Em 1950 as principais manchetes foram estas:

Nos fundos de uma lavanderia nasce o cool jazz

URSS, EUA e os peões amarelos

Montado cenário para nova guerra

O ‘Teto do Mundo' nas mãos de Mao

Histeria, falta de caráter e... fama!

Os mistérios de Charlie Brown
Ionesco, o mestre das palavras vãs

O épico ufanista que virou tragédia

O velhinho volta nos braços do povo
O primeiro entre os telepastores

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1950

Nos fundos de uma lavanderia nasce o cool jazz

O mundo testemunhou profundas mudanças no final da metade do século. Com o termino da Segunda Guerra, em agosto de 1945, as nações tentavam recuperar o tempo perdido com a chega da da tão ansiada paz. A árdua reconstrução acelerou o processo em busca de novas idéias e novas tendências em quase todos os setores: na economia, na política, nos hábitos dos povos e nas artes, especialmente na musica.

O jazz, particularmente, conheceu mudanças radicais nesse período. No inicio dos anos 40, enquanto o mundo estava em guerra, um grupo de músicos jovens reunia-se em clubes do Harlem, em Nova York, desenvolvendo novas formas de improvisação por meio das renovações harmônicas, melódicas e rítmicas que germinaram o estilo bebop. Esse grupo teve em Dizzy Gillespie, Thelonious Monk, Kenny Clarke, Charlie Christian e Charlie Parker alguns dos seus pioneiros. Três meses antes de a Segunda Guerra terminar, eram perpetuadas as primeiras gravações bebop, com a união de Dizzy Gillespie e Charlie Parker, os principais criadores do estilo revolucionário que gerou o jazz moderno.

Parker organizou o seu quinteto em 1947, no qual despontou o trompetista Miles Davis, que participaria ativamente de outros movi mentos renovadores do jazz. Os dois anos com Parker projetaram Miles, que buscava encontrar sua personalidade musical.

O movimento bebop foi o mais importante dos anos 40, mas não foi o único. Enquanto triunfava a influencia de Gillespie e Parker, outra tendência tomou forma e substancia por intermédio de uma concepção original de músicos mais jovens do que eles, cuja maneira de tocar originou o estilo cool jazz.

Tudo começou em 1948, quando Miles conheceu Gil Evans, compositor e arranjador que trabalhava para a orquestra de Claude Thornhill. Esse encontro iniciou uma das mais frutíferas associações do jazz, que se cristalizou a partir da criação do cool jazz. A orquestra de Thornhill despertou a atenção dos músicos porque incluía trompa e tuba, dando a sonoridade coletiva uma beleza e suavidade que a distinguia das demais. Miles admirava o trabalho de Evans, responsável, em parte, pelas inovações sonoras da banda de Thornhill. Miles buscava para os pequenos conjuntos uma replica do som da orquestra de Thornhill, em que a combinação dos instrumentos resultasse numa uniformidade estética sonora mais agradável, mais maleável, com menos vibrato, sem abusar dos agudos, rejeitando o expressionismo hot, em contraposição aos sons frenéticos do bebop. No cool jazz, ao contrario do bebop, os uníssonos predominam sobre os solos, que sempre ficam subordinados a orquestração.

A verdade e que, mesmo inconscientemente, Miles antecipara suas idéias nos solos de "Embraceable you", "Don't blame me" e "My old flame", gravados com o quinteto de Parker, em 1947. Sem que os críticos se dessem conta, nesses três solos apareciam, pela primeira vez em disco, as características essenciais do cool jazz.

Depois de trocarem idéias, Miles e Evans convocaram outros músicos que se identificavam com eles: entre outros, os saxofonistas Gerry Mulligan e Lee Konitz, o compositor Johnny Carisi, o tubista Bill Barber, o baixista Joe Schulman, o baterista Max Roach e o pianista John Lewis. Eles reuniam-se no porão onde morava Evans, nos fundos de uma lavanderia. Decididos a levar adiante o projeto, organizaram um noneto experimental para testar as possibilidades do grupo. Logo depois, em setembro de 1948, com o apoio do empresário Monte Kay, o conjunto tocou duas semanas no clube Royal Roost. Dessas apresentações, restaram documentadas algumas gravações piratas.

Ainda em 1948, Miles foi contratado pela Capitol para gravar o seu noneto. As gravações, supervisionadas pelo compositor e arranjador Pete Rugolo, foram realizadas em três sessões, com algumas modificações entre os músicos, mas tendo Miles, Mulligan (sax-barítono) e Konitz (sax-alto) como elementos fixos. Max Roach e Kenny Clarke revezaram-se na bateria; Al Haig e John Lewis, no piano; Nelson Boyd e Al McKibbon, no baixo; Gunther Schuller e Junior Collins, na trompa; J.J. Johnson e Kai Winding, no trombone. Curiosamente, alem do próprio Miles, Roach, Clarke, Haig, Lewis, Johnson e Winding eram nomes exponenciais do bebop.

Nas três sessões, realizadas em 21 de janeiro e 22 de abril de 1949, e 2 de marco de 1950, foram gravados 12 temas. Ao serem editados em disco long-play' foram batizados de "The birth of the cool" por Rugolo. Uma curiosidade do repertório e que "Budo", de Bud Powell, "Move", de Denzil Best, e "Godchild", de George Wallington, são composições bebop. "Israel", de Carisi, com sua intrincada polifonia e um contraponto elaborado entre os instrumentos de timbres grave e agudo, e um blues cujas harmonias alteradas ate hoje intrigam os músicos de jazz. "Rouge", de Lewis, que abriga um solo surpreendente de Konitz, e "Jeru", de Mulligan, são interpretações ebulientes e, exceto por certas passagens coletivas, com mínimos elementos cool—embora também guardem distancia dos audaciosos arabescos bebop.

Nestas sessões que abriram novas dimensões, o cool jazz esta representado, em toda sua grandeza, por "Venus de Milo", "Moon dreams" e "Boplicity", obras-primas da escrita orquestral que definem suas linhas mestras: charme melódico, delicadeza de texturas e pureza estética raramente ouvida no jazz. A fórmula define fielmente a atmosfera da musica, eliminando quaisquer vínculos com o jazz que o antecedeu.

"Moon dreams" e executado totalmente em uníssono; mesmo as intervenções de quatro compassos de Konitz e Mulligan são partes integrantes do arranjo. "Venus de Milo" segue quase os mesmos padrões, mas e levado num andamento mais vivo, com duas passagens de Mulligan em solo. "Boplicity" talvez seja a faixa cool por excelência, com o trompete de Miles absolutamente integrado ao conjunto soberbamente arranjado por Evans; as duas intervenções de Miles sugerem o desenho melódico do tema, com idéias que poderiam ser desenvolvidas em novas composições. Ainda que nada mais houvesse feito em sua carreira, seria suficiente "Boplicity" para garantir a Gil Evans um lugar entre os maiores arranjadores do jazz. A sessão foi completada por uma versão insípida de "Darn that dream", cantada por Pancho Hagood, que, inteiramente deslocada do contexto, foi editada unicamente com o objetivo de apresentar a sessão completa em disco.

"The birth of the cool" produziu frutos, servindo de modelos para Shorty Rogers e para o próprio Mulligan gravarem seus arranjos com instrumentação similar a do noneto de Miles Davis. A sessão de Rogers, para a Capitol, influenciou toda uma geração de músicos da Califórnia, originando o movimento West Coast jazz, uma derivação dos princípios estabelecidos por Davis e Evans. As 12 gravações da serie "The birth of the cool" deixaram sua marca indelével, implantando uma forma de tocar cuja influencia deu novos rumos ao jazz da segunda metade do século XX.

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

URSS, EUA e os peões amarelos

A Segunda Guerra Mundial ainda estava longe do fim quando novos conflitos começaram a se desenhar. Em 1943, no Cairo, Estados Unidos, Grã-Bretanha e China tinham decidido que a Coréia, ocupada desde 1910 pelos japoneses, seria provisoriamente dividida, na linha do paralelo 38, ate a expulsão dos invasores. Posteriormente, os soviéticos subscreveram a Declaração do Cairo. Mas, em 1947, os EUA transferiram para a ONU o problema da Coréia, que já ocupava posição relevante em seus embates com a URSS, naqueles primórdios da Guerra Fria. O resultado foi a criação de dois estados independentes.

Na ONU, a maioria dos países era favorável a eleições nos dois países, mas a União Soviética se opôs, temendo a manipulação dos votos. No Sul, com capital em Seul, houve eleições em agosto de 1948, com a escolha de Syngman Rhee para presidir a Republica da Coréia. Em setembro, criou-se ao Norte, com a capital em Pyongyang, a República Popular da Coréia, tendo como primeiro-ministro o antigo líder guerrilheiro Kim II Sung.

Os dois lados reivindicavam jurisdição sobre todo o pais e logo começaram combates esporádicos ao longo do paralelo 38. Por considerarem a Coréia do Sul de importância secundaria, os EUA retiraram suas tropas do pais em 1949. Temia-se, também, que um confronto com o bloco socialista gerasse um conflito global. O secretario de Estado americano, Dean Acheson, dissera ser improvável uma invasão do Norte. Na madrugada de 25 de junho de 1950, porem os norte-coreanos—armados pelos soviéticos—cruzaram o paralelo com sete divisões de infantaria e uma blindada. No dia 28, tinham capturado Seul e prosseguiam para o Sul, rumo a Pusan e Taejon.

A essa altura a ONU já havia reunido seu Conselho de Segurança (com a ausência voluntária e eloqüente da URSS) e decidido, pela primeira vez, adotar uma ação de policia". Em 1º de julho, desembarcaram no Sul as primeiras tropas americanas. Mais 14 países entrariam na luta (os EUA pediram ajuda brasileira, mas não aceitaram as condições impostas por Getúlio Vargas), mas a polarização, embora não-declarada, era mesmo entre americanos e soviéticos. Em setembro de 1950, o general americano Douglas MacArthur, herói da Segunda Guerra, fez uma manobra ousada e desembarcou tropas em Inchon, atras das linhas inimigas. Assim, retomou Seul e iniciou o avanço para o norte, que chegaria ao Rio Yalu, na fronteira com a Manchúria.

Não seria tao fácil. Os comunistas ganharam o apoio de 300 mil soldados chineses. A luta recrudesceu e eles chegaram a retomar Seul. Em 23 de junho de 1951, a URSS propôs uma trégua e começou um impasse político, enquanto prosseguiam os combates. Em 1953, para forçar o fim da guerra, o recém-eleito presidente americano Dwight Eisenhower ameaçou usar armas atômicas (possibilidade também cogitada por seu antecessor, Harry Truman) contra objetivos na Manchuria. No mesmo ano, em 27 de julho, assinou-se o armistício, em Panmunjom. Custo estimado da guerra: quatro milhões de vidas, inclusive as de dois milhões de civis sul e norte coreanos. Tudo para pouco ou nenhum efeito: a Coréia permaneceu dividida em dois países.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

Montado cenário para nova guerra

Até 1950 o Governo americano desaprovava a política colonialista francesa no Vietnã e chegou a ajudar, com armas e suprimentos, as forcas guerrilheiras do Vietminh—o movimento que queria acabar com o domínio da Franca na região. Mas quando os revolucionários tomaram o Vietnã do Norte e o Governo do líder Ho Chi Minh foi reconhecido pela União Soviética (e mais oito países do bloco comunista), os EUA trataram de apoiar os estados associados da união francesa, no Vietnã do Sul—incluindo Laos e Camboja—, comandados pelo antigo imperador vietnamita Bao Dai, em Saigon. Com isso, em 7 de fevereiro de 1950, o Vietnã se partiu em dois.

Com medo da disseminação do comunismo na região os EUA inauguraram talvez a mais desastrosa e dramática ação internacional da história do pais. Um dos principais arquitetos da política americana no Vietnã, o secretario de Estado Dean Acheson autorizou ajuda militar de US$ 15 milhões a Franca na luta contra o Vietminh (no final de 1950, ela subiu para US$ 133 milhões).

Os revolucionários de Ho Chi Minh, por seu lado, eram auxiliados pela União Soviética e pela China. A luta dos vietnamitas contra o domínio francês ganhara forca com o triunfo da Revolução Chinesa em 1949. Em 1950, o Vietminh passou a controlar a região próxima a fronteira chinesa, conquistando com isto a retaguarda inviolável do pais vizinho. Ali os guerrilheiros dispunham de locais de treinamento, eram armados e assistidos. Suas táticas estavam levando a melhor.

Persuadido pelos franceses a voltar ao Vietnã e formar um governo aliado as potências capitalistas, em troca da independência nacional, o antigo imperador Bao Dai aceitou a proposta. Mas a demora da Franca em conceder a independência frustrou os nacionalistas e levou Bao Dai a concluir que tinha sido enganado. Por isto, decidiu não mais ajudar os colonizadores a derrotar seus compatriotas. Mesmo com a ajuda econômica e militar dos EUA, o fracasso dos nacionalistas era iminente. Quando, em 1952 morreu de câncer o comandante militar francês na região—Jean de Lattre de Tassigny, um herói das duas grandes guerras, que vinha conseguindo ganhar batalhas importantes—os vietminhs já controlavam dois terços do pais. O cenário estava montado para a derrota final, em Dien Bien Phu, em maio de 1954, e o aprofundamento dos compromissos americanos na região—um atoleiro do qual o pais passaria muitos anos tentando sair.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

O ‘Teto do Mundo' nas mãos de Mao

A "libertação pacifica" do Tibete por 20 mil soldados da Republica Popular da China, em outubro de 1950, não foi tao pacifica, nem era uma libertação, a não ser na lógica do regime comunista recém-instalado por Mao Tse-Tung, para quem o pais vizinho era dominado pelos interesses imperialistas internacionais. A invasão provocou protestos do governo de Lhasa, sob a alegação de que o pais já era livre, mas a resistência limitou-se a diatribes: as tropas da China que dominara o Tibete do século XVIII ate 1912, encontraram pouca oposição militar. Em 1951, tibetanos e chineses assinariam um acordo de anexação nos termos ditados pelo invasor.

O Tibete deixara de ser chines quando a dinastia Manchu entrou em colapso, após a revolução de 1911. Aproveitando a oportunidade, os tibetanos expulsaram todos os chineses e pediram apoio a Grã-Bretanha. Foi então assinado um tratado tripartite, cuja validade a China, mais tarde, não reconheceria. Não era a primeira vez que isso ocorria: um tratado gravado em pedra diante do Jokhang, o mais sagrado dos templos budistas do Tibete, estabelece o respeito mutuo e eterno pelas fronteiras. O monumento foi erguido no ano de 821.

Em 1931 já haviam ocorrido alguns embates esporádicos, mas o Tibete manteve-se independente, embora sob influencia inglesa. Naquele ano, os comunistas chineses ainda não tinham assumido o poder. Os nacionalistas, porem, já reivindicavam a posse do montanhoso território tibetano, de 1,2 milhão de quilômetros quadrados onde um em cada seis homens e monge budista. Alegavam ter direitos adquiridos sobre a região ha mais de oito séculos.

Durante a invasão de 1950 o Dalai Lama líder político e religioso do pais, então com apenas 14 anos, pediu apoio, inutilmente, a Grã-Bretanha e a Índia. As Nações Unidas também ignoraram seus apelos. O tratado assinado com a China em 1951 garantiu autonomia política, liberdade religiosa e respeito as tradições culturais do Tibete, mas, ao mesmo tempo, previa a instalação de estabelecimentos civis e militares chineses no pais. Vários protestos nacionalistas começaram a ocorrer esporadicamente mas ainda levaria oito anos ate que a revolta contra a dominação se transformasse em ação organizada.

Em 1959, finalmente, explodiria a revolta contra o domínio chines no chamado "Teto do Mundo" (por causa da altitude media de 4.000 metros). A repressão tornou-se um modelo de violência provocando a morte de 17 mil tibetanos e o refugio de pelo menos 70 mil na Índia, no Nepal e em outros países. Foi quando o 14° Dalai Lama, Tenzin Gyatso, que ganharia o Prêmio Nobel da Paz em 1989, passou a viver em exílio na Índia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

Histeria, falta de caráter e... fama!

No inicio do ano de 1950, o senador Joseph Raymond McCarthy, ate então um típico político conservador do Wisconsin, famoso por ser presa fácil dos lobistas que atuavam nos corredores do Congresso dos Estados Unidos percebeu que esse tipo de política podia Ihe garantir um futuro tranqüilo, mas dificilmente Ihe daria um novo mandato nas eleições de 1952. Foi por essa razão que reuniu amigos e colaboradores na noite de 7 de janeiro de 1950 no restaurante Colony, em Washington. Tinha esperança de que, durante esse encontro, alguém Ihe sugerisse uma causa pela qual valesse a pena lutar e que, ao mesmo tempo, atraísse votos para a sua candidatura.

O anticomunismo Ihe foi sugerido pelo reverendo Edmund H. Walsh que acompanhava o rumoroso caso Alger Hiss—um antigo membro do Governo Roosevelt acusado de ter pertencido ao Partido Comunista na década de 1930, quando teria passado documentos sigilosos para agentes soviéticos. Hiss era o peixe mais graúdo capturado pelo Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso, que já estava funcionando desde 1938 e que havia se voltado contra Hollywood em 1947. Em 1950, havia ainda a histeria provocada pela bomba atômica russa e pela vitória comunista na China. O momento não podia ser mais propicio e McCarthy tratou de arregaçar as mangas.

O senador fez seu primeiro discurso em prol da nova causa em 9 de fevereiro no Clube das Mulheres Republicanas, na Virgínia Ocidental. "Tenho em minhas mãos uma lista de 205 pessoas que trabalham para o Governo e que são militantes ou simpatizantes do Partido Comunista", vociferou. Jamais conseguiria provar suas acusações, mas ganhou com elas as manchetes de todos os jornais do pais, tornando-se uma celebridade da noite para o dia. Começava um dos períodos mais reacionários da história política dos EUA, o macarthismo, ápice da histeria anticomunista. Nesse período, McCarthy conseguiu ate mesmo inverter a consagrada máxima, segunda a qual todo suspeito e inocente ate prova em contrario. Durante os quatro anos de seu governo paralelo, todo suspeito de ser comunista ou simpatizante era culpado ate prova em contrario.

Até a sua queda, por conduta imprópria as tradições do Senado, em 1954, McCarthy se valeu da omissão da classe política, do sensacionalismo da imprensa e da franca simpatia da população, ela mesma tomada pela histeria anticomunista para delatar, intimidar, chantagear, subornar e falsificar documentos, muitas vezes com a cumplicidade do FBI. Sua maior vitima foi a industria cinematográfica, que rendia manchetes mais suculentas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

Os mistérios de Charlie Brown

O estrondoso sucesso de "Peanuts", a tirinha estrelada por Charlie Brown e seu cachorro Snoopy, e um enigma. Não tanto pela precariedade do traço—que na estreia, em 2 de outubro de 1950, era ainda mais sujo e limitado do que hoje, o que se explica facilmente pelo fato de Charles Schulz, o autor, ter tirado diploma de desenhista num curso por correspondência. O que torna "Peanuts" um fenômeno muito curioso e que todos os seus personagens sejam neuróticos as voltas com sonhos fracassados, numa espécie de negativo da auto-imagem que os americanos cultivam. E como se o publico, por algum mecanismo insondável, tivesse dado a Charlie Brown e sua turma—e só a eles—licença para desmascarar todas as suas ilusões.

"Felicidade jamais criou humor. Não ha nada engraçado em ser feliz", disse certa vez, tentando explicar o sucesso, o desenhista nascido em Minneápolis e transformado em celebridade por Charlie Brown, Lucy, Linus, Schroeder e o beagle Snoopy. A serie deveria ter se chamado "'Li'l Foks" (algo como "Gente pequena"), mas o poderoso sindicato United Features, ao fechar com Schulz um contrato de distribuição, impôs o titulo "Peanuts", inspirado num programa de sucesso da TV.

Quando os personagens de "Peanuts" foram escolhidos como símbolo da expedição espacial Apollo X no fim dos anos 60, já estavam presentes em pecas publicitarias, desenhos animados e toda espécie imaginável de produto de consumo. No inicio dos anos 90, as tiras eram traduzidas em duas dúzias de idiomas e reproduzidas em mais de dois mil jornais pelo mundo—uma penetração comparável à dos personagens de Walt Disney.

Alguns críticos acusam Charlie Brown e seus amigos de serem falsas crianças, na verdade adultos em miniatura, com preocupações e tiradas que não pertencem ao mundo infantil. Faz sentido, mas não consta que Schulz, a essa altura milionário, esteja muito magoado com tais observações. Trafegando entre o melancólico, o lírico, o filosófico e o irônico, o tom das tiras de Charlie Brown e o de uma reflexão poética sobre a vida, com seus sonhos sempre mais ambiciosos do que nossa capacidade de realiza-los.

Uma história real ilustra bem a cabeça de Schulz. Charlie Brown tenta permanentemente organizar com sua turma um time de beisebol que o conduza ao destino de treinador campeão. Seu time perdeu, certa vez, de 40 a 0, placar que deixou indignados muitos leitores americanos, fanáticos pelo esporte. Uma enxurrada de cartas endereçadas a Charles Schulz argumentava que um placar como esse era impossível. O autor respondeu que, lamentavelmente, seu próprio time, no ginásio, fora derrotado por essa contagem. E aproveitou para declarar, a maneira de Gustave Flaubert sobre "Madame Bovary", que Charlie Brown era ele mesmo. Ou seja: um adulto.

 

 

1950

Ionesco, o mestre das palavras vãs

O romeno naturalizado francês Eugene Ionesco não achava apropriado chamar de "teatro do absurdo" a dramaturgia que começou a construir em 1950, com a "A cantora careca". Preferia que o nome fosse "teatro da derrisão", pois um riso irônico percorre toda a obra que o tornou um dos grandes dramaturgos do século, para muitos no mesmo patamar de Samuel Beckett, seu contemporâneo.

O absurdo, contudo e mesmo uma constante nas situações criadas por Ionesco para representar o vazio colossal em que se desenvolve a maioria das relações humanas. "A cantora careca", contava, começou a nascer quando em 1948, aos 36 anos, ele se empenhava em estudar inglês num livro em que dois casais, os Martin e os Smith, trocavam as banalidades habituais em tais livros.

As frases e os dois casais entram em cena na peca, apenas em outro contexto—um espera a visita do outro—e o que se segue e uma hilariante torrente de não comunicação, de palavras que nada significam. Após a estreia, no Teatro Noctambules, em Paris, "A cantora careca" tornou-se uma das pecas modernas mais encenadas no mundo, e Ionesco, uma celebridade.

O prestigio intelectual e artístico de Ionesco iria perdurar por toda a década de 50. Em inúmeras entrevistas, gostava de reafirmar que o realismo, sinônimo de tédio, leva a morte da imaginação criadora. Por isso, detestava Bertold Brecht e criticava com certa violência os engajados Sartre e Camus. "Jack, ou a submissão", "As cadeiras" e, sobretudo, "Rinocerontes" foram algumas das outras farsas criadas por Ionesco após o sucesso da estreia.

Os anos 60 trouxeram um declínio do prestigio intelectual de Ionesco, embora a popularidade de suas peças continuasse em alta. "Descobrir a poesia da banalidade e dos clichês foi um dos achados de Ionesco, mas com o tempo isso também se tornou um lugar comum um chichê, enfim", observou o jornalista brasileiro Sérgio Augusto no necrológio que escreveu para o autor, morto em 28 de marco de 1994. Como exemplo, no filme "Acossado", já em 1959 Jean-Luc Godard punha em cena um dramaturgo blasé chamado Parvulesco, que só dizia platitudes.

A melhor replica a tese de independência absoluta da arte tão cara a Ionesco, foi do genial Orson Welles. Dirigindo Laurence Olivier numa montagem de "Rincerontes" em Londres ele discursou: "Não é a política a inimiga suprema da arte: e a neutralidade, que nos priva do sentido da tragédia. A neutralidade e uma posição política como outra qualquer, e inúmeros são os confrades do Sr. Ionesco que puderam meditar sobre suas conseqüências na única torre de marfim verdadeira que nosso século erigiu: o campo de concentração. "

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

O épico ufanista que virou tragédia

Em 1950 o futebol brasileiro ainda não tinha a expressão internacional do uruguaio, campeão olímpico e mundial, nem do argentino. Mas a primeira Copa do Mundo do pós-guerra, a ser disputada justamente no Brasil, mudaria isso, acreditava-se. Se já não contava com Leônidas da Silva, astro da Copa anterior, de 1938, o pais vira surgir uma geração mais coesa: Zizinho, Ademir, Danilo, Jair da Rosa Pinto e, acima de todos, Heleno de Freitas, que desbancara Leônidas no coração da torcida.

A construção do Maracanã—ate hoje, mesmo depois das reformas que diminuíram sua capacidade, o maior estádio do mundo—com capacidade para quase 200 mil pessoas, era o símbolo do investimento em busca da glória. O palco estava montado um épico ufanista. Infelizmente, o que se seguiu foi uma tragédia. Em retrospectiva , pode-se ver a briga de Heleno com o técnico Flávio Costa como um mau pressagio. O craque temperamental fez as malas e foi jogar na Colômbia as vésperas da Copa. Mas a taxa nacional de otimismo não foi abalada.

Na estreia, o Brasil aplicou goleada de 4 a 0 no México. Foi só a primeira. Na fase de classificação, apenas a eliminação da Inglaterra pelo inexpressivo time dos Estados Unidos rivalizou com os espetáculos brasileiros no pasmo da critica internacional. Os classificados disputariam, pela primeira vez na história, um quadrangular, todos contra todos.

A tragédia, para ter maior impacto, fez-se preceder de um prólogo triunfal. Na primeira rodada do quadrangular, o Uruguai arrancou um empate dramático (2 a 2) com Espanha. O Brasil aniquilou a Suécia por 7 a 1. A segunda rodada foi parecida: os uruguaios venceram os suecos por 3 a 2 e os brasileiros, enquanto as arquibancadas do Maracanã entoavam a marchinha "Touradas de Madri", despacharam 'La Furia" espanhola com mais uma goleada: 6 a 1. O Brasil só precisava empatar com o Uruguai na final para ser campeão.

Houve festa desde a véspera e dela participaram, alem de oportunistas variados, os próprios jogadores. Na tarde de 16 de julho, o Maracanã estava lotado. Seguiu-se um jogo duro no qual os uruguaios, depois de tomarem 1 a 0 no inicio do segundo tempo, gol de Friaça. encheram-se de brios sob a liderança do capitão Obdulio Varela. Aos 20 minutos, empataram com Schiaffino. Aos 34, o ponta-direita Gigghia chutou no canto esquerdo, sem violência, e o goleiro Barbosa caiu atrasado. Obdulio contaria mais tarde, em suas memórias, que nem conseguiu comemorar com os companheiros: jamais vira uma dor coletiva tão arrasadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

O velhinho volta nos braços do povo

No dia 3 de outubro de 1950, consumou-se uma das mais espetaculares reviravoltas da história política brasileira: a consagradora vitória de Getúlio Vargas nas eleições para a presidência da Republica, com exatos 3.849.040 votos (48,7% do total). Pouco menos de cinco anos antes, ele tinha sido enxotado pelos militares do Palácio do Catete com a pecha de usurpador do poder, capaz de ameaçar o futuro democrático prometido para o pais com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e que seria esboçado pela Assembléia Nacional Constituinte de 1946.

A candidatura foi lançada no dia 19 de abril por amigos e correligionários que se reuniram para comemorar o 67° aniversario de Vargas em São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, onde ele se auto-exilara depois de pedir licença do Senado. "Levai-me convosco", foi a frase que usou para aceitar o desafio.

Getúlio Vargas era um hábil articulador político. Antes de anunciar oficialmente sua candidatura, cercou-se de todos os cuidados para ter certeza de que derrotaria o Brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN). A primeira providencia foi aproximar-se do governador Ademar de Barros, que, além de possuir uma poderosa máquina política no estado de São Paulo, poderia dividir os votos sensíveis ao discurso populista. Por outro lado, usou a influencia que tinha dentro do Partido Social Democrático (PSD) para as segurar o lançamento da candidatura do mineiro Christiano Machado, que, embora fosse capaz de atrair parte significativa do eleitorado conservador, naturalmente inclinado a votar na UDN, não tinha chance de vitória. Por fim. convidou o general Góis Monteiro para companheiro de chapa e, mesmo ouvindo uma recusa, recuperou o transito entre os militares e uma amizade abalada desde a deposição.

O primeiro comício foi feito em Porto Alegre, no dia 9 de agosto. Vieram em seguida 53 dias de campanha, durante os quais fez 80 discursos em todos os 20 estados da federação e no então Distrito Federal, com paradas em 54 cidades, além das capitais. Em cada um desses lugares, conseguia aliar uma proposta nacional—uma estratégia de desenvolvimento industrial e uma aguerrida defesa dos recursos naturais do pais—a um tema local: a borracha, no Amazonas; a seca, no Nordeste. O pai dos pobres estava de volta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1950

O primeiro entre os telepastores

O americano Billy Graham era um talentoso pregador batista de apenas 31 anos quando, em 1950, despontou para o estrelato multimídia com um programa de radio semanal chamado "Hour of decision" ("Hora de decisão"), que rapidamente tornou-se o mais bem-sucedido programa radiofônico religioso da História, com 15 milhões de ouvintes. Pouco tempo depois, Graham já havia construído um império de comunicação—uma revista, uma editora de livros e um circuito milionário de pregações pelo mundo—e abria caminho para o fenômeno dos comunicadores evangélicos que, nas ultimas décadas do século, ultrapassaria as fronteiras dos Estados Unidos para se espalhar pelo mundo inteiro.

A ascensão de Billy Graham contou com um empurrãozinho e tanto de William Randolph Hearst, o magnata dos jornais que tinha inspirado Orson Welles a criar seu "Cidadão Kane". Pregando em Los Angeles, Graham conseguira converter algumas pessoas famosas, entre elas um bandido celebre e um ex-herói olímpico. Isso, ao lado da aparência ostensivamente saudável do pastor, que sempre parecia ter acabado de tomar banho, chamou a atenção de Hearst para seu potencial como objeto de consumo de massa. Deu ordem a seus editores para encher a bola de Graham. Meses depois o pastor era uma celebridade nacional e estreava seu programa.

Hoje, "Hora de decisão" e retransmitido por mais de 900 emissoras em todo o mundo. Os especiais anuais de Graham na televisão têm, apenas nos Estados Unidos e no Canada, um público estimado em 60 milhões de espectadores. Nos jornais, ele publica a coluna "Minha resposta", com cinco milhões de leitores. A revista "Decisão", órgão oficial da Associação Evangelista Billy Graham, fundada em 1950, tem tiragem de 1,7 milhão de exemplares e circula em 160 países, o que a torna um dos maiores periódicos religiosos do mundo. Graham escreveu 18 livros, alguns dos quais grandes best-sellers: "Como nascer de novo" e "Anjos: agentes secretos de Deus", por exemplo. Tem também uma produtora de filmes, a World Wide Pictures.

Confessor de estrelas do show business e amigo de políticos importantes—como os presidentes Dwight Eisenhower, John Kennedy e Lyndon Johnson—Billy Graham, no entanto, sempre foi um conservador moderado, que jamais adotou a militância raivosamente direitista da maioria de seus seguidores. Isso não o impediu de sair chamuscado, como grande amigo de Richard Nixon, do caso Watergate, que levou a renúncia do presidente, em 1974. O pastor esteve no Brasil algumas vezes. Numa delas, em 1974, foi recebido em Brasília pelo então presidente Ernesto Geisel.

Fonte: O Globo - Texto integral