libertação contra o domínio francês na Argélia, em 1954. Seus apelos pelo entendimento e pela moderação diante da escalada de atrocidades de parte a parte foram encarados como "colonialistas" pelos árabe-argelinos e como "covardes" pelos franco-argelinos. O piednoir Camus, na verdade, só via futuro numa confederação entre a antiga metrópole e a antiga colônia, não numa independência sangrenta (que se concretizaria dois anos após a sua morte). Ficou pregando sua causa perdida no deserto. Sem querer, o filósofo viu-se presa da intolerância e do medo que denunciara em "O homem revoltado". Então, em 1958, cansado de ser atacado por todos os lados, Camus decidiu calar-se sobre o assunto. O silencio derradeiro, hamletiano, viria em breve.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Kennedy vence Nixon na televisão

No dia 26 de setembro de 1960, milhares de eleitores americanos postaram-se diante de seus aparelhos de TV para assistir ao primeiro debate transmitido em cadeia nacional entre candidatos a presidência da Republica. De um lado, estava o jovem, bonito e simpático senador democrata John F. Kennedy. Do outro, o sisudo Richard Nixon, que evidentemente não tinha a menor intimidade com as câmeras. Esse confronto, alem de decisivo na renhida vitória de Kennedy sobre Nixon, inaugurou uma nova era nas campanhas políticas, que passariam a apresentar candidatos como atraentes produtos de consumo.

Embora esse tenha sido apenas o primeiro de uma serie de quatro debates, o então vice-presidente Nixon fugiu dele o quanto pode. Ele sabia que a sua recusa seria interpretada como covardia, enquanto a aceitação poderia elevar seu adversário—naquele momento da campanha com grande dificuldade de encarnar a figura paterna que o povo americano costumava esperar do presidente—ao status de competidor do mesmo nível. Nixon acabou aceitando o desafio e, embora os institutos de pesquisa tenham divergido quanto a influencia do debate nas urnas, a maioria dos observadores concluiu que Kennedy saiu desses encontros vitorioso. No entanto, aqueles que ouviram o programa pelo radio juraram que Nixon tinha tido melhor performance.

Esse primeiro debate durou cerca de uma hora e foi realizado em Chicago, tendo como mediador o jornalista Howard K. Smith. Nixon tentou apresentar Kennedy como um perdulario inconsequente, mentor de programas sociais que iriam onerar os cofres publicos em bilhoes de dólares. Ja o candidato democrata concentrou-se na msensibilidade soci.l de Nixon, ex-integrante de um governo capaz de tratar questoes como o aumento do salario minimo e o respeito aos direitos das minorias sociais como utópicos projetos socializantes. O debate acabou dividido em monólogos com declaracoes isoladas dos candidatos, sem a menor discussao

Os quatro debates, assistidos por cerca de 85 milhões de pessoas, não foram as únicas novidades introduzidas pelos assessores da milionária campanha que elegeu Kennedy presidente dos EUA. Seus bons argumentos expostos na TV haviam sido elaborados com base numa pesquisa sobre temas que sensibilizavam os eleitores. As aparições de sua mulher, a bela Jacqueline Kennedy, também tiveram importância na construção da imagem do jovem senador.

 

 

 

 

 

 

 

1960

A liberdade, o caos e a guerra civil

Após 75 anos de colonialismo, o Congo finalmente teve sua independência outorgada pela Bélgica, que passou o poder a um governo de coalizão nacional formado pelo primeiro-ministro Patrice Lumumba e pelo presidente Joseph Kasavubu em 30 de junho. Apesar da autonomia, a situação no Congo permaneceu instável, pontuada pela rivalidade entre os dois lideres do Governo e agravada pela rebeldia de Moise Tshombe, que resolveu proclamar a independência da região de Katanga, impossibilitando a união do Congo como nação. Seguiram-se a guerra civil e a inevitável intervenção da Bélgica, que enviou tropas para o Congo menos de um mês depois da independência. Soldados da ONU também foram mandados, enquanto Patrice Lumumba pedia a intervenção dos soviéticos.

Toda essa tensão no Congo refletia décadas de desencontros político-econômicos esmagados pela ferocidade da administração belga. No entanto, foi só no fim dos anos 50 que a pressão passou a ser insuportável devido ao desemprego ocasionado pela recessão e as barreiras belgas ao progresso congolês. Nesse clima de inquietação, caíram os investimentos europeus, o capital sumiu do mercado e o desemprego aumentou, intensificando as hostilidades étnicas. O clímax da crise foi a serie de distúrbios em Leopoldville, em janeiro de 1959, quando trabalhadores e desempregados exorcizaram décadas de ressentimento por meio de saques e incêndios.

Frente a catarse congolesa, a Bélgica recuou, afrouxando a rédea e permitindo que a colônia tomasse seu caminho rumo a independência. Mas havia um problema estrutural: dado o terrível controle colonial, ao contrario de outras regiões do oeste da África, o Congo não tinha uma elite formada e relativamente experiente para a qual pudesse transferir o poder. Inexistia também qualquer tradição política capaz de unir o pais—para se ter uma idéia do seu atraso intelectual ate 1960 apenas 14 dos 13 milhões de negros do Congo possuíam educação universitária.

Quando permitiu-se enfim alguma atividade política, surgiu a liderança de Patrice Lumumba, que rapidamente dominou o cenário político e foi nomeado primeiro-ministro Mas, em meio ao caos de uma sangrenta guerra civil, menos de três meses após a independência do Congo, Joseph Mobutu, líder do Exercito congolês, tomou o poder a forca, neutralizando todas as outras lideranças. Patrice Lumumba seria preso e assassinado, motivando manifestações pelo mundo. Era um indicio de que a j crise no Congo estava apenas começando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Israel condena criminoso nazista

Quando presidente, Juan Domingo Perón transformou a Argentina em porto seguro para nazistas e demais criminosos de guerra. Um deles, Adolf Eichmann, chefe da divisão encarregada dos judeus na policia secreta (Gestapo) do Terceiro Reich, vivia tranqüilamente em Buenos Aires, ate ser seqüestrado por agentes de um comando israelense em 11 de maio de 1960. Após o seqüestro, o responsável pelo genocídio de milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial foi levado a Jerusalém e, após um julgamento que durou 19 meses, foi condenado a morte em dezembro de 1961, por crimes de guerra e atos bárbaros contra o povo judeu e a Humanidade.

Eichmann estava na Argentina desde 1950, junto a Martin Bormann, antigo lugar-tenente de Hitler. Protegido por Bormann e por Perón, ele tentava recomeçar a vida adotando a falsa identidade de Ricardo Clemente. A influencia e o dinheiro de Bormann não foram suficientes para impedir a captura de Eichmann uma década depois. Quando Arturo Frondizi assumiu a presidência da Argentina, em 1958, pôs a policia argentina no encalço do criminoso nazista. Segundo boatos, esse cerco iria deliberadamente facilitar a ação dos israelenses, com quem os argentinos teriam um acordo secreto de deportação. Nessa versão, a reação do furioso Frondizi, exigindo uma reunião urgente do Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir a violação aos direitos soberanos de seu pais, não passaria de mero teatro.

Preso, Eichmann escreveu num diário que considerava o Partido Comunista o único inimigo real a ascensão do nazismo, afirmando que a perseguição aos judeus não passava de um artificio para conquistar o apoio das massas. A 31 de maio de 1962, cinco meses depois de ter sido condenado, Adolf Eichmann seria enforcado numa prisão próxima a Tel Aviv. O episódio do julgamento inspiraria a filósofa judia Hannah Arendt a escrever "Eichmann em Jerusalém", misto de ensaio e reportagem na qual ela lançou a famosa e polemica idéia da "banalidade do mal". Para Hannah, o mais terrível era que Eichmann e seus pares não eram monstros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

URSS Captura espião americano

Um dos mais delicados embates da Guerra Fria aconteceu pouco antes de uma reunião entre EUA, URSS, Grã-Bretanha e Franca programada para maio de 1960, em Paris. No dia 19 daquele mês, um míssil Sam soviético derrubou um avião de espionagem Lockheed U2, pilotado pelo americano Francis Gary Powers, durante uma missão de espionagem no espaço aéreo russo. O incidente só foi comunicado aos organismos internacionais quatro dias depois, fazendo fracassar a reunião de cúpula.

O Governo americano esperava que Gary Powers agisse como herói, suicidando-se em caso de flagrante durante a operação de espionagem. Por isso, a NASA emitiu um comunicado oficial, afirmando ser aquele um avião de pesquisas meteorológicas que "invadira involuntariamente o espaço aéreo soviético" depois de ter decolado do Paquistão. Mas Powers não havia acionado o mecanismo de t destruição do avião, pulara de pára-quedas e tornara-se prisioneiro da União Soviética.

Quando o Governo da URSS revelou que Powers estava vivo, os americanos voltaram atras e admitiram que desde 1956 sobrevoavam o espaço aéreo soviético em aviões tão silenciosos quanto sombras. Na pratica, voavam numa altitude tão acima do alcance dos mísseis inimigos que era impossível detecta-los. Diante da evidencia, Moscou condenou o que considerou ações provocatórias e exigiu que os Estados Unidos desistissem de prosseguir com tais ações, punindo com rigor os responsáveis pela operação. Alem de ter feito da reunião de cúpula em Paris um desencontro político, o incidente provocou o cancelamento da viagem que o presidente americano Dwight Eisenhower faria a Rússia.

Em agosto de 1960, Gary Powers foi a julgamento em Moscou e confessou que era espião da CIA em busca de informações sobre o poderio militar soviético. Foi condenado a uma pena de dez anos. No entanto, dois anos depois, seria trocado por um dos maiores nomes da espionagem russa, Rudolph Abel, capturado pelos Estados Unidos. De volta a seu pais, Powers foi recebido com frieza e deslocado para um insignificante trabalho burocrático na CIA. Não suportou o tédio, trocou de mulher e emprego, e resolveu quebrar o silencio escrevendo um livro de memórias. Morreu em 1977, num acidente de helicóptero quando trabalhava numa cobertura jornalística para uma radio de Los Angeles. Mais por insistência da família do que pelo reconhecimento pátrio, Gary Powers foi enterrado no Cemitério de Arlington, em Washington, reservado aos grandes heróis da história americana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Luz ampliada no melhor estilo HQ

A realidade mais uma vez alcançou a ficção, quando o físico americano Theodore Maiman inventou o primeiro aparelho emissor de raios laser, em 1960, e deixou para trás as armas que o herói das histórias em quadrinhos, Flash Gordon, usava para desintegrar seus inimigos. Trabalhando para a Hughes Aircraft Co., da Califórnia, Maiman utilizou um pequeno cilindro de rubi sintético, cujas extremidades eram recobertas por uma fina camada de prata. Esse cilindro era alimentado pela energia de uma lâmpada em espiral, de magnésio, até que emitisse um raio vermelho, uma breve pulsação de luz que viria depois ser chamada de laser. Tais letras representam, em inglês, as iniciais de ampliação da luz pela emissão estimulada da radiação (light amplification by stimUlated emission of radiation).

Apesar de previsto por Albert Einstein em 1917, apenas na década de 50 as primeiras experiências bem sucedidas com microondas levaram a descoberta do maser (sendo o "m" de microwave, microonda, em inglês) de amônia pelo americano Charles Townes, num processo de amplificação de microondas por emissão de radiação estimulada. Dai para a descoberta de Maiman não demorou muito. Constituindo uma fonte de luz de ondas coerentes —o que o diferencia muito da luz comum, na qual os fótons são emitidos em todas as direções—no laser os fótons da mesma dimensão se movem em direção única, com uma dispersão que não ultrapassa uma polegada por quilometro. A concentração luminosa torna o laser extremamente quente, com a temperatura podendo ultrapassar 30 milhões de graus Celsius, uma intensidade bem superior a do Sol.

Após o rubi, a obtenção do laser passaria a ser feita a partir de outros produtos, como diversos gases, e chegaria aos semicondutores, no laser de maior utilização em termos de volume e que e estimulado por energia elétrica. Muito mais do que uma mudança de letra em relação ao maser, o laser representou uma possibilidade enorme para a industria, medicina, ciência e muitos outros setores, ate mesmo os de diversão, com os já tradicionais "canhões" utilizados em megashows de rock— muitas vezes mais atraentes do que a própria musica tocada no palco.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Passaporte para a revolução sexual

O dia 9 de maio entrou, em 1960, para a agenda de comemorações das mulheres do mundo. Nessa data, a Food and Drug Administration, agencia do Governo americano responsável pela regulamentação da venda de alimentos e remédios, aprovou a comercialização do primeiro contraceptivo oral de efeito comprovado: a pílula anticoncepcional, ou simplesmente "a pílula", como ficaria conhecido aquele pequeno (em tamanho) milagre da medicina, responsável por uma gigantesca transformação de costumes—a revolução sexual. Três meses depois, no dia 18 de agosto, as americanas já podiam ir as farmácias comprar o seu passaporte para a liberação sexual: a pílula Enovid, primeira a ser fabricada nos Estados Unidos. Em treze anos, cerca de dez milhões delas tomavam o medicamento, que se notabilizou como o primeiro a ser usado em larga escala no planeta, inclusive nos países do Terceiro Mundo. Isto, apesar de enfrentar tabus sexuais e religiosos, e da falta de incentivos governamentais.

A pílula que revolucionaria o comportamento das mulheres foi criação de um homem, o endocrinologista americano Gregory Goodwin Pincus, conhecido por experiências feitas na área de fertilização in vitro. Impedido de prosseguir com as pesquisas em Harvard, ele e seu colaborador, Hudson Hoagland, fundaram uma instituição própria de pesquisas, a Worcester Foundation for Experimental Biology, financiada por fundos estatais e privados, grande parte destes da industria farmacêutica. Foi lá que, auxiliado pelo biólogo MinCheuh Chang, Pincus experimentou o efeito contraceptivo da progesterona. hormônio feminino que testes de laboratório com animais já haviam mostrado ser um supressor da ovulação, Os testes prosseguiram com o ginecologista e especialista em infernalidade John Rock. Ate que um feliz acidente no laboratório contaminou amostras com uma substancia derivada do estrogênio. A associação dos dois hormônios mostrou-se mais eficiente por atuar diretamente na glândula pituitária (órgão situado na base do cérebro, regulador do ciclo reprodutivo), inibindo a ovulação.

As acusações a pílula não foram poucas. Algumas, como a de desvalorizar o papel do homem na reprodução da espécie, caducaram por merecimento. Outras, de fundo religioso, ficaram restritas a grupos conservadores. As únicas que fazem sentido, hoje, dizem respeito aos efeitos colaterais—a pílula e apontada como principal responsável pelos males coronarianos que atingem as mulheres. De modo geral, seu emprego não e indicado quando associado a obesidade e ao fumo. Chega ao fim do século com doses menores de hormônios (na quarta geração da fórmula) e mantendo-se como o método anticoncepcional preferido das mulheres com menos de 30 anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

A capital de JK, novinha em folha

A transferencia da capital do Brasil do litoral para o interior era idéia antiga, que remontava a Inconfidência Mineira e ganhara forca na época da Independência. Mas foi apenas em 21 de abril de 1960, com a inauguração de Brasília, que este sonho se concretizou. Fincada no melo do Planalto Central, cercada pelo cerrado goiano e castigada pelo clima seco, Brasília foi prometida pelo presidente Jusceiino Kubitschek logo após sua posse, em janeiro de 1956. Com sua implantação, esperava-se dar novo impulso a ocupação da região Centro-Oeste, ainda que os detratores de Juscelino vissem ai uma manobra autoritária para isolar o Governo das pressões populares. De qualquer maneira, JK cumpriu o prometido, construindo a cidade em apenas três anos e dez meses. No dia da abertura oficial, Brasília já tinha cerca de 142 mil habitantes.

"A capital da esperança", foi assim que o escritor francês André Malraux definiu o projeto do urbanista Lúcio Costa, escolhido num concurso promovido pelo Coverno. O Plano Piloto de Costa—que contou com a colaboração de Oscar Niemeyer no desenho dos prédios públicos e monumentos—lembra a figura de um avião (alusão que o urbanista detestava, culpando a revista americana 'Time" pela comparação), onde a fuselagem ocupa o lugar dos prédios do Governo, e as asas, o complexo residencial. Discípulo do gênio suíço Le Corbusier, o liberal Costa, com a ajuda do comunista Niemeyer, queria construir uma cidade do futuro, cujas proporções e prédios monumentais diminuíssem as diferenças sociais entre os homens.

Nem tudo saiu como o esperado. As cidades-satélites—que seriam d es ativadas logo após a inauguração para serem construídas aos poucos, a medida que Brasília esgotasse sua capacidade de moradia—foram ocupadas desordenadamente, transformando se em favelas-dormitórios. As vias, desenhadas para eliminar cruzamentos, congestionamentos e semáforos, ostentam hoje vários sinais. A imensidão que separa as construções criou um grande isolamento humano, justamente o contrario do que se intencionava. Brasília foi tombada pela UNESCO como patrimônio histórico universal. em 1988. O que não impediu que sucessivas administrações modificassem o Plano Piloto de Costa-Niemeyer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Negros afirmam o orgulho da raça

Negra e nascida no racista estado do Tennessee, a americana Wilma Rudolph teve poliomielite, pneumonia e usou aparelho ortopédico ate os 11 anos. Em 1960, aos 20, estava na Olimpíada de Roma, na qual ganhou três medalhas de ouro no atletismo (100 e 200 metros e 4 x 100 metros). Vinda de uma família de mais 18 irmãos, Wilma dividiu as manchetes daqueles jogos com outro possível deserdado peia sorte, o etíope Abobe Bikila, nascido numa África que nunca tinha ganho medalhas de ouro e que fervia naquele ano, em que 17 países do continente conquistariam independência. Correndo descalço, Bikila bateu o recorde mundial da maratona, com 2hl5ml6s.

O período era mesmo de afirmação racial. Depois de ganhar a medalha de ouro no boxe, um certo Cassius Clay voltou a seu pais orgulhoso. Na cidade natal de Louisville, no Meio Oeste americano, pediu hambúrguer e milkshake numa lanchonete que não atendia negros. Depois de perseguido por uma gangue de motoqueiros, jogou a medalha num rio, antecipando gestos de protesto que se repetiriam em outros jogos. Nem todos, no entanto, teriam destino heróico. Na prova de ciclismo que abriu os jogos, o dinamarquês Knut Jensen perdeu o equilíbrio, caiu e bateu a cabeça, morrendo na pista. Quando se pensava que tinha sofrido insolação, seu técnico confessou que Ihe dera um estimulante. Era o momento certo para se pensar nos exames anti-doping.

Na primeira olimpíada com transmissão transcontinental pela TV, vista por 200 milhões de pessoas, a União Soviética levou 103 medalhas (43 de ouro), contra 71 (34 de ouro) dos Estados Unidos. O Brasil ganhou apenas duas de bronze, no basquete e na natação, com Manuel dos Santos. Mas a maior homenagem para o país veio na figura do bicampeão olímpico de salto triplo, Adhemar Ferreira da Silva. Um duradouro aplauso ecoou pelo estádio quando o locutor anunciou que o atleta, abatido por não ter se classificado para a final, despedia-se ali das pistas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1960

Perversão em preto-e-branco

Quando estreou, a 30 de junho de 1960, o filme "Psicose", de Alfred Hitchcock, foi classificado pelo critico Bosley Crowther, do jornal "The New York Times" como "um tropeço numa memorável carreira". Ele achava que o diretor de "Janela indiscreta" tinha ido longe demais daquela vez. Mas o filme orçado em US$ 800 mil rendeu em um ano nada menos que US$ 13 milhões. E o sucesso elevou a clássico o longa-metragem que contem uma das mais aterrorizantes e belas cenas de suspense do cinema, a do assassinato de Marion Crane (Janet Leigh) durante o banho. A reboque, 'Psicose" tornou o pervertido Norman Bates (vivido por Anthony Perkins) o mais carismático psicopata das telas.

O baixo orçamento do filme foi quase uma extravagancia, dessas das quais bons diretores se utilizam para realizar exatamente aquilo que querem, a margem do capitalismo selvagem dos grandes estúdios. A Paramount não gostou da idéia de Hitchcock adaptar um autor menor (Robert Bloch, autor do livro "Psycho", em que se baseou o roteiro) para o cinema e boicotou o projeto, proibindo-o ate de usar suas instalações. O diretor utilizou a equipe e os estúdios da serie de TV "Suspense", que realizava para a Universal, e as filmagens duraram 36 dias, a portas fechadas. A teimosia do inglês rendeu um filme antológico.

Não ha como desgrudar o olho da tela diante da ambígua figura de Norman Bates. Na aparência, ele e o simplório zelador de um motel. Na pratica, e um maluco de carteirinha, que veste as roupas da mãe para matar. Nessa versão original ( "Psicose" renderia três continuações), Norman observa | uma hóspede se despir minutos antes dela ser assassinada a facadas no banheiro. Ela não estava ali por acaso: havia fugido com um dinheiro roubado, hospedando-se naquele motelzinho de beira de estrada.

A antológica seqüência do assassinato de Marion Crane não demora um minuto, mas tem 70 tomadas diferentes, feitas em mais de uma semana ate se atingir o efeito final. A primorosa e ágil montagem encarregou-se do resto. Uma curiosidade de bastidor: a atriz Janet Leigh foi substituída por uma duble nas cenas de nudez por imposição do ciumento marido Tony Curtis. Puritanismo a parte, "Psicose" criou um precioso ensaio sobre voyeurismo e perversão em preto e branco, protagonizado por um ator também esquisitão. Anthony Perkins confessaria mais tarde ter perdido a virgindade somente aos 37 anos, isto e, uma década depois do sucesso do filme.

Fonte: O Globo - Texto integral