Em 1954 as principais manchetes foram estas:

Dien-Bien-Phu repete o velho erro de Verdun

O mensageiro da retaliação maciça

Exército dos EUA derrota a histeria

França derrama sangue na África

O notável "Faraó de uniforme"

A menina negra na escola branca
Hungria encontra derrota impossível

A metalingüística fábula de Hitch

O avião que levou o século nas costas
Gênio político brilha até o fim

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1954

Dien-Bien-Phu repete o velho erro de Verdun

A Indochina, conquistada pela França durante o último quartel do século XIX, constituiu até a Segunda Guerra Mundial, a mais preciosa jóia do império colonial francês. Ela compunha-se de cinco países bem distintos: o antigo Império de Tonkin, o Reino do Laos, o Reino do Cambodja, o Arnam e a Cochinchina—os primeiros como protetorados, a ultima como colônia. O governo central estava em mãos do governador geral francês, cuja sede era a grande e bela cidade de Saigon (Hoje Ho-Chi-Minh City) Os administradores coloniais e os militares franceses sempre tiveram verdadeira ternura pela Indochina, com seus povos tão civilizados e polidos suas mulheres tão belas - nada de parecido com as colônias da África negra. Muitos foram os militares e funcionários franceses que casaram-se com mulheres da terra, mulheres não raro lindas, de frágil e delicada beleza, de modos encantadoramente gentis.

A deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939, deu ensejo ao Japão, aliado da Alemanha, para invadir a Indochina e expulsar os franceses. Depois, porém, do armistício franco-alemão, um acordo assinado entre a Franca e o Japão (o Acordo Darlan-Kato) criou no país um regime misto franco-japonês. Desde longa data, porém, o Partido Comunista da Indochina, sob a forte liderança do veterano militante Ho-Chi-Minh, havia suscitado um movimento guerrilheiro, o Vietminh, e quando da derrota e rendição do Japão, em 1945. Ho-Chi-Minh proclamou a independência da República Democrática do Vietnã.

Desde 1943, o general De Gaulle reivindicava de novo a soberania da França sobre suas antigas possessões da Indochina; mas somente a derrota e rendição do Japão permitiram a reocupação por forças francesas e a reinstalação de um Governo Geral francês em Saigon.

O general De Gaulle manifestou sua intenção de restabelecer a soberania francesa sobre o país, e tropas francesas passaram a enfrentar Ho-Chi-Minh, levando-o a refugiar-se na clandestinidade na qual ele empreendeu e sustentou com êxito operações de guerrilha. Reproduziu-se na Indochina a situação dos exércitos de Napoleão na Espanha: os franceses ocupavam as cidades, mas no campo operavam intensamente os guerrilheiros, atacando de surpresa tropas francesas isoladas, cortando suas linhas de abastecimento e de comunicações, massacrando prisioneiros e executando as autoridades locais submissas aos franceses.

A China comunista de Mao Tse-Tung havendo passado a fornecer material de guerra aos Vietminh, estes puderam enfrentar em campo aberto as tropas francesas. O Exército Popular do Vietnã, sob o comando de um chefe altamente capaz, o general Giap, tomou a ofensiva, com crescente sucesso, contra o Corpo Expedicionário Francês que lhe foi oposto e que constituía Uma força pouco homogênea, composta de tropas da França Metropolitana, da Legião Estrangeira e de contingentes coloniais da União Francesa—marroquinos, argelinos e senegaleses.

Foi então concebido pelo comandante-em-chefe do Corpo Expedicionário, general Navarre, o plano estratégico que levou o seu nome, Plano Navarre. Esse plano de operações baseava-se essencialmente na formação de uma fortíssima base aero-terrestre, poderosamente artilhada, contra a qual deveria esbarrar e quebrar-se a ofensiva do general Giap. Era, em suma, a transposição para o Extremo-Oriente, em 1954. do plano de Verdun na Primeira Guerra Mundial em 1917: a concentração de forças em uma posição inexpugnável, barrando a passagem ao inimigo.

O local escolhido para essa fortíssima posição defensiva foi Dien-Bien-Phu, onde foi concentrada uma guarnição de 15 mil homens, a fina flor do Corpo Expedicionário Francês, inclusive os aguerridos veteranos pára-quedistas da Legião Estrangeira petrechados com artilharia pesada, de poder de fogo muito superior ao que se supunha pudessem ter os vietminhs

A posição central de Dien-Bien-Phu comandava um excelente campo de tiro em todas as direções. Além disso, foram construídos em torno dela cinco bastiões avançados, dispostos em estrela, que podiam cruzar fogos na planície descampada de modo a deter investidas contra a fortificação principal.

O alto comando francês não contara com a extraordinária energia combativa do exercito inimigo, com a habilidade de seu chefe, nem com o incrível esforço físico dos combatentes vietminhs.

A posição supostamente inexpugnável de Dien-Bien-Phu revelou-se, na realidade, uma ratoeira para a sua guarnição. Ela era cercada por cristas montanhosas que o alto-comando francês estimava inacessíveis para a artilharia inimiga—como, em 1939, o Estado-Maior francês havia estimado os montes das Ardennes intransponíveis para tropas blindadas alemãs. O erro Foi fatal em ambos os casos: em 1940, as colunas blindadas do general Guderian executariam pelas Ardennes a ofensiva relâmpago que ia surpreender e derrotar o Exercito francês; e em Dien-Bien-Phu os franzinos vietnamitas conseguiriam içar, por um esforço sobre-humano, peças de artilharia de grosso calibre, obuses de 155 mm, até o alto das cristas montanhosas, de onde iriam desencadear sobre as posições francesas um tiro mergulhante de efeitos devastadores, durante semanas a fio.

A praça, comandada por um chefe de bravura e energia invulgares, o coronel De Castries, descendente de uma longa linhagem de nobres guerreiros, defendeu-se heroicamente de 13 de março até 7 de maio lutando até a última extremidade, totalmente isolada que estava, e privada de abastecimentos desde a destruição, pela artilharia inimiga, do aeroporto por onde Ihe poderia chegar socorro. Apenas esporadicamente aviões franceses, eles próprios alvejados por vivo fogo antiaéreo, puderam lançar sobre a praça sitiada alguns socorros, inclusive um grupo de heróicas enfermeiras militantes que saltaram de para quedas. Enquanto isso os bastiões avançados (todos batizados galantemente com nomes de mulher) eram aniquilados um a um em tremenda carnificina. As metralhadoras francesas ceifavam filas inteiras de atacantes: os cadáveres de viets amontoavam-se em frente de cada bastião; mas novas vagas de assaltantes passavam por cima, e acabaram submergindo literalmente as posições avançadas.

Finalmente, após haver disputado palmo a palmo, e corpo a corpo, todo o perímetro fortificado, os sobreviventes da guarnição, esgotados todos os seus meios, já sem munição, foram forçados a render-se, sendo tangidos pelo inimigo impiedoso para a "marcha da morte'', que levou esses prisioneiros, já extenuados por 54 dias de luta a percorrer cerca de 600 quilômetros, em 40 dias de penosa marcha, recebendo cada prisioneiro, para sustentar-se em todo esse tempo, apenas 15 quilogramas de arroz. Ao fim dessa marcha foram repartidos por vários acampamentos de prisioneiros, nos quais morreram milhares.

Após a perda de Dien-Bien-Phu, não restava a Franca outro remédio senão abrir as negociações que conduziram a Convenção de Genebra, que consagrou o fim da presença francesa na Indochina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

O mensageiro da retaliação maciça

Em janeiro de 1954, foi lançado ao mar em New London, no estado americano de Connecticut, um revolucionário vaso de guerra: o submarino "Nautilus", movido por um reator nuclear. Até então, os submarinos tinham sido pouco mais do que navios que, em caso de necessidade, podiam ficar algum tempo sob a água. Seu tempo de submersão era extremamente limitado, pois de tempos em tempos precisavam emergir e ligar os motores a diesel para recarregar as baterias. O "Nautilus" tinha combustível para anos de imersão.

Seu principal idealizador foi Hyman George Rickover, um americano de origem polonesa que trabalhou oito anos no projeto. O "Nautilus" media 98 metros, deslocava 3.530 toneladas e tinha velocidade de cruzeiro de 20 nós (37 quilômetros por hora). Em 1958, o novo submarino seria utilizado em uma proeza inédita: a navegação sob o gelo do Ártico, numa jornada de quase três mil quilômetros cumprida em quatro dias.

O submarino americano ganhou o nome de "Nautilus" como uma dupla homenagem: assim chamava-se o submergível inventado por Robert Fulton—o gênio mecânico responsável também pelo barco a vapor e pela mina submarina—em 1800, e também o submarino capitaneado por Nemo no clássico de ficção cientifica "20.000 léguas submarinas", do escritor francês Julio Verne. O "Nautilus" de 1954 unia o pioneirismo do primeiro ao raio de ação do último.

O submarino nuclear era uma peça fundamental na nova política militar dos Estados Unidos, anunciada pelo secretario de Estado John Foster Dulles naquele mesmo mês de janeiro: o principio da retaliação maciça. A idéia era deter a expansão dos soviéticos em particular—que, aliás, só teriam submarinos nucleares cinco anos depois—e dos comunistas em geral com a ameaça de se recorrer ao uso de bombas atômicas e de hidrogênio sempre que fosse julgado necessário. Dulles queria mobilizar "uma grande capacidade de retaliar, instantaneamente com meios e em lugares de nossa escolha". Isso incluía, explicitamente, o propósito de usar artefatos nucleares até mesmo em guerras coloniais localizadas. Muitos, naturalmente, julgaram que a retaliação maciça não passava de um blefe. Talvez fosse, mas também era perfeitamente coerente com o pensamento do secretario de Estado.

John Foster Dulles era o que se chamava, nos Estados Unidos, de falcão da política externa firmemente imbuído do propósito de livrar o mundo da ameaça vermelha e impiedoso com todos os que Ihe fossem contrários. Antes de se tornar secretario de Estado do presidente republicano Dwight Eisenhower, tinha sido conselheiro do presidente democrata Harry Truman, seu antecessor. Porém, havia tempos denunciava em público o que considerava uma excessiva passividade de seu ex-chefe diante do perigo comunista. Felizmente, nunca a Humanidade precisou saber se de fato ele estava blefando ou não.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

Exército dos EUA derrota a histeria

O poder conquistado pelo senador Joseph McCarthy na década de 50 levou-o a cometer alguns erros graves em sua ruidosa carreira política, como, por exemplo, o de subestimar a capacidade de contra-ataque dos atingidos por sua cruzada anticomunista. Foi esse o caso do duelo que travou entre outubro de 1953 e junho de 1954 com a alta cúpula do Exercito dos Estados Unidos. que acusou de acolher espiões pró-sovieticos.

Quando começou mais essa batalha, McCarthy usou todos os truques que o tornaram a um só tempo famoso e temido. A tática da calunia Ihe bastara na campanha que acabara de mover para afastar o físico Robert .l. Oppenheimer do posto de consultor especial da Comissão de Energia Atômica, e se mostraria igualmente eficaz para tornar ilegal o Partido Comunista Americano—feito que veio a se tornar a ultima vitória política do senador, em agosto de 1954. Eram ambos respeitáveis adversários, mas estavam longe de merecer uma comparação com o poderoso Exercito. A população não aceitaria facilmente a idéia de que essa instituição se tornara um antro de comunistas da noite para o dia.

Houve diversos sinais de que, contra o Exercito a histeria de McCarthy não funcionariam tão bem. Em fevereiro de 1954 o secretario do Exército, general Robert Stevens, disse que jamais permitiria que seus oficiais fossem tratados com destempero e pediu demissão — prontamente recusada pelo presidente Dwight Eisenhower. Mas McCarthy decidiu ignorar os apelos vindos da Casa Branca. Baseava-se nas pesquisas de opinião, segundo as quais 50% da população o apoiavam—um suporte que o eleitorado já demonstrara nas eleições de 1952, ao não reeleger os senadores Scott Lucas e Millard Tydings, que Ihe faziam cerrada oposição. McCarthy valia-se desse poder para imobilizar os seus adversários.

Parte dessa popularidade se devia ao prestigio de McCarthy com os jornalistas, que tratava bem e entre os quais tinha fama de simpático. Por conta dessa simpatia, permitiu que os depoimentos dos altos oficiais contra os quais duelava fossem transmitidos pela televisão para todo o país. Foram 36 dias de exposição, durante os quais exibiu profusamente o que foi descrito como sua "crueldade desmedida", aparentemente sem se aperceber do mal que causava a si próprio.

O processo atingiu seu clímax a 9 de junho, com o advogado Joseph Welch, um dos mais respeitados conselheiros do Exército, perguntando a McCarthy se ele não estava cansado de tanta crueldade e se Ihe restava algum senso de decência. Quando Welch acabou de falar, o auditório rompeu em longos aplausos. O mesmo fizeram milhares de pessoas que assistiam ao show jurídico pela televisão Estava quebrado o encanto.

O episódio encorajou os inimigos de McCarthy. No dia 2 de dezembro, conseguiram aprovar uma moção de condenação ao senador por 67 votos contra 22, por conduta "contraria as tradições do Senado". Sem poder e longe das câmeras de televisão, McCarthy entregou-se ao jogo e ao já adiantado vicio do álcool, morrendo menos de três anos depois, de cirrose hepática. A caça às bruxas comunistas, contudo, iria perdurar até os anos 60.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

França derrama sangue na África

Nem houve tempo para respirar. Mal acabara de ser derrotada no Vietnã, a França se envolveu, agora na África, em nova disputa colonial, que também perderia. Em novembro de 1954, a recém criada Frente de Libertação Nacional (FLN) desencadeou uma incipiente revolta nacionalista na Argélia, assassinando alguns colonos e oficiais argelinos pró-França. Nos anos seguintes, o conflito iria evoluir até se tornar a mais sangrenta revolução anticolonial dos tempos modernos, com mais de um milhão de argelinos mortos.

Os rebeldes contavam, a principio, com cerca de 800 homens e 400 armas, mas tinham a seu favor o descaso com que os franceses sempre haviam tratado o país—considerado na metrópole, mais do que um simples protetorado, parte do território francês. O pretexto para a tomada do segundo país africano em extensão territorial (o maior é o Sudão) fora uma suposta ofensa de salão ao cônsul francês, em 1827. Três anos depois, alegando a intenção de livrar a Argélia dos invasores turcos, a França assumiu o controle do país.

Rebeliões não eram uma novidade na história da ocupação francesa. Em 1954, porém, a maré estava a favor dos insurretos. Desde 1947, a população muçulmana—majoritária —aguardava a entrada em vigor de um estatuto, já aprovado, que daria aos argelinos o direito de participar politicamente da administração do país. A pequena mas poderosa população de origem européia, através de seus representantes políticos, impedia que isso ocorresse. A Argélia era uma panela de pressão prestes a explodir.

A tentativa francesa de sufocar a revolução conduziu a mais violência: em agosto de 1955 os rebeldes mataram 123 civis, dos quais 71 eram europeus. Forças francesas responderam com mais brutalidade ainda, massacrando cerca de 1.300 muçulmanos e prendendo 12 mil. O sangrento episódio marcou o fracasso dos esforços feitos por Jacques Soustelle, um intelectual de esquerda nomeado seis meses antes para o governo-geral da Argélia, de negociar com os rebeldes um pacote de concessões que conduzisse—palavra mágica em que se apoiavam os franceses—a "integração" definitiva de argelinos e europeus.

A partir daí, a guerra foi se tornando mais cruenta. Soustelle abandonou o cargo em fevereiro de 1956. A França chegou a ter mais de 400 mil soldados na Argélia, mas enfrentava um inimigo tenaz e cada vez mais apoiado pela população. Em maio de 1956, dois rebeldes foram guilhotinados, o que teve o efeito de multiplicar os atos terroristas—que se expandiram para a capital Argel, até então relativamente imune aos conflitos. A crise acabaria por reconduzir Charles de Gaulle ao centro da cena política francesa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

O notável "Faraó de uniforme"

De Gamal Abdel Nasser (1918-1970) pode-se dizer, no mínimo, que era um chefe de governo controverso. Alguns o chamavam de "faraó de uniforme", enquanto outros o consideravam o líder do mundo árabe. Filho de um carteiro, seguiu a carreira militar. Combateu, em 1948, na guerra contra o recém-criado Estado de Israel, tornou-se coronel e organizou o Movimento dos Oficiais Livres, que, em 1952, derrubou o rei Farouk, pondo fim a monarquia egípcia. Em abril de 1954, adquiriu o controle quase absoluto do Egito, após uma disputa com o líder principal da revolução, general Mohammed Naguib.

Pouco depois de assumir o poder, em outubro de 1954, Nasser escapou de um atentado em Alexandria. Os radicais opunham-se ao tratado assinado com a Grã-Bretanha, que deveria retirar suas forcas militares da Zona do Canal de Suez, mas ainda detinha o poder de intervir no Egito em algumas situações. Tal acordo fez dele um herói, na opinião de muitos, mas outros o qualificavam de traidor.

Suas atitudes criaram-lhe inimigos dentro e fora do Egito. Ao assumir, criou um partido político único e minou a forca dos latifundiários, por meio da reforma agraria. Em 1956, nacionalizou o Canal de Suez, motivo de uma invasão de seu país pela Grã-Bretanha e pela França, com a ajuda de Israel, que tomou a Península do Sinai, enquanto os outros dois países atacavam os campos de aviação, praticamente destruindo a Força Aérea Egípcia. A nacionalização de Suez foi anunciada cinco dias depois do cancelamento de um empréstimo conjunto dos Estados Unidos (que desaprovaram a invasão) e da Grã-Bretanha para a construção da Grande Represa de Assuã. Nasser perdeu o empréstimo e a guerra, mas ganhou prestigio político. Seu grande sonho era reunir os países árabes sob um único governo. Em 1º de fevereiro de 1958, tal sonho parecia a caminho de se concretizar, com a formação da Republica Árabe Unida (RAU), composta por Egito e Síria. Durou apenas três anos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

A menina negra na escola branca

Desde 1896, a segregação racial nos Estados Unidos estava amparada numa decisão da Suprema Corte que, interpretando enviesadamente a Constituição, admitia escolas, hospitais, banheiros e bebedouros "separados porém iguais" para brancos e negros. Em 17 de maio de 1954, contudo, a mesma Suprema Corte desamparou os racistas do sul do país ao decidir, no processo "Brown contra o Conselho de Educação de Topeka", que a segregação nas escolas públicas era inconstitucional.

O primeiro passo para essa vitória foi dado em 1952, quando a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP, Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor) pediu para a Suprema Corte revisão de processos que haviam sido rejeitados em tribunais inferiores. Os cinco casos foram agrupados coletivamente e o processo foi batizado com o sobrenome do primeiro a ser apresentado: Brown—da família de uma menina negra de 11 anos, Linda, que pleiteava o direito de matricular a filha numa escola pública para brancos perto de sua casa, na cidade de Topeka, estado de Kansas.

Sensibilizado pelos argumentos do advogado da NAACP, Thurgood Marshall—futuro juiz da Suprema Corte—o então presidente do tribunal, Earl Warren. escreveu em seu veredicto que "instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais". Em seguida, determinou-se que a "desagregação" deveria ser implementada já em 1955. A decisão era um marco, mas não seria imediatamente acatada por todos. Nos estados sulistas— aqueles que haviam enfrentado a União durante a Guerra Civil para manter seu estilo de vida, fundado no latifúndio e na escravidão negra—a reação foi rápida e pouco sutil. "E um mero pedaço de papel", declarou o governador da Geórgia, Herman Talmadge. "O Sul não ira nem agüentar nem obedecer a essa decisão legislativa de uma corte política", fez coro um senador pelo Mississipi. "Nós teremos segregação, não importa o que a Suprema Corte determine", foi ainda mais fundo um candidato a governador da Geórgia, Tom Linder.

A decisão da Suprema Corte em favor de Linda Brown deu início a um processo que mexeria com a vida de aproximadamente 11 milhões de estudantes dos estados sulistas: 8,5 milhões de brancos e 2,5 milhões de negros. Mas a vitória judicial ainda levaria muito tempo e geraria confrontos até ser implantada de fato. Em 1957, por exemplo, tropas federais foram enviadas ao estado sulista de Arkansas para garantir o acesso de estudantes negros ao colégio, antes exclusivamente para brancos, no qual estavam matriculados. Até 1964, quando foi aprovada a Lei dos Direitos Civis, a porcentagem de negros em escolas integradas nos estados do sul dos Estados Unidos ainda era de apenas 1%.

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

Hungria encontra derrota impossível

Passados 16 anos desde a primeira Copa da França, a de 1938, o campeonato mundial de futebol voltou a ser disputado num pais europeu. O escolhido foi a Suíça, neutra durante a guerra e, por isso, com mais condições de sediar a quinta Copa do Mundo. A grande favorita era a Hungria, campeã olímpica de 1952 nos Jogos de Helsinque. Vice campeão na disputa anterior, o Brasil pela primeira vez disputara eliminatórias. Para os uruguaios e italianos, campeões das quatro disputas anteriores, era a oportunidade de conquistar o titulo pela terceira vez e ficar definitivamente com a Taça Jules Rimet.

Seria uma Copa inesquecível para Brasil, Hungria e também Alemanha. No caso do Brasil, vergonhosamente recordada. Na estreia, a seleção brasileira goleou os Estados Unidos por 5 a 0; no segundo jogo, derrotou o México por placar pouco menor: 4 a 0. A partida seguinte foi contra a Iugoslávia e um empate classificaria os dois. Incrivelmente, os brasileiros não sabiam disso. Acreditavam ser preciso vencer. Com 1 a 1 no placar, corriam desesperadamente em campo, sem entender os gestos dos iugoslavos, que pediam calma. Os jogadores saíram de campo chorando, por crerem que o Brasil estava desclassificado.

Nas quartas-de-final, contra a poderosa Hungria, sem o fantástico Puskas (83 gols em 84 jogos pela sua seleção, entre 1945 e 1956), o vexame foi maior. Aos sete minutos de jogo, os brasileiros perdiam de 2 a O e o placar final foi 4 a 2. Encerrada a partida, começou a "Batalha de Berna": a briga entre as duas delegações foi do campo aos vestiários. Zezé Moreira bateu com uma chutaria no rosto do ministro dos Esportes húngaro e um repórter brasileiro deu uma rasteira num guarda suíço.

As semifinais puseram a Hungria frente ao Uruguai, que viu ruir o sonho de ganhar a terceira Copa, com a derrota por 4 a 2, a primeira sofrida por sua seleção em campeonatos mundiais. Os italianos já haviam sido eliminados pelos suíços e também não poderiam mais obter a posse definitiva da Jules Rimet. Na outra semifinal, a Alemanha ganhou da Áustria por 6 a 1. A final reuniria Hungria e Alemanha, com amplo favoritismo para a primeira.

Aos 8 minutos da partida de 4 de julho de 1954, a Hungria vencia por 2 a 0 e parecia confirmar sua condição de melhor seleção do mundo—como não venceria se já havia goleado a própria Alemanha por 8 a 3 numa fase anterior da competição, quando a derrota não era eliminatória? No entanto, aos 18 minutos, o placar já marcava 2 a 2. E, ao fim da partida, a Alemanha levava a taça, com uma vitória por 3 a 2. De 1950 a 1956, a Hungria não perdeu nenhuma partida—exceto aquela, que não poderia ter perdido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

A metalingüística fábula de Hitch

"Ali eu tinha a possibilidade de fazer um filme puramente cinematográfico", declarou, muitos anos depois de concluir "Janela indiscreta", o cineasta inglês Alfred Hitchcock a um privilegiado critico e admirador, o colega francês Francois Truffaut. "Você tem o homem imóvel que olha para fora, esse e o primeiro trecho do filme. O segundo trecho faz aparecer aquilo que ele vê, e o terceiro mostra a reação dele. Isso representa a mais pura expressão da idéia cinematográfica."

"Janela indiscreta" é precisamente isso. Narra, com rara elegância, as peripécias vividas justamente por um profissional do olhar, o fotógrafo Jeff (James Stewart), sem sair de sua cadeira de rodas. Ele esta em casa, imobilizado por uma fratura. Sem nada para fazer, usa as lentes teleobjetivas de seu instrumento de trabalho para bisbilhotar a vida dos vizinhos. Jeff mora num apartamento de fundos ("Rear window", ou "Janela dos fundos", e o título original do filme). de onde vê os fundos de outro prédio: numa das janelas esta em cartaz permanente uma animada e provocante dançarina mas, noutra, e possível que um sujeito esquisitão tenha assassinado a mulher, no preciso momento em que os olhos do fotógrafo temporariamente entrevado fraquejaram.

Para aumentar a carga de voyeurismo implícito e explícito, a namorada de Jeff e interpretada por Grace Kelly, uma das atrizes mais lindas da História. Mas isso não é tudo: o filme vai muito além de registrar os anseios de um voyeur, por mais que muitos críticos, na época, tenham tentado reduzi-lo a tanto. Cotado para conquistar o Oscar de 1954, "Janela indiscreta", recheado de talentos, indagações e soluções que entraram para a história do cinema, perdeu para o convencional "Sindicato de ladroes", de Elia Kazan, estrelado por um então emergente Marlon Brando.

Para não deixar duvidas quanto a escandalosa injustiça, a magnifica fotografia de Robert Burks, quase um personagem do filme de Hitchcock, também deixou de ser premiada no Oscar. O prêmio de melhor fotografia colorida foi para Milton Krasner, de "A fonte dos desejos" (Boris Kaufman, de "Sindicato de ladroes", levou o de melhor fotografia em preto e branco). O filme de Kazan levou ainda as estatuetas de melhor diretor, ator (Brando), atriz coadjuvante, história & roteiro, montagem e direção de arte. Grace Kelly levou o Oscar naquele ano—mas não por "Janela indiscreta", e sim por "Amar e sofrer".

O gênio de Hitchcock demoraria a ser plenamente reconhecido. Quando enfim viesse, a consagração começaria, sintomaticamente, pela Europa.

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

O avião que levou o século nas costas

O dia era 15 de julho de 1954. O avião, o protótipo 367-80, destinado tanto ao transporte de passageiros (sob o nome 707) quanto de combustível (Dash 80). Os pilotos, A.M. "Tex" Johnston e R.L. "Dix" Loesch. Durante as duas décadas seguintes o avião fabricado em Seattle, estado de Washington, noroeste dos Estados Unidos, deu o norte do transporte a jato de passageiros, sendo superado mais tarde somente pelo seu irmão mais novo e robusto, o Boeing 747 Jumbo.

O 707 era um jato de quatro turbinas, capaz de voar com apenas uma delas, com cerca de 180 passageiros a bordo, em percursos de mais de 12 horas, a 80% da velocidade do som. Apesar do seu tamanho , era extremamente ágil. Em 7 de agosto de 1955, durante uma feira aeronáutica em Seattle, o próprio Johnston girou-o duas vezes sobre o próprio eixo, numa manobra arrojada, conhecida como "tunneau" em francês e "barrel rolling" em inglês. Naquele mesmo ano em outubro, a Panam encomendou os seus 20 primeiros 707. Entre 1957 e 1992, 855 Boeings 707 foram vendidos.

William E. Boeing começara a montar sua fabrica de aviões em 1910, comprando um estaleiro a margem do Rio Duwamish. Mais tarde, em 9 de maio de 1917, Boeing mudou o nome da Pacific Aero Products—que comprara no ano anterior—para Boeing Airplane Company. Os caças de treinamento (Modelo C) e patrulha (HS-2L) da Boeing chegaram muito tarde para participar da Primeira Guerra Mundial. Mas, no final de 1919, o primeiro avião comercial da fabrica, o hidroavião B-1, capaz de voar com um piloto, dois passageiros, bagagens e correio, fez seu primeiro vôo. Teria uma descendência extremamente ilustre.

Nos anos 20, os aviões militares da Boeing foram entregues em grandes quantidades a Marinha e à Força Aérea americanas. Durante a Segunda Guerra e depois dela, a supremacia aérea dos Estados Unidos baseou-se nos bombardeiros B-17, B-24, B-29 (que lançou a bomba atômica sobre Hiroshima), B49, no temível B-52 (utilizado até hoje), no chamado "avião invisível" B-2, e, sobretudo, no míssil intercontinental Minuteman. O míssil, por sinal, não foi a única incursão da fabrica espaço afora.

A Boeing participou da conquista espacial com, entre outros produtos, os satélites Lunar Orbiter, que fotografaram a Lua entre 1966 e 1967, pesquisando quais os possíveis pontos de alunissagem; com o primeiro estagio do foguete Saturno V, que, entre outras coisas, conduziu Neil Armstrong e seus colegas para a histórica primeira caminhada na Lua, em 1969; e com os Boeings 747 "Jumbo" adaptados que carregavam nas costas os primeiros ônibus espaciais, já na década de 80.

William E. Boeing se afastou da fábrica que popularizou seu sobrenome em 1934, ano em que os Estados Unidos promulgaram a legislação antitruste. Morreria a bordo de seu iate, "Taconite", em 28 de setembro de 1956.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1954

Gênio político brilha até o fim

"Mais uma vez, as forcas e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam contra mim. (...) Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." Entre essas duas frases, outras 38 compunham a carta-testamento do presidente trabalhista Getúlio Dornelles Vargas, a mais impressionante peca da literatura política brasileira. Graças a ela—e a bala que meteu no peito pouco antes das 8h30m do dia 24 de agosto de 1954—um Vargas acuado e solitário derrotou, num golpe de mestre, sua legião de inimigos.

Na véspera, ninguém no Brasil era mais execrado do que ele. Presidente revolucionário em 1930 e ditador durante o Estado Novo, de 1937 a 1945, quando foi forcado pelos militares a renunciar, ele voltara ao Palácio do Catete em 1950, montado na imagem de "pai dos pobres" e numa folgada margem de votos. Naquele agosto de 1954, porém, vivia um caótico fim de mandato quando, as denúncias de corrupção, favorecimento e desmando, veio se somar um assassinato.

O alvo do atentado era o jornalista Carlos Lacerda, líder udenista que sempre tinha contestado, com virulência, a legitimidade de Vargas. Chegara a escrever em sua "Tribuna da Imprensa", já no dia 1° de junho de 1950, três meses antes das eleições: "(Vargas) não deve ser candidato a presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer a revolução para impedi-lo de governar".

Em 5 de agosto de 1954, finalmente, a conspiração de direita contra Vargas, com acentuada participação de jovens oficiais da Aeronáutica, obteve seu grande trunfo. A mando de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente e seu homem de confiança desde o Estado Novo, três pistoleiros tentaram matar Lacerda a tiros na Rua Tonelero, em Copacabana. O jornalista foi ferido de leve no pé. Quem morreu foi um segurança dele, o major da Aeronáutica Rubens Vaz, logo transformado em mártir. Enfim, parecia se justificar a deposição imediata do presidente. "Este tiro e uma punhalada em minhas costas". disse Vargas, assim que soube do atentado.

Na noite de 23 de agosto, sua queda era dada como fato consumado. Nas ruas do Rio, capital da República, manifestantes atacavam jornais e agremiações getulistas. A invasão do Palácio do Catete parecia iminente. A chefia militar anunciava a Vargas que já não podia garantir sua segurança. Na manha seguinte, sozinho em seu quarto, o presidente se matou.

A reviravolta política que se seguiu não encontra paralelo na História do Brasil. As palavras da carta-testamento eram repetidas sem trégua pelas emissoras de rádio: "Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. (...) Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém (...)." Nas ruas, os manifestantes corrigiram imediatamente o alvo de sua ira, atacando jornais de oposição e apedrejando a embaixada americana. Getúlio Vargas havia vencido.

Fonte: O Globo - Texto integral