Em 1956 as principais manchetes foram estas:

O Mundo se torna o bambolê de Elvis

Um país sovado pelos tanques

Nau soviética muda de rumo

Nasser zomba de gigantes europeus

Franceses tomam o rumo de casa

E o cinema criou Brigitte Bardot
O mais político dos dramaturgos

Política diminui o brilho da festa

Do reinado nas telas ao sonho real
Rosa, regional e transcendental

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1956

O Mundo se torna o bambolê de Elvis

Imagine se o Atlas, cansado de tanto carregar o mundo nas costas, resolvesse dar uma paradinha. Um tempinho para esticar as costas e relaxar um pouco. Sentado na beira de um meio-fio universal, olhando para o tempo e para o mundo. Súbito Ihe ocorreria a brincadeira genial, vinda de não sei que impulsos lúdicos e infantis, improváveis naquele cuja função é carregar o mundo nas costas. E ele, com um riso maroto vai e arranca o círculo equatorial da crosta terrestre e com ele brinca o bambolê, dando de quando em quando uma bundada em um planeta ou outro, numa furiosa e rebelde algazarra sideral.

Perdão se a história é por demais absurda e patética, mas me parece ter ocorrido algo semelhante quando, num domingo, 9 de setembro de 1956, Elvis Presley apareceu no programa de maior audiência da TV americana, o "Ed Sullivan Show', cujo apresentador, doente, foi substituído por Charles Laughton. Estima-se que 54 milhões de pessoas assistiram a Elvis; um terço da população americana. Quatro canções, "Don't be cruel", "Love me tender", "Ready teddy" e "Hound dog", foram suficientes para despertar o furacão.

Consta que Ed Sullivan, famoso por sua total ausência de carisma, em princípio era contra a apresentação em seu show daquele cantor de 21 anos que tivera sucesso em seu concorrente, o "Milton Berle Show", depois de ter-lhe sido oferecido por módicos US$ 5 mil. Acabou pagando, seis meses depois, US$ 50 mil para ter o rapagão de olhos azuis, cabelos pintados de asa-da-graúna e voz de crioulo, em três apresentações.

Depois daquela de 9 de setembro, seguir-seiam as de 28 de outubro de 1956 e 6 de janeiro de 1957. Nesta, para evitar mais dissidências familiares, divórcios coletivos, transes espirituais e adjacências, sua produção entendeu que o melhor seria só focalizar o fogoso garotão da cintura para cima. Imagina-se que nas duas noites anteriores—e isso e uma suposição pra lá de plausível—milhões de mocinhas consentiram, no banco de trás de Buicks, Studebakers e outros insuspeitos e familiares veículos americanos. Um orgasmo coletivo.

Chacoalhando seus quadris, sem que nenhuma teoria ali se expusesse, Elvis Presley balançou todas as estruturas sociais do planeta. Não mostrá-lo da cintura para baixo acabou por ser a constatação de que isso não impedia a platéia de "saber" o que ele estava fazendo com os quadris e gozar com isso. Os cabelos pintados, os olhos azuis, a voz e o repertório negróides, antes de serem uma fórmula do sucesso, eram uma transgressão, que quebrava definitivamente a barreira cultural/racial. Claro, os jazzistas já cruzavam o rio há tempos, mas o populacho ainda via aquilo com divertido horror.

Não vou eu aqui querer fazer pontuações teóricas sobre a história da arte, mas o pop aparece no período e a figura de Elvis tem mais cara de ser sócia-fundadora do que subproduto. Duvido que Andy Warhol, o papa pop, não tenha dado pelo menos uma piscadela para o jovem Elvis. O efeito! O efeito era o surpreendente, e não o texto, o racional e objetivo. O signo que estava ali, no garoto que rebola e imita preto, subvertendo a sexualidade de sua geração, não estava dentro dos conformes. Nunca a arte tocara (quase literalmente) tanta gente de uma só vez, provocando sensações de prazer físico óbvias, motivando catarses revolucionarias e internacionais. Nunca a beleza tinha sido tão sem-educação. Daí a dificuldade em reconhecê-la arte.

Falar-se-á de Sade e de uma legião transgressora, e lembrarei da popularidade de Elvis Presley. Falar-se-á de artistas que, qual Dante, ao revolucionar o acesso à estética escrevendo em italiano e não em latim, já haviam acenado para a inclusão das massas como objeto da contemplação artística. Pois afirmo que mesmo não sendo um evento pioneiro, já que o aparecimento do rock and roll se deu em fins dos anos 40 deste século, nada tira dessa apresentação de Elvis, neste programa de TV, o marco do aparecimento de um novo momento cultural na Terra.

Já imagino uma voz sisuda e impaciente a reclamar que não se pode chamar de arte isso o que Elvis fez. Que pode até ser cultural e sociológico, já que se caracteriza como fenômeno, e até se dizer que tem um apelo estético. Mas aí é que esta o cerne da questão: Elvis marca o aparecimento da industria cultural, não como resultado mais imediato, mas como efeito mais devastador e durável.

O que levou Elvis a TV, por cinco ou 50 mil, foi o sucesso de suas execuções radiofônicas, orientadas por macacas ouvintes e pedintes. O rádio é muito mais acessível e ágil que qualquer outro veiculo. Pode divulgar uma notícia de dentro de um guarda-roupa, transmitindo para o mundo todo, no momento em que, lá, algum fato relevante aconteça. É mais rápido que a televisão, mais convincente que o jornal, mais barato que qualquer coisa e pode ficar ligado o dia inteiro; enquanto se faz amor, se mata o sócio, se pinta o muro. O rádio já era o tal nos anos 40 e, mesmo assim, o mercado americano de discos estava estacionado nos US$ 400 mil anuais de receita. Os compactos vendiam aquele tanto normalmente, tocavam naquelas mesmas rádios normalmente, até que apareceu esse camarada. Daí para a frente o mercado cresceu de tal forma que 40 anos depois esses estáveis US$ 400 mil dos 40 anos anteriores se transformaram em US$ 40 bilhões anuais.

Elvis era uma personagem feita sob medida para as necessidades da época. Sua voz e seu cabelo pintado sua pélvis, além dos olhos azuis, comunicavam a todos os públicos femininos. Os garotos viam nele alguém que legalizara, ou pelo menos declarara, seu discurso desejante e expresso. A desrepressão sexual e os avanços feministas que se desenhavam encontravam nele uma voz para as massas; era o primeiro objeto sexual masculino, ou melhor, o primeiro homem a rebolar como uma strip-teaser, a sugerir sensualidade, grunhir e gemer em alto-falantes ! Em rede nacional e horário nobre. E nada disso passava em sua cabeça em 1953, quando era chofer de caminhão e entrou numa loja de Memphis para gravar duas músicas, "My happiness" e "That's when your heartaches begin", para a mamãe Gladys, um presente baratinho mas de coração: US$ 4 por um disco de vinil com as duas gravações.

Um ano depois o dono deste estúdio o chamou de volta para Ihe propor gravar mais umas canções e, quem sabe, tentar tocá-las na rádio local. Uma delas, "That's all right mama", estourou no norte, como se dizia aqui anos atrás, ou seja, pipocou em várias rádios do interior chamando a atenção do mainstream e Ihe rendendo um belo contrato com a RCA, onde ficaria até morrer.

Entre Elvis e o mundo do disco, e desde o primeiro contato com a RCA, esteve presente o "Coronel" Parker, uma espécie de gerente de produto, personal manager, empresário e gerente financeiro de Elvis. É preciso dizer que estas funções ai citadas, para o mundo do disco, foram inspiradas no trabalho deste homem; o precursor desta forma de conduzir uma carreira. Costumes e sexualidade foram revolucionados por um discurso que aparentemente não se preocupava com isso. Roberto Carlos, que representou esse mesmo estrondo em terras brasileiras, virou um escândalo dez anos depois, quando Elvis já estava em Hollywood fazendo três longas por ano e ausente dos palcos, para onde só voltaria em fins de 68, ou 30 filmes depois. Roberto era Propositalmente rebelde, enquanto Elvis o era sem saber e, quiçá, sem querer. Mas o "Rei" é um fenômeno dos 60.

Os anos 60 discutiram quase tudo o que se podia discutir, promovendo profundas mudanças no comportamento das massas, principalmente na juventude. A musica pop era, então, o grande aglutinador. E assim foi, assim seguiu o curso, não sendo apenas, em primeira instancia. uma forma de enriquecimento, mas um legítimo mecanismo de transformação social e proposição de novos paradigmas culturais ou comportamentais. Bom, mas até aí morreu o Neves: isso todo mundo sabe. O que se observa, porém, é que ai se lançam as estruturas para a Sociedade do Espetáculo como sugeriu Guy Debord em seu tratado do final dos anos 60. E pouco a pouco a rebeldia e a transgressão vão dando espaço a uma rebeldia consentida e uma transgressividade padronizada, que resultara em um processo de absorção, por parte do capital, de todo e qualquer movimento popular relacionado a cultura e comportamento, encampado dentro deste maravilhoso universo virtual inaugurado por Elvis Presley em 1956.

Ainda que milhares de fãs digam que Elvis não morreu, e alguns clones alimentem visualmente esta insânia, o maior ídolo pop da história se despediu do estrelato terreno em 1977 e, como dizem, foi cantar em outra freguesia. As razões de sua morte prematura são, é óbvio, desconhecidas ou envoltas em dúvidas polêmicas. Suicídio, câncer ou overdose. Se um herói precisa de uma morte precoce e dramática, Elvis teve três. E morto dessas formas, ainda assim, continua vivo, deliram na América, e era tudo um golpe da CIA. Fantástico.

Mais fantástico ainda foi o aparecimento, no mesmo ano em que Presley morria, de um outro Elvis. Mais parecido com Buddy Holly e com uma atitude de .lerry Lewis, mas oriundo do mundo punk, ou melhor, de uma alternativa intelectualizada ao movimento punk: Elvis Costello. Boas construções melódicas serviam de trilha para letras rascantes e bem escritas, mantendo o vigor crítico mas sem a pitada naif que os punks, com brutalidade genuína e deseducada, prometiam.

Em 1998 foi lançado um disco de Elvis Costello e Burt Bacharach. O segundo todo mundo conhece, mesmo quando não Ihe sabe o nome: suas canções cinematográficas, absolutamente comportadas e geniais, eram o exemplo do que o jovem que lia Guy Debord em 68 chamaria de "som careta". Me recordo da trilha para o filme "Horizonte perdido" ou da famosa "Raindrops keep fallin'on my head".

Antes da parceria com Burt, Elvis, o Costello andou substituindo John Lennon na parceria com Paul McCartney, o que não é pouco. De Elvis a Costello, porém, se confirma o que "The Pelvis" indicava logo nos primeiros anos de carreira: um dia todos (os out.siders?) voltam e vão servir ao exercito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Um país sovado pelos tanques

Em outubro de 1956, os húngaros protagonizaram um dos mais importantes movimentos da História contra o comunismo. Cansados do regime autoritário e pouco tolerante a criticas do primeiro-ministro Mátyás Rákosi e da atmosfera de terror imposta pela polícia secreta, a AHV, a população saiu às ruas para reivindicar menos estalinismo e mais democracia. A Revolução Húngara não surgiu de repente. O descontentamento, que já existia, foi estimulado por um acontecimento que seria um divisor de águas na maré tranqüila em que vivia o mundo comunista. Em fevereiro daquele ano, no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o secretario-geral Nikita Kruchov criticara o governo de Stálin num documento supostamente secreto que circulou pelo mundo inteiro, inclusive dentro da Cortina de Ferro. Os ataques de Kruchov soaram como uma palavra de ordem para os húngaros.

A primeira medida dos revoltosos foi exigir a substituição de Rákosi, estalinista ortodoxo que, como o líder soviético morto em 1953, baseava seu governo no culto a personalidade. Ele foi substituído por um assistente, Erno Gero, que, no entanto, não conseguiu controlar a situação. A oposição reinstalou então no poder Imre Nagy, um liberal que os comunistas tinham enxotado do partido e da chefia do governo no ano anterior. Nagy era exatamente o que os húngaros queriam naquele momento. Uma vez no poder, libertou milhares de prisioneiros políticos, concedeu mais liberdade a imprensa e chegou a falar em pluripartidarismo.

A revolução propriamente dita teve início no dia 23 de outubro, quando os estudantes lideraram manifestações de rua por mais democracia. A revolta tinha um caráter nacionalista, contra o domínio de Moscou. Tanques soviéticos foram apedrejados e símbolos como a estrela vermelha no prédio do Parlamento, em Budapeste, substituídos pela bandeira da Hungria. Em pouco tempo, as tropas húngaras aderiram.

A festa acabou quando Nagy anunciou seu desligamento do Pacto de Varsóvia, aliança militar comunista instituída um ano antes. Os tanques soviéticos cercaram Budapeste. Na madrugada de 5 de novembro, mil tanques, apoiados por artilharia, aviões e infantaria, entraram na capital, massacrando a população. Cerca de 8 mil pessoas morreram e 200 mil fugiram para o Ocidente—um êxodo no qual o país perdeu cientistas, intelectuais e até jogadores de futebol, como o lendário Puskas. Nagy seria executado por traição dois anos depois. A repressão respingou no Ocidente: milhares de militantes comunistas rasgaram suas carteirinhas. Até ser desbancada pela Primavera de Praga, em 1968, a Hungria seria o maior arranhão sofrido pela imagem internacional da União Soviética.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Nau soviética muda de rumo

Os 1.350 camaradas presentes ao 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética mal podiam acreditar no que ouviam. Em 25 de fevereiro de 1956, décimo dia do encontro, o primeiro-secretário Nikita Kruchov surpreendeu a elite soviética com um discurso de cinco horas em que espinafrou Joseph Stálin. atacando "a intolerância, a brutalidade e o abuso de poder do sucessor de Lênnin e seu antecessor no cargo. Não era só. Stálin que governara o país durante 24 anos, até morrer em 1953, foi criticado por estimular o culto a personalidade, pela paranóia que levou aos expurgos da década de 30, pelas conspirações para assassinar críticos de seu governo e pelas decisões estratégicas equivocadas que custaram milhares de vidas durante a Segunda Guerra Mundial.

Kruchov, que já dissera que a guerra não era "fatalisticamente inevitável" (negando a tese marxista da inevitabilidade da luta de classes), citou um numero que agitou os delegados: dos 139 membros do Comitê Central eleitos em 1934, 70%, tinham sido presos e executados por ordens de Stálin, acusados de crimes contra a revolução.

A denúncia de Kruchov era supostamente secreta. Antes de iniciar o discurso—que ficaria famoso pela transformação a que dava início na ordem comunista—observadores estrangeiros e imprensa foram retirados da sala. Mesmo assim, uma semana depois, o texto do secretário-geral e primeiro-ministro da URSS já corria mundo: foi publicado inclusive pelo Departamento de Estado americano. Era a confirmação de que algo de novo ocorria no front da Guerra Fria: a "desestalinizacao".

Como conseqüência imediata dos novos rumos, cerca de oito milhões de prisioneiros políticos foram libertados e milhares de pessoas, executadas nos expurgos estalinistas, tiveram seus nomes reabilitados. No Leste europeu, a relativa liberalização estimulou os movimentos nacionalistas. Na Polônia, depois de uma manifestação pacífica que culminou com a visita de Kruchov a Varsóvia, várias medidas liberalizantes foram tomadas. Na Hungria, ao contrário, uma rebelião de estudantes e trabalhadores terminou de forma nada democrática, esmagada pelos tanques soviéticos.

O mais curioso é que todos os erros atribuídos por Kruchov a Stálin poderiam ter sido evitados se tivesse valido o testamento político de Lênnin. O líder da Revolução Bolchevique alertara o partido contra Stálin, que considerava rude e ambicioso, sugerindo alguém mais transigente, leal e cortês para sucedê-lo. Sem apontar um herdeiro, Lênnin mencionara alguns candidatos ao cargo, como Leon Trotsky, Nikolai Bukharin e Grigori Piatkor—todos assassinados durante o governo de seu sucessor. O texto do discurso de Kruchov seria publicado no jornal "Kommunist", órgao do partido, em 1956, como parte da campanha oficial do novo líder contra Stálin.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Nasser zomba de gigantes europeus

A crise do Canal de Suez foi um episódio atípico naqueles tempos de Guerra Fria. O conflito armado na região do canal, de importância fundamental para o escoamento de petróleo do Oriente Médio para o Ocidente, envolveu vários países e terminou quando Estados Unidos e União Soviética, assumindo o mesmo lado numa briga pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, negociaram a paz.

Tudo começou quando o ditador Gamal Abdel Nasser, com seu topete de sempre, nacionalizou a Companhia do Canal de Suez, que era controlada por Grã-Bretanha e França. O ato, que teve o apoio entusiasmado da população egípcia, era uma represália contra a decisão de britânicos e americanos de não emprestar dinheiro ao Egito para que construísse a Grande Represa de Assuan, um projeto considerado vital por Nasser.

Não era a primeira vez que Nasser desafiava as grandes potências do Ocidente. Embora não se considerasse alinhado com o bloco soviético, ele reconhecera a China comunista e comprava armas de Moscou. A reação de Franca e Grã-Bretanha foi violenta e ardilosa ao mesmo tempo. Num acordo secreto com Israel—negado na época, mas admitido posteriormente—acertou-se que tropas israelenses invadiriam o Egito. Isso daria um bom pretexto aos dois países para intervir militarmente na região, posando de emissários da paz, e assim recuperar o controle do Canal de Suez.

O plano seguiu como combinado. Em 29 de outubro, três meses depois da nacionalização anunciada por Nasser, cerca de 30 mil soldados israelenses invadiram o Egito, encontrando pouca resistência. Dois dias depois, bombardeios britânicos e franceses arrasaram objetivos militares na Cidade do Cairo e em Port Said, principal cidade da Zona do Canal.

A estratégia de França e Grã-Bretanha era a prova de erros sob o ponto de vista militar. Diplomaticamente, porém, foi um fiasco. Estados Unidos e URSS, temendo que o conflito assumisse proporções maiores, lideraram a reação da ONU, que obrigou as tropas anglo-francesas a se retirar da região.

No acordo costurado em seguida—considerado humilhante para os dois países europeus—ficou decidido que o Egito, depois de pagar aos ex-administradores do Canal pelo confisco, manteria seu controle. Nasser saia vencedor a seu modo e com dinheiro soviético, acabaria construindo (a obra terminou em 1970) a Grande Represa de Assuan.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Franceses tomam o rumo de casa

Os acontecimentos que levaram a independência do Marrocos e da Tunísia, em março de 1956, correram paralelos. O processo de emancipação dos dois protetorados franceses começou a ganhar forca na década de 1930 e se intensificou em 1945, com a onda de manifestações nacionalistas que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Mas a França só afrouxou seu domínio sobre Marrocos e Tunísia quando, envolvida com a rebelião argelina e tendo perdido a guerra no Vietnã, percebeu que não teria condições econômicas e militares de manter prolongados conflitos nas diversas colônias que possuía na África.

A luta pela libertação do Marrocos—cuja independência só fora violada entre o fim do século XIX e o início do XX, quando Espanha e França dividiram o país em áreas de influência —deu-se em duas fases. Na primeira, que se estendeu de 1921 a 1926, o exército guerrilheiro liderado por Abd el-Krim lutou contra os espanhóis nas montanhas do Riff. Na segunda fase, iniciada em 1936, destacou-se o sultão Sidi Mohammed, que exigiu a retirada da França e da Espanha do país. Exilado em 1952, retornou ao Marrocos em 1955 e, já na condição de símbolo da resistência, com grande apoio popular, conseguiu fazer com que a independência fosse reconhecida em 1956, primeiro pela França e logo depois pela Espanha.

O processo de emancipação da Tunísia remonta a 1907, guando surgiu o movimento conhecido como Jovens Tunisianos, mas só adquiriu força em 1934, quando Habib Bourguiba organizou o Partido da Nova Constituição, o Neodestour. Exilado pelas autoridades francesas, Bourguiba seguiu em 1945 para o Cairo, capital do Egito, de onde começou a divulgar internacionalmente a causa da independência tunisiana. Em 1947, voltando do exílio, organizou novamente o movimento. Os conflitos se prolongaram até 1954, quando o governo francês admitiu abrir negociações com Bourguiba. A independência da Tunísia foi reconhecida dois anos depois.

Após a independência, os dois países começou a traçar seu difícil caminho em direção a autonomia. Na Tunísia, que deixou de ser uma monarquia no ano seguinte, Habib Bourguiba assumiu a presidência, que manteria até ser deposto, em 1987, por "incapacidade" (já estava com 83 anos), pelo primeiro ministro Abidine Ben Ali. Este promoveu a liberalização do regime e, em 1989, realizou as primeiras eleições livres desde a independência. No Marrocos, o sultão Mohammed assumiu o título de Rei em 1957 e, em 1961, passou o trono para seu filho, Hassan II, que estabeleceu uma monarquia constitucional. Os dois países entraram para as Nações Unidas em 12 de novembro de 1956 e, em 1958, foram admitidos na Liga dos Estados Árabes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

E o cinema criou Brigitte Bardot

O diretor francês Roger Vadim não era bobo. Em 1956, guando lançou seu primeiro filme, "E Deus criou a mulher", revelou ao mundo a jovem atriz com quem se casara. Uma revelação e tanto: em ousadas (para a época) cenas de nudez, Brigitte Bardot virou estrela do dia para a noite. B.B., como ficaria conhecida, já tinha 17 filmes no currículo, nenhum deles muito expressivo, quando fez o papel de Juliette, a moça que tem um caso com o irmão do rapaz com quem acabou de se casar.

Vadim a descobrira em 1949, quando ela, aos 15 anos, aparecera numa capa da revista "Elle" como uma espécie de debutante do ano (Camille Javal, seu nome de batismo, era filha de um industrial burguês de Paris). O futuro cineasta, na época assistente de direção, soube ali que Bardot seria a atriz de seu primeiro filme. Casou-se com ela três anos depois e foi planejando sua obra enquanto ela ganhava intimidade com a câmera em pequenos papeis.

Quando rodou o filme, B.B. tinha 22 anos, aparentava menos e exalava sensualidade. Com seus lábios carnudos se juntando num beicinho que deixava os homens loucos e as mulheres morrendo de inveja, B.B. era, em tudo, diferente das estrelas de cinema da época. Hollywood vendia ao mundo atrizes inacessíveis em vestidos vaporosos. Bardot usava sapatilhas baixas e vestidos de xadrezinho vichy, rosa e branco. Era uma "beleza afável", segundo a escritora Marguerite Duras.

Bardot colecionou papeis, maridos e amantes (já durante as filmagens de "E Deus criou a mulher", teve um caso com o ator Jean-Louis Trintignant, o que a conduziria ao divórcio de Vadim), tentou duas vezes o suicídio e lançou muitas modas. Na França, celebrizou Saint Tropez, onde se refugiou na sua praia particular, La Mandrague, após deixar o cinema. No Brasil, onde passou uma temporada no verão de 1964 com o namorado Bob Zagury, fez a fama de Búzios, então uma pacata aldeia de pescadores. Não chegou a ser uma atriz estupenda, mas sua presença na tela nunca era menos do que fascinante. Fez muitos filmes descartáveis e uns poucos que sobreviveram, como "O desprezo" de Godard e "Viva Maria" de Louis Malle. Em 1973, aos 39 anos, disse adeus às telas e se lançou de corpo e alma a campanhas pelos direitos dos animais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

O mais político dos dramaturgos

Poeta, dramaturgo, diretor, teórico e reformador do teatro, Bertolt Brecht morreu em Berlim Oriental em 14 de agosto de 1956, pouco antes da estreia londrina da Berliner Ensemble, companhia de teatro fundada por ele. Eminentemente político, influenciado pelo simbolismo, o expressionismo e o marxismo, Brecht buscou transcendê-los com uma inspiração épica que buscava não a identificação do publico à cena mas, através de seu famoso "distanciamento", a visão crítica. Foi um dos mais influentes nomes do teatro contemporâneo, mas seu engajamento—responsável por uma estética, segundo muitos, datada—fez com que chegasse ao fim do século em relativo desprestígio intelectual e artístico.

Eugen Bertolt Friedrich Brecht nasceu em 10 de fevereiro de 1898 em Augsburgo, Baviera, filho do diretor de uma fábrica de papel. Os estudos de medicina o mantiveram longe das frentes de batalha durante a Primeira Guerra. Foi nessa época que escreveu sua primeira peça, "Baal", dando início a uma carreira que iria afastá-lo por completo da medicina.

Com "Tambores na noite" (1922), que fala do retorno de um soldado ao lar, recebeu a aclamação da crítica e um prêmio de revelação. Dois anos depois, já tendo escrito 'Na selva das cidades", mudou-se para Berlim. Amigo dos dadaístas, dono de um cinismo anárquico, trocou tudo isso por um texto rigoroso ao se converter ao marxismo. Surgiu então uma de suas obras-primas, "A ópera dos três vinténs", primeiro sucesso de público, com musica de Kurt Weill. Vieram em seguida algumas peças didáticas, de tom panfletário.

Com a chegada de Hitler ao poder, em 1933, teve início o exílio de Brecht na Dinamarca. A expansão nazista em 1938 coincidiu com sua fase mais criativa e menos dogmática, marcada por parábolas: "Vida de Galileu" examina as responsabilidades do gênio face à selvageria; "A boa alma de Setsuan" indaga se é possível a bondade numa sociedade injusta; "Mãe coragem e seus filhos" denuncia a responsabilidade do homem comum pela guerra.

Brecht seguiu escrevendo enquanto mudava seguidamente de país: passou por Suécia, Finlândia e Estados Unidos, onde tentou sem sucesso trabalhar em Hollywood. Em 1947, as vésperas da estréia de "Galileu" na Broadway, caiu na mira dos macarthistas e deixou o país. Convidado a trabalhar na Alemanha Oriental, montou sua companhia e fez excursões de grande sucesso. Em 1955, recebeu em Moscou o Prêmio Stálin da Paz. Os princípios de sua arte estão resumidos no "Pequeno manual de teatro" (1948).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Política diminui o brilho da festa

A política teve uma grande influência sobre os Jogos Olímpicos de Melbourne, os primeiros realizados no Hemisfério Sul. O primeiro problema foi a invasão do Canal de Suez por tropas inglesas e francesas, que teve como conseqüência a retirada do Iraque, do Egito e do Líbano. Em seguida veio a sangrenta intervenção soviética na Hungria, responsável pela ausência da Holanda, da Suíça e até mesmo da Espanha franquista. Por fim, a China comunista suspendeu a viagem dos seus atletas quando soube que a China nacionalista participaria das competições.

Nada disso impediu Melbourne de ser palco de uma equilibrada disputa pela supremacia esportiva entre soviéticos e norte-americanos —embora um imenso painel no estádio olímpico advertisse que "a classificação por países não é reconhecida". No entanto, com a Guerra Fria ficando cada vez mais quente, cada medalha conquistada era contabilizada como um troféu bélico, simbolizando a superioridade da nação. Como acabaria virando uma regra, os Estados Unidos dominaram o atletismo, os russos fizeram o mesmo com a ginástica, e nas demais modalidades esportivas prevaleceu um certo equilíbrio. No fim, os representantes do mundo socialista ficaram com 98 medalhas (37 de ouro) e os baluartes do capitalismo, com 74 (32 de ouro).

Os Jogos de Melbourne também foram generosos com os seus promotores: a Austrália conquistou 35 medalhas (13 de ouro), ocupando um surpreendente terceiro lugar na contagem final por países. Os principais destaques australianos foram a corredora Bethy Cuthbert (ouro nas corridas de 100m e 200m e no revezamento 4 x 100m) e a nadadora Dawn Frase (ouro nos 100m nado livre e no revezamento 4 x 100m). A equipe masculina de natação também se destacou, ganhando oito medalhas de ouro.

O Brasil, cuja delegação era composta de apenas 44 atletas, teve que se contentar com o feito de Adhemar Ferreira da Silva que voltou de Melbourne com sua segunda medalha de ouro olímpica e um novo recorde mundial no salto triplo. A única mulher da equipe brasileira Mary Dalva Proênca, terminou a prova de saltos ornamentais em 17º lugar entre 18 competidoras. Participavam também da delegação José Telles da Conceição (medalha de bronze em Helsinque, em 1952) e o boxeador Éder Jofre (que viria a ser campeão mundial em 1960), mas nenhum deles obteve resultados expressivos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Do reinado nas telas ao sonho real

Em 1955 a atriz Grace Kelly estava em Mônaco para as filmagens de "Ladrão de casaca", de Alfred Hitchcock, quando repórteres da revista `'Paris Match" Ihe propuseram que posasse para um ensaio fotográfico nos jardins do Palácio Real. Lá, Grace conheceu o príncipe Rainier, que, meses depois, pediria sua mão. A atriz, com porte de princesa, disse "sim" e transformou o mito em realidade em 19 de abril de 1956. Aquele que foi um dos mais concorridos "casamentos do século" arrastou uma multidão de 1.800 jornalistas, provocou um congestionamento de iates, helicópteros e aviões particulares e teve um cenário que nem as mais ousadas produções de Hollywood conseguiram igualar. Grace chegou a ensolarada Baía de Mônaco a bordo do transatlântico "Constitution" e Rainier foi ao seu encontro no iate em que o casal passaria a lua-de-mel, o "Deo Juvante II". A união durou até 1982, quando a Princesa de Mônaco morreu em um acidente automobilístico.

Não era a primeira vez que um príncipe desposava uma mulher sem sangue azul. Mas, no caso, a plebéia vinha a ser a mais famosa atriz de Hollywood. Na época do casamento, Grace Patrícia Kelly, filha de um dos homens mais ricos dos EUA, era a atriz preferida de Hitchcock e, com seis anos de carreira, já conquistara um Oscar de melhor atriz. Dizia querer se casar, mas não com um homem que ficasse conhecido como "o marido de Grace Kelly". Ao deixar o cinema, tornou-se a Princesa Grace de Mônaco duquesa de Valentinois, marquesa de Baux, condessa de Carlade.

Rainier Luis Heuri Maxcuce Eertrand Grimaldi trigésimo soberano de Mônaco (cuja história começa em 1297), subiu ao trono quando sua mãe, a Princesa Carlota Grimaldi, abdicou após se divorciar. Rainier tinha a responsabilidade de assegurar um herdeiro, pois. segundo um tratado assinado com a França em 1918, Mônaco passara a ser um protetorado francês no dia em que o trono ficar vago. Conseguiu: o casal teve três filhos, Caroline, Albert e Stephanie. Com o casamento, o minúsculo principado de três quilômetros quadrados, famoso por seus cassinos, passou a ter também um charme que jamais conhecera, ampliando sua receita com o turismo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1956

Rosa, regional e transcendental

Médico que clinicou no interior de seu estado e diplomata que serviu em vários países estrangeiros, João Guimarães Rosa, nascido em Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho de 1908, fez uma revolução: a da língua literária brasileira, reinventando o regionalismo e dando transcendência ao mundo sertanejo com o uso criativo das tradições orais e de formas arcaizantes, a invenção de palavras e o reordenamento de estruturas da língua para captar sentidos insuspeitados. O vaqueiro torna-se filósofo, os animais pensam: nada é corriqueiro sob a aparência mundana, e a sociedade rural que vai se amoldando a modernidade cria sua própria saga universal.

Sua obra-prima e o vasto painel do mundo no ritmo psíquico do narrador Riobaldo em "Grande sertão: veredas", romance épico publicado em 1956, dez anos depois da estreia com os inovadores contos de "Sagarana". No mesmo ano de 1956 sairia "Corpo de baile", conjunto de novelas posteriormente desmembrado em "Manuelzao e Miguilim", "No Urubuquaqua, no Pinhém" e "Noites do sertão". Depois iria se dedicar ao conto extremamente curto, em "Primeiras estórias", de 1962, e especialmente em "Tutaméia (Terceiras estórias)", neste com alto grau de experimentalismo de linguagem. Publicou também poesia.

Apaixonado pelo estudo de línguas, Rosa já lia em francês aos 6 anos. Viria a conhecer também inglês, alemão, holandês, grego, russo, latim, sueco e japonês. Entomologista, seus bichos pensantes são um marco na ficção que produziu. Formou-se médico em Belo Horizonte em 1930 e depois clinicou quatro anos no interior, seguindo depois para o Rio de Janeiro, onde prestou exame para o Itamarati e passou em segundo lugar. Em 1938, era cônsul-adjunto em Hamburgo e, em 1942, com o rompimento entre Brasil e Alemanha, esteve detido em Baden-Baden com outros brasileiros, trocados depois por diplomatas alemães. Serviria ainda em Bogotá, na Conferência de Paz em Paris e no Serviço de Demarcação de Fronteiras, que chefiou.

Médico ou diplomata, porém, pareciam servir ao propósito maior do escritor, aquele que, em nossa língua, levou ao ponto mais radical a transformação da prosa em universo autônomo. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 12 de agosto de 1963, adiou por quatro anos a posse. Temia a emoção, que afinal o fulminaria três dias após a admissão formal na ABL, em 16 de novembro de 1967.

Fonte: O Globo - Texto integral